Há quase um mês, na antestreia do novo filme de Quentin Tarantino, a atriz Maya Hawke foi interpelada por um jornalista da Variety, a meio da passadeira vermelha. Este perguntou-lhe sobre o seu processo de seleção para o papel de Flower Child — se o realizador lhe tinha ligado, enviado uma mensagem ou se teria falado diretamente com a mãe, que já protagonizou três grandes sucessos de Tarantino — “Kill Bill” (os dois volumes) e “Pulp Fiction”. “Não, fui a uma audição, como todos os outros. Recebi um telefonema do meu agente, a dizer-me que havia um filme disponível. Tive algumas indicações, gravei a minha cassete no meu quarto, com o meu pai […] depois recebi uma chamada a dizer que tinha ficado com o papel. Talvez no final tenha um abraço apertado extra do Quentin, mas cheguei aqui como todos os outros”, respondeu a atriz de 21 anos.
A pergunta foi legítima, a resposta esclarecedora. Maya é filha dos atores Ethan Hawke e Uma Thurman. No breve currículo, nada ressalta, à exceção da recente participação na terceira temporada de “Stranger Things”, que surpreendeu a comunidade de fãs da série. Falando do elenco de “Era Uma Vez em… Hollywood”, nova produção de Quentin Tarantino, protagonizada por Brad Pitt, Leonardo DiCaprio e Margot Robbie e com estreia marcada para dia 15 de agosto, em Portugal, este não é um caso único. Magaret Qualley, filha da ex-manequim Andie MacDowell, Rumer Willis, filha de Demi Moore e Bruce Willis, e Harley Quinn Smith, filha do realizador Kevin Smith, também fazem parte do elenco.
No nepotism here. Maya Hawke says she had to go through the same process as everyone else for her role in #OnceUponATimeInHollywood pic.twitter.com/3bz0lXsBgB
— Variety (@Variety) July 23, 2019
O cenário volta a trazer o nepotismo para o centro da conversa, pelo menos no que a Hollywood diz respeito. “Os filmes nascem de ligações pessoais, de colaborações de família ou de amizades que se refletem em trabalhos de valor incalculável — mas é justo questionar se isso não será só uma máscara para esconder um mal social e financeiro. Parece um padrão que precisa de ser quebrado”, escreveu o The Guardian, à data da antestreia. O fenómeno existe e não resulta de um talento extraordinário transmitido por via genética. “Às vezes, penso que não mereço a vida que tenho. Ao mesmo tempo que gosto de acreditar que o trabalho árduo me ajuda a conseguir as coisas, também sei que as portas me têm sido abertas. Tive oportunidades desde muito jovem que, de outra forma, não teria”, admitiu a atriz Magaret Qualley, de 24 anos, numa entrevista à revista Paper, no início de julho.
A indústria está repleta de casos. Em alguns, o talento salta à vista. Outros deixam margem para pensar e favorecimentos. Ainda assim, é inevitável pensar que, à parte das relações privilegiadas, uma família ligada ao cinema proporciona, desde cedo, uma perceção real e uma aprendizagem do que são os preceitos da profissão. Drew Barrymore, Kate Hudson, Colin Hanks, Dakota Johnson e Jack Quaid são só alguns exemplos de atores e atrizes que seguiram as pisadas dos pais. Questionar a escolha dos filhos das estrelas para os papéis é pôr em causa as linhagens que sempre fizeram parte vida de Hollywood. Por outro lado, é essencial para garantir a paridade entre atores, sobretudo entre os que estão em início de carreira.
Esta não é a primeira vez que Quentin Tarantino surge envolvido em acusações de nepotismo. Em 2010, ano em que o realizador presidiu ao júri do Festival de Cinema de Veneza, as críticas não tardaram, depois de terem sido atribuídos prémios a Sofia Coppola, sua ex-namorada, e ao espanhol Alex de la Iglesia, amigo de longa data. Na altura, Tarantino refutou as acusações. “Um amigo no júri torna-se o nosso pior inimigo”, referiu o realizador. Sofia Coppola é, na verdade, um bom exemplo do que pode estar do outro lado da moeda. Ao mesmo tempo que é filha de Francis Ford Coppola — que a ajudou a produzir o seu primeiro filme, “As Virgens Suicidas” –,veio a revelar-se uma realizadora prodigiosa, ainda que catapultada para a indústria pelo pai. A mesma família encerra outros casos. O primo Jason Schwartzman, estreou-se no filme “Gostam Todos da Mesma” (“Rushmore”, título original), de 1998. Nicolas Cage protagonizou três filmes do tio no arranque da sua carreira: “Juventude Inquieta”, “Cotton Club” e “Peggy Sue Casou-se”.
Na verdade, nada melhor do que a relação entre tio e sobrinho para explicar a origem da palavra nepotismo. É uma derivação do latim nepos, sinónimo de sobrinho, que mais tarde desembocou no italiano nipotismo, termo usado para designar o hábito mantido por muitos papas, de atribuir empregos aos seus sobrinhos.