A Rainha Isabel II esteve no Parlamento britânico esta segunda-feira para fazer o discurso de abertura da cerimónia parlamentar, perante os deputados da Câmara dos Comuns e os lordes, na Câmara dos Lordes. O discurso, escrito pelo Governo, começou focando-se precisamente no tema Brexit: “A prioridade do meu Governo sempre foi garantir a saída do Reino Unido da União Europeia no dia 31 de outubro”, foi a primeira fase proferida por Isabel II.

A monarca elencou de seguida os principais objetivos do Executivo de Boris Johnson no que diz respeito à saída da União Europeia (UE), falando numa “nova parceria”, “baseada no comércio livre e na cooperação”. Em concreto, foram nomeados novos regimes para a agricultura e pescas, garantias de estabilidade para o sistema financeiros e uma nova lei da imigração para acabar com a livre circulação de pessoas. Contudo, o discurso continha garantias para os imigrantes europeus no país: “O meu Governo mantém-se comprometido em garantir que os residentes da UE que fizeram aqui as suas vidas e contribuíram para o Reino Unido tenham o direito a permanecer“, declarou a Rainha.

O programa do Governo, lido por Isabel II, incluiu ainda a promessa de “apoiar e reforçar o NHS [Serviço Nacional de Saúde britânico]”, manter os gastos com a Defesa no valor de 2% do PIB, facilitar o acesso à educação a todos os cidadãos e até promover medidas pelo bem-estar animal. A maior fatia do discurso, no entanto, concentrou-se na Justiça: o Governo pretende reformular as leis judiciais para que “os criminosos mais perigosos passem mais tempo presos para refletir melhor sobre a gravidade dos seus crimes”.

O discurso conteve ainda uma palavra relativamente à Irlanda do Norte, região fulcral em qualquer acordo para o Brexit devido à impossibilidade de uma fronteira física a separar as duas Irlandas (por imposição do Acordo de Paz de Sexta-Feira Santa). Boris Johnson promete tentar quebrar o impasse que domina o governo regional, atualmente sem capacidade de exercer funções por falta de acordo político entre os partidos. E o Governo compromete-se ainda a “lidar com o legado do passado”, nas palavras lidas pela monarca.

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“Nunca houve uma farsa assim”. Corbyn ataca ‘Discurso da Rainha’ e sugere que em breve poderá haver eleições

Na reação ao Discurso da Rainha, o líder da oposição Jeremy Corbyn classificou a cerimónia como uma “farsa”: “Nunca houve uma farsa assim”, declarou o líder do Partido Trabalhista na Câmara dos Comuns. “Um Governo com uma maioria negativa de 45 e um registo de 100% de derrotas nos Comuns a propor uma agenda legislativa que sabe que não pode ser cumprida neste Parlamento.”

Sobre a situação no Brexit, Corbyn reforçou a necessidade de um segundo referendo (“é altura de deixar as pessoas terem a palavra final”), uma nova união aduaneira com a UE, uma relação próxima do mercado comum europeu e a garantia dos direitos dos trabalhadores, como o Labour tem vindo a pedir. “Ainda não sabemos se o Governo conseguiu ou não um acordo. Aquilo que sabemos é que esta Câmara legislou contra sairmos com um no deal e que o primeiro-ministro tem de respeitar a lei se não for aprovado nenhum acordo nesta Câmara”, disse, referindo-se à lei Benn, que obriga o Governo a pedir um adiamento caso não haja acordo até dia 19 de outubro — e que Boris Johnson tem dado a entender que pode desrespeitar.

Apesar de o Labour ter repetidamente rejeitado a proposta de eleições antecipadas avançada pelo Governo — dizendo que só aceitará fazê-lo depois de o adiamento do Brexit estar garantido —, Corbyn deu a entender que esse pode ser um cenário possível num futuro próximo. “Podemos estar apenas a semanas de distância de um ‘Discurso da Rainha’ sobre um Governo do Labour”, disse no Parlamento o líder da oposição.

Nesse ‘Discurso da Rainha’, o Partido Trabalhista irá apresentar o programa mais radical e focado nas pessoas de toda a era moderna”, declarou, acrescentando que uma das suas propostas será “deixar o povo decidir sobre o Brexit”, afirmou o líder trabalhista.

Na conclusão, Corbyn foi taxativo: “O primeiro-ministro prometeu que este ‘Discurso da Rainha’ nos iria deslumbrar. Mas, visto de perto, mostra-nos que nem tudo o que reluz é ouro.”

Já o líder parlamentar dos nacionalistas escoceses do SNP, Ian Blackford, aproveitou o momento no Parlamento para comentar a situação na Catalunha, onde os líderes independentistas foram condenados pelo crime de sedição. De laço amarelo na lapela, o símbolo do independentismo catalão, Blackford anunciou que o SNP aprovou uma moção de solidariedade no Congresso do partido, que decorre atualmente em Aberdeen: “Estamos de pé ao lado deles”, declarou, referindo-se aos independentistas condenados a penas de prisão efetiva. O gesto, mais do que um sinal de solidariedade internacional, é também uma declaração política interna, já que o SNP tem defendido a necessidade de um segundo referendo à independência da Escócia na sequência do Brexit.

O “Discurso da Rainha”, nome pelo qual é conhecida a cerimónia, dá o pontapé de saída para uma nova sessão parlamentar, com a monarca a ler o programa do Governo para a próxima legislatura. Todo o evento é marcado por pompa e circunstância, com tradições antigas a serem mantidas: a Rainha vai de carruagem de Buckingham para Westminster, entra por uma porta diferente da dos deputados, tem a porta principal da Câmara dos Comuns fechada na sua cara — e só pode entrar depois de pedir para o fazer — e lê o discurso escrito num pergaminho antigo.

A sessão deste ano fica marcada por uma série de circunstâncias atípicas. Por um lado, acontece depois de a suspensão inicial do Parlamento pelo Governo ter sido considerada ilegal pelo Supremo Tribunal, o que pode ter arrefecido as relações entre a Rainha (que foi quem formalmente suspende o Parlamento) e o primeiro-ministro (que foi quem lhe pediu a suspensão). Por outro lado, o Discurso da Rainha decorre ao mesmo tempo que as negociações para um acordo do Brexit entram na reta final, sem haver ainda sinal de que pode haver entendimento entre o Governo britânico e os parceiros europeus.

O primeiro-ministro Boris Johnson tem repetidamente desafiado a oposição a deitar abaixo o seu Executivo e a pedir eleições antecipadas, mas o Labour de Jeremy Corbyn tem hesitado, por querer primeiro garantir que a data de saída — 31 de outubro — é adiada.

Por todas estas razões, o mais provável é que o Discurso da Rainha seja chumbado, depois de cinco dias de debate parlamentar. A acontecer, será a primeira vez desde 1924 que tal acontece. As consequências práticas de um chumbo do Governo, contudo, são limitadas, já que o primeiro-ministro não é obrigado a demitir-se. A meio da tarde desta segunda-feira, um porta-voz do Número 10 de Downing Street confirmou isso mesmo: caso os Comuns chumbem o Discurso lido por Isabel II, Boris Johnson não tenciona apresentar a demissão.