A música pode ter sido a sua primeira paixão. Mas foi com a comédia que se tornou conhecido. Séries de televisão como “Spaced” ou “Black Books” ajudaram a lançar o nome de Bill Bailey fora do Reino Unido e tem construído um corpo de trabalho em constante mutação na stand-up ao longo das últimas duas décadas. A música foi uma paixão e entrou no seu espectáculo, é parte integrante na sua comédia e de como a transforma. “Larks In Comedy” é o seu mais recente espectáculo. Irá apresentá-lo no Salão Preto e Prata do Casino Estoril nesta sexta-feira, 13 de Maio.
Numa conversa ao telefone, há cerca de um mês, Bill Bailey explicou-nos como chegou a este espectáculo e como ao longo dos anos tem integrado novos instrumentos no seu trabalho, ou como o seu trabalho para televisão tem vindo a ser descoberto por novas gerações. Do outro lado atende-nos uma voz muito bem-disposta.
Reparei que nasceu em Bath. É uma cidade muito bonita. Costuma ir lá muitas vezes?
É muito bonita.
E perto de Glastonbury. Já fui lá.
À cidade ou ao festival?
Ao festival.
Atualmente é um festival enorme.
Ainda vai lá?
Acho que a última vez que fui lá foi há dez anos. Estava em digressão nessa altura e toda a gente que estava comigo em digressão foi para Glastonbury durante um dia. Foi divertido. Mas é durante as férias da escola e tento não trabalhar durante as férias dos meus filhos.
Ainda tem casa em Bath?
O meu pai vive nos arredores de Bath. Vou vê-lo de vez em quando. Mas quando saí de casa, mudei-me para Londres. E fiz de Londres a minha casa. Quando cresces no campo, as cidades são muito excitantes. E apercebi-me que a cidade é o meu habitat natural.
Deixando a casa e falando da estrada: pode contar-me um pouco sobre esta digressão, “Larks In Transit”?
A ideia surgiu porque tenho feito muitas digressões internacionais nos últimos anos. E com as mudanças, não só no Reino Unido, mas também no mundo, pensei que faria sentido fazer um espectáculo assim. “Larks” [traduz-se como “cotovia” para português mas no inglês é usado no contexto de quando alguém acorda com boa disposição] é um termo do Dickens, no Grandes Esperanças, quando o primo do Pip diz “What larks Pip”, no sentido de “divertimo-nos tanto” de uma forma nostálgica. Uso a palavra porque gosto dela e “transit” [em trânsito/em viagem] refere-se ao facto de estar sempre na estrada, em digressão. Às histórias, onde a comédia me levou, em que países estive, ou os programas de televisão que fiz por todo o mundo. É algo autobiográfico, é um pouco como é estar na minha vida, como é um comediante em digressão.
[Bill Bailey no programa de Conan O’Brien:]
Está naquela fase da vida em que tem de ir pela autobiografia?
Uma parte tem a ver com isso. Há momentos sobre a família, mas também há muita música, parte do espectáculo é sobre pequenas viagens musicais, variações de sons, coisas que apanhei nas minhas viagens. Como também é sobre sons que a nova tecnologia possibilitou, uma outra linguagem… é interessante como a comédia encontra uma audiência pelo mundo. Adoro isso. Adoro o facto de que posso tocar em qualquer parte do mundo. A língua inglesa torna isso possível. Antigamente atuava em Inglaterra, por vezes ia aos Países Baixos, Austrália, Nova Zelândia. Agora toco em todo o lado.
Esse fenómeno é recente em Portugal. Sente que as audiências o conhecem nos sítios em que visita?
Já ando em digressão pela Europa há mais de cinco anos. Em alguns países, onde já tinha atuado, sei que há uma boa receção à comédia britânica, países como a Noruega e Suécia, onde toda a gente fala inglês, o inglês é uma segunda língua, toda a gente vê televisão inglesa. É uma região muito anglófila, a Escandinávia. Estamos na mesma latitude, há muitas semelhanças. Contudo, nos últimos 5/10 anos, a comédia abriu-se muito por toda a Europa. Penso que tem a ver com o YouTube, quando o YouTube começou, há cerca de 15 anos… antes disso, esperavas cerca de cinco anos para as coisas serem filtradas e chegarem a muita gente. Mas hoje não, hoje as pessoas têm acesso a tudo, podem ver a comédia britânica, porque está tudo online. Tudo o que fiz, a minha vida toda, está no YouTube. Isto é uma forma para as pessoas conhecerem a comédia, perceberem o que gostam e não gostam. E partilham. O YouTube mudou a comédia. Tem tido uma grande importância para disseminar a comédia inglesa por toda a Europa. O que estamos a ver agora é o resultado… Há dez anos tinhas adolescentes a ver vídeos no YouTube e a partilhá-los com os amigos, agora, 10 anos depois, temos essas pessoas nos vintes, trintas, que são adultos e têm dinheiro para gastar. E querem sair, ver comédia. Querem experienciá-la. Isso tem sido uma grande influência.
