O advogado Pedro Proença, cujo cliente foi condenado em primeira instância de violar a filha de 18 anos, tentou afastar a desembargadora Adelina Barradas de Oliveira por esta ser “mulher” e “certamente mãe”, avança a SIC Notícias. O recurso chegou às mãos da magistrada, com mais de 30 anos de carreira.

Durante o julgamento em primeira instância, foram dados como provados que, no outono de 2017, o homem — um estrangeiro a viver em Portugal há mais de 30 anos e entretanto naturalizado português — levou a filha a jantar nas vésperas de esta completar 18 anos. Pai e filha não mantinham contacto regular e viam-se, em média, três vezes por ano. Durante a refeição, em que também participaram os dois meios irmãos da vítima, o homem pediu duas garrafas de vinho e foi enchendo o copo da aniversariante. A jovem já estaria visivelmente embriagada quando saiu do restaurante.

Uma vez em casa, o homem, engenheiro naval de profissão, abriu mais uma garrafa de espumante. A vítima sentiu-se mal, vomitou e foi-se deitar. É nessas circunstâncias, quando o pai vai ter com ela ao quarto, que terá ocorrido a violação.

Terá sido a própria vítima que liga à mãe a contar que o se passou. Minutos depois, a GNR deslocou-se à casa do arguido para convencê-lo a entregar-se. Só ao fim de quatro horas é que o suspeito se entregou às autoridades, segundo a SIC Notícias. Os militares da GNR, já dentro da habitação, terão encontrado a jovem na cama, encolhida sobre si mesma, em pânico e ainda embriagada.

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Em tribunal, o homem confessou que teve relações sexuais com a filha, mas falou em consentimento e afirmou que a filha o seduziu. O arguido chegou mesmo a pôr em causa a paternidade, mas um teste de ADN terá contrariado esta afirmação.  O Tribunal de Almada acabou por condenar o homem a oito anos e quatro meses de cadeia “por violação na forma agravada e posse de arma proibida”, esclarece o canal de televisão já citado.

É em fase de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que Pedro Proença é contratado — e é aqui que o advogado avança com um incidente processual de recusa de juiz, solicitando à desembargadora Adelina Barradas de Oliveira que se declare “impedida de julgar”, de forma a que seja “substituída por um juiz desembargador homem.” A fundamentação utilizada pelo causídico foi a seguinte:

Antes de ser magistrada judicial, a Veneranda Juíza Desembargadora é mulher e certamente mãe, o que leva a que o horror e a aversão inata ao ato de incesto confessado pelo arguido (…) e o facto de acusar a sua filha de o ter seduzido, provoquem no seu espírito, incontestavelmente, uma especial e mais gravosa oscilação na neutralidade exigida perante o mesmo. (…) Os autos incluem-se na percentagem muitíssimo marginal e excecional dos processos em que é humanamente impossível a uma juíza mulher e mãe ser tão imparcial quanto um juiz homem“, lê-se no requerimento remetido por Pedro Proença.

A resposta da desembargadora foi rápida, com Adelina Barradas de Oliveira a rejeitar os argumentos de Pedro Proença. “O facto de a titular do processo, com 34 anos de carreira, ser mulher e mãe não pode levar a pôr em causa a sua independência enquanto julgador”, acrescentando que o advogado também não podia contestar “a sua legitimidade para decidir e aplicar a lei e, a imparcialidade de todo um sistema que se quer de Justiça e pertença de um Estado de Direito”. “A negação de tudo isto seria a possibilidade de escolher o juiz da causa conforme a cor da pele, dos olhos, o clube de futebol, quem sabe a religião e já agora… o género”, concluiu a desembargadora.

Desembargadora confirmou condenação de primeira instância na íntegra

Sem se afastar, Adelina Barradas de Oliveira acaba por confirmar a decisão de primeira instância, alegando que “não é a vítima que provoca a situação que leva à violação, é o perfil do homem que olha para a vítima”. Isto é, manteve-se a condenação de oito anos de prisão efetiva pelos crimes de violação na forma agravada e posse de arma proibida que o Tribunal de Almada tinha aplicado ao cliente de Pedro Proença.

O advogado, igualmente comentador desportivo da TVI, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) sobre o facto de a desembargadora Barradas de Oliveira ter recusado pedir escusa do processo. Os conselheiros chumbaram o recurso “por completa ausência de fundamento”. Já no Tribunal Constitucional, para onde Proença recorreu da decisão do STJ, o último recurso foi rejeitado liminarmente — isto é, nem chegou a ser apreciado.

Resolvida a questão do incidente de recusa, resta ainda o recurso sobre a condenação mantida na íntegra pela Relação de Lisboa que ainda não foi apreciado pelos STJ. Pedro Proença, contudo, já interpôs mais um recurso no tribunal superior que representa a cúpula judicial portuguesa: um habeas corpus. Proença alegou que o seu cliente estava ilegalmente preso por se ter esgotado o tempo máximo de prisão preventiva admitido por lei. Mas, uma vez mais, os conselheiros rejeitaram os seus argumentos, respondendo que a prisão preventiva só se esgota daqui a seis meses.

A SIC Notícias tentou contactar Pedro Proença que se recusou a prestar esclarecimentos por “não ter autorização da Ordem dos Advogados”. Entretanto, a vítima mudou de cidade e continua a ter acompanhamento psicológico.