9 de março de 2004. Há 16 anos, há quase exatamente 16 anos, o FC Porto visitou o Manchester United na segunda mão dos oitavos de final da Liga dos Campeões. O resultado no Dragão tinha sido tangencial, um 2-1 com um bis de McCarthy que um golo de um olvidável Quinton Fortune tornava possivelmente perigoso. Em Old Trafford, pouco depois da meia-hora, Paul Scholes confirmou isso mesmo ao atirar o United de Alex Ferguson e Cristiano Ronaldo para a frente da eliminatória. Mas em cima dos 90′, na recarga a uma defesa de Tim Howard depois de um livre direto, Costinha colocou o FC Porto nos quartos de final da Champions.

José Mourinho correu, correu e correu. Correu desde o banco de suplentes até à zona da bandeirola de canto, onde os jogadores se amontoavam em cima de Costinha — correu entre saltos, entre braços pelo ar e entre a certeza de que tinha o passaporte carimbado para a fase seguinte. O FC Porto eliminou o Lyon nos quartos, o Deportivo nas meias e aniquilou o Mónaco na final de Gelsenkirchen: conquistou a Liga dos Campeões em 2003/04, de forma quase épica, mas foi naquela gélida noite de março em Manchester que o futebol europeu conheceu José Mourinho. Um José Mourinho que corria, corria e corria.

Passaram, lá está, 16 anos. De lá para cá, José Mourinho voltou a conquistar a Liga dos Campeões em 2010, com o Inter Milão, e venceu a Liga Europa com o Manchester United que derrotou naquele março de 2004. Esta terça-feira, na Alemanha, o treinador português voltava a enfrentar o desafio que enfrentou há 16 anos: contra o RB Leipzig, ao comando do Tottenham e fora de casa, Mourinho procurava confirmar a presença nos quartos de final da Liga dos Campeões. Os obstáculos, porém, eram bem maiores dos que aqueles que teve pela frente em Old Trafford.

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Na antecâmara da visita ao clube alemão, o Tottenham não vencia há cinco jogos: entre a primeira mão com o RB Leipzig e os encontros com Chelsea, Wolverhampton, Norwich e Burnley. Mourinho não tem Harry Kane, não tem Son Heung-min, não tem Bergwijn e não encontra soluções dentro do plantel, tendo criticado publicamente o médio Ndombele depois de uma exibição menos conseguida na última jornada da Premier League. Esta terça-feira, numa semana em que a melhor notícia foi mesmo o regresso de Kane aos treinos, Ndombele saía naturalmente do onze inicial: entrava Winks, assim como Lucas Moura e Aurier, e também eram despromovidos Vertonghen e Oliver Skipp. Gedson Fernandes, como já vem sendo habitual, começava no banco de suplentes.

José Mourinho à conversa com Julian Nagelsmann, treinador do RB Leipzig, muitas vezes apelidado de “mini Mourinho”

Depois da derrota pela margem mínima em Londres, com um golo de grande penalidade de Timo Werner, o Tottenham só precisava então de marcar sem sofrer para empatar a eliminatória — tal como só precisava de marcar duas vezes para ficar na frente da eliminatória. Pela frente estava um Leipzig com uma poderosa frente de ataque, formada por Werner, Schick e Nkunku, e um banco de suplentes admirável, com opções como Dani Olmo, Forsberg, Lookman ou Poulsen. O Tottenham até começou bem, a tentar tirar benefícios do facto de não ter uma referência ofensiva clara para oferecer mobilidade a Dele Alli, Lamela e Lucas, mas bastaram escassos minutos para que os alemães agarrassem no jogo.

Com uma linha defensiva de três e dois laterais que percorriam todo o corredor, Mukiele e Angeliño, o Leipzig conseguia construir uma espécie de muralha de dois homens no meio-campo que soltavam a frente de ataque de quase todas as tarefas defensivas. Laimer e Sabitzer, com o primeiro a ficar sempre numa zona mais recuada e o segundo a surgir nas costas do ataque, funcionavam como um pêndulo que oferecia o equilíbrio necessário a Werner, Schick e Nkunku. E bastaram dez minutos para que isso se fizesse sentir. Aos dez minutos de jogo, Werner apareceu a rematar tombado na direita depois de uma boa transição, Eric Dier intercetou e Sabitzer apareceu à entrada da grande área, de primeira, a atirar para inaugurar o marcador (10′). Ficava visível a eficácia alemã — mas também ficava visível a enorme passividade defensiva do Tottenham, que deu todo o espaço do mundo ao capitão do Leipzig.

Depois do golo sofrido, o Tottenham perdeu o ímpeto que tinha mostrado nos minutos iniciais e recuou no relvado, juntando os setores e tentando responder à enorme intensidade do adversário. Timo Werner voltou a bater Lloris pouco depois, num lance onde ficou novamente clara a facilidade que estava a ser permitida pela equipa de José Mourinho, mas a jogada foi anulada por fora de jogo do avançado — o aumentar da vantagem, porém, só tardou dois minutos. Abertura na ala esquerda, Aurier foi mais do que permissivo, falhou o tempo de salto e deixou Angeliño ganhar a bola nas costas; depois do cruzamento, Sabitzer apareceu ao primeiro poste, antecipou-se por completo a Tanganga e cabeceou para bisar, num lance onde Lloris ainda tirou a bola da baliza mas já depois desta ter ultrapassado a linha de golo (21′).

Na ida para o intervalo, o Tottenham precisava de marcar três golos na Alemanha — e não só não estava a jogar o suficiente para isso como estava a defender mal, abrindo espaço a inúmeras ocasiões do Leipzig que poderiam ter levado o resultado para números embaraçosos ainda na primeira parte. Numa segunda parte que ficou desde logo marcada pela saída de maca de Mukiele, que foi atingido na face por uma bola e ficou sem condições para regressar ao jogo, o Tottenham teve mais bola mas pouco conseguiu fazer com ela, já que raramente conseguia ultrapassar com qualidade a defesa sólida dos alemães.

O RB Leipzig passou a jogar mais recuado, de forma natural, e a apostar quase unicamente na transição rápida na hora de atacar: um formato que era mais do que suficiente, já que no três para três entre Werner/Schick/Nkunku e Alderweireld/Dier/Tanganga o trio do Tottenham saía quase sempre a perder, mostrando notoriamente que é o setor mais frágil da equipa de José Mourinho. O treinador português fez a primeira substituição a dez minutos do apito final, com a entrada de Gedson para o lugar de Lo Celso, o Leipzig geriu a vantagem e Forsberg ainda entrou para fazer o terceiro na primeira vez em que tocou na bola (87′), com os spurs a não chegarem sequer perto de reduzir a desvantagem.

0-1 na primeira mão, 3-0 na segunda mão, 4-0 no final da eliminatória e o Tottenham despede-se da Liga dos Campeões nos oitavos de final, vendo agora a temporada reduzida à luta pelos lugares da Premier League que dão acesso às competições europeias da próxima temporada. Já o RB Leipzig, que já tinha feito história no momento em que ultrapassou pela primeira vez uma fase de grupos da liga milionária, continua o percurso inédito e segue agora para os quartos de final, onde vai tentar continuar a queimar etapas. 16 anos depois do sprint de Old Trafford e do golo decisivo de Costinha, José Mourinho voltou a correr — mas só para fora da Liga dos Campeões. A equipa do treinador português é curta em todos os setores, sente demasiado as ausências dos jogadores lesionados é nesta altura uma sombra do grupo que em maio chegou à final do Wanda Metropolitano com o Liverpool.