Agora atuo em vários sítios na Europa, em sítios que nunca imaginei. Países como Estónia, Lituânia, Letónia, República Checa. O que nos liga é o facto de sermos europeus. E há uma sensibilidade europeia, há um olhar comum em relação ao mundo. Isso é diferente nos Estados Unidos… os americanos, benditos sejam… mas eles são muito autocentrados. É muito difícil para eles estarem interessados no resto do mundo. Eu sei que é uma grande generalização, mas acho que isso é verdade. Os europeus… deve ser algo no nosso passado, no passado coletivo, somos por natureza exploradores. Gostamos de conhecer o mundo. De o descobrir. Temos uma visão mais externalizada. E percebo isso com o meu público. Alguns dos meus melhores espectáculos aconteceram na Europa Continental. Porque sinto uma grande ligação com as pessoas, podemos não partilhar a linguagem, mas partilhamos uma visão do mundo. E a música facilita muito. Gosto de incorporar música na minha comédia e é uma forma de comunicar com todas as línguas.
Como surgiu a música na sua performance? Qual a ideia por detrás disso?
Desde miúdo que toco música. Aprendi a tocar piano muito novo, com a guitarra. Por isso, pareceu natural, quando comecei a atuar, levar uma guitarra para o palco. Durante muitos anos, só atuava com a guitarra. Num ano, estava a atuar no Festival de Edimburgo — foi a primeira vez que estava a fazer uma residência — e estive lá durante três semanas. Pensei: porque não usar teclados. Uma mudança na forma como atuava. Percebi que havia espaço para comédia em volta do piano. E isso abre novos espectros para a comédia, através da música pop, jazz, clássica, de repente todos os géneros tornam-se positivos. O piano tornou-se num salto quântico nas possibilidades do que poderia fazer com a minha comédia. A partir daí explorei música folclórica, outros instrumentos, tecnologia. Até cheguei a samplar a audiência! Até uso a música com um carácter observacional. Toco um estilo de música, as pessoas dizem “conheço isso” e depois manipulo para soar a algo diferente. O mundo da comédia é muito competitivo. Há muitos estilos de comédia, de tipos, confrontacional, política, satírica, estranha, estúpida, surreal. E eu tenho este nicho de tocar música, que é uma parte importante da minha comédia.
Há pouco mencionou que usa vários instrumentos. Ter um telemóvel na sua mão, para um espectáculo como “Larks In Transit”, torna tudo mais fácil?
Exatamente. Toco música, fui educado musicalmente, gosto de dizer, toco piano, guitarra, todos esses instrumentos. Mas quase todos nós temos um smartphone nas mãos e qualquer um de nós tem a capacidade de criar música. Gosto disso. É muito mais democrático. Toco o ringtone da Apple e samplo isso, torno isso numa pequena sinfonia… e toco a canção através do telemóvel num pequeno instrumento chinês de cordas, o erhu. Quero mostrar onde a tecnologia nos faz chegar e como nos pode tornar mais capazes.
As pessoas que vão aos seus espectáculos conhecem-no do “Black Books”?
Sim. Foi um programa muito popular e teve uma vida longa. Ainda continua. Há muita gente a descobri-lo agora. Para mim, é fascinante que um programa chegue a tanta gente. Isso deve-se à internet, ao YouTube. Muita gente conhece-me do “Black Books”. Mas o que a internet faz é que podes ver aquilo e, dois cliques depois, estás a ver outro vídeo meu e depois percebes que vou tocar aí. É uma porta de entrada para ver toda a minha comédia.
As histórias que conta em “Larks in Transit” falam só sobre estar em digressão?
Não é só sobre estar em digressão. Não é um diário de viagem. É um ponto de partida para outros assuntos. Gosto de falar de política, de música, da minha vida pessoal, a minha educação, nostalgia, esperanças. Gosto de misturar estilos de música diferente, toco a “Old Mcdonald Had A Farm” ao estilo de Tom Waits. Gosto de misturar géneros, sobrepô-los. Gosto de perguntar questões ao público, de envolver o público. Mas de uma forma positiva. Não gosto de gozar com a audiência, de humilhar alguém, acho que isso é uma forma de humor gratuito. Gosto de perguntar coisas às pessoas e incorporar isso no espectáculo. Parte é performance, histórias, rotinas, as minhas obsessões, mas também há interação. Gosto de ouvir o que as pessoas têm a dizer.