Chama-se Maudde, foi lançada em abril e não é só mais uma loja de roupa online. A moda, como bem sabemos, é uma indústria carregada de excessos e o que Ana e Marta Silva quiseram fazer foi promover a circulação de peças intemporais. Sem prazo de validade, sobretudo por uma questão de qualidade mas também de design, é lá que vestuário, malas e sapatos de marcas de luxo procuram uma nova vida. Uma ideia que as duas irmãs simplificaram num único conceito, o de pre loved luxury.

“Sempre gostei muito de moda, mas sem nenhuma experiência muito concreta a nível profissional. Fui fazer um mestrado. Adorei, mas fiquei com mixed feelings. Eram milhões de peças produzidas e não queria contribuir para esse problema”, recorda Ana Silva, de 35 anos, ao Observador. Ela veio do Marketing, a irmã, sete anos mais velha, vem da Química Aplicada. Depois disso, dedicou-se a estudar Gestão e a juntar as peças que a trouxeram até aqui. Afinal, havia alternativas ao consumo de roupa novinha em folha, a proposta só tinha de ser apelativa o suficiente para abalar o estigma em torno da moda em segunda mão.

© Luís Baltazar

“Porquê a moda de luxo? Por causa da qualidade das peças, mas também da história das grandes maisons, que sempre me fascinou”, conta. “E para quê produzir mais quando há coisas tão incríveis já feitas?”, conclui. Depois de meses de preparação, a plataforma viu a luz do dia. Para o arranque, as duas empreendedoras contaram com seis lojas portuguesas da especialidade, que não hesitaram em colocar algumas peças à venda online. Não demorou muito até que algumas particulares começassem a submeter os seus tesouros (muitos deles vintage). Qualquer um pode colocar peças à venda na Maudde e marcar o seu próprio preço. O processo pode ser feito de forma anónima, embora Ana reconheça que, por vezes, conseguem ser muito insistentes e minuciosas com as fotografias das peças. O ramo assim obriga.

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“Queremos mostrar que roupa em segunda mão não tem de estar amontoada e engelhada. As coisas podem ter bom aspeto, como se fossem novas”, refere. Depois da primeira campanha, protagonizada pela modelo (e embaixadora da Marques’Ameida) Sofia Leitão, já pensam no segundo take, até porque há muita coisa nova para mostrar. A par das preocupações com a imagem, é preciso garantir o bom estado e a autenticidade. Quando uma peça é vendida, passa sempre pelas mãos das irmãs Silva que aí contam com a colaboração de alguns entendidos na matéria. Passado o derradeiro teste, é fechado o negócio e a peça chega aos mãos do comprador.

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“Não estamos a vender luxo ao preço de fast fashion“, esclarece, dando a entender que há um esforço da equipa para que os preços continuem a ser justos. Atualmente, há cerca de 300 artigos à venda na Maudde. Gucci, Chanel, Louis Vuitton, Prada, Givenchy e Christian Dior — as malas podem continuar a ser um objeto de culto (e o que mais depressa se vende), mas na hora de destacar uma peça, Ana vai direta a um conjunto de três peças cobertas de lantejoulas brancas, assinadas por Oscar de la Renta. Está à venda por 495 euros e a empresária garante que não há fotografia que lhe faça jus. No resto da loja, os preços vão dos 20 aos 2.000 euros.

“Fico maravilhada quando algumas peças chegam. O nosso objetivo, a curto prazo, é mesmo sensibilizar e divulgar este mercado — em Portugal, porque lá fora já há outra abertura. Queremos mostrar que, para sermos mais sustentáveis, não é preciso deixar de comprar roupa ou deixar de gostar de moda. O mercado de segunda mão é uma opção”, afirma. Do outro lado da cadeia de trocas estão pessoas que querem reaver o investimento que fizeram em tempos. O contrato de confidencialidade garante-lhes o anonimato e há mesmo um serviço mais completo em que as peças são recolhidas, fotografadas e postas à venda sem que o proprietário tenha de se preocupar com isso.

© Luís Baltazar

Por detrás da nova plataforma portuguesa de compra e venda de artigos de luxo não há ideias feitas. Quando foi mãe, Ana Silva deparou-se com uma quantidade absurda de roupa e acessórios de bebé, muito acima do que um recém-nascido teria capacidade de usar. A experiência de “roupa a mais” voltou, nessa altura, a deixar Ana a pensar no futuro da indústria e numa possível redefinição dos hábitos de consumo. A essa “tarefa”, adiciona uma carga histórica e emocional presente em cada peça — “De quem terá sido esta peça?”; “Em que situações terá sido usada?”; “Onde foi comprada?”; “E quando?”.

Entretanto, quase seis meses depois do lançamento da plataforma, as vendas em Portugal e as que seguem para outros países europeus já estão praticamente em pé de igualdade. Uma tendência que dá pistas sobre o futuro do negócio. A percentagem cobrada a quem usa a Maudde para vender peças pode variar entre os 17 e os 40%, consoante o preço da peça e o serviço contratado. No futuro, a empresa quer crescer no mercado europeu, embora para isso seja fundamental receber um investimento. Para quem tem curiosidade em ver alguns destes tesouros ao vivo, haverá uma loja pop up em Lisboa, durante o mês de outubro. Online ou a três dimensões, como diz Ana, “é preciso é que as coisas circulem”.