De Joan Crawford, dizia Bette Davis: “É uma ninfomaníaca, uma vaidosa, ciumenta e tão fiável como um cesto cheio de cobras”, e acusava-a de ter subido em Hollywood por ter ido para a cama com quem tinha poder. Joan Crawford respondeu-lhe: “Antes na cama do que no chão duro e frio”, acrescentando que Davis não só lhe queria roubar os louros como intrigava para a destruir. “Além de cabra é louca”, retorquiu Davis. Contava o realizador Curtis Bernhardt, amigo de Bette Davis, que quando dirigiu Joan Crawford em “Loucura de Amor” (1947), um dia, durante as filmagens, lhe chamou “Bette” por distração. Crawford ficou fula e bateu-lhe com a mala, enquanto gritava: “Chamo-me Joan! Joan Crawford! E não te esqueças disso, meu filho da puta!”.

A rivalidade entre Bette Davis e Joan Crawford é matéria de lenda no cinema americano. Há até um livro que a conta detalhadamente, Bette and Joan: The Divine Feud, de Shaun Considine. Hollywood era pequena demais para ter duas rainhas, duas divas alfa, duas estrelas de dimensão e brilho igual — e ambas com mau feitio. Davis e Crawford não se podiam ver nem pintadas e disputavam tudo. Os favores dos patrões dos estúdios, a atenção dos realizadores, os prémios, os papéis e até os homens. Bette Davis estava comprometida com Franchot Tone, mas foi Joan Crawford que se casou com ele, em 1935 (terá sido aí que começou a ácida e violenta animosidade entre as duas atrizes). Crawford era de tal forma célebre na altura, que a imprensa se referia a Tone como “O Sr. Joan Crawford”. Divorciaram-se quatro anos depois.

[Veja um filmezinho sobre Bette Davis e Joan Crawford:]

Mas no início dos anos 60, as estrelas de Davis e Crawford estavam a perder o brilho e o pé. Os bons papéis para atrizes com a idade delas escasseavam, os grandes estúdios e a indústria cinematográfica estavam a mudar rapidamente, tal como a própria sociedade americana, e havia uma nova geração de espectadores com novos gostos e interesses, que queria vedetas à sua imagem. Joan Crawford estava com problemas de dinheiro e à procura de um filme decente, e Bette Davis fazia teatro mas estava insatisfeita. Daí que, em 1962, quando surgiu a oportunidade de contracenarem num filme de terror realizado por Robert Aldrich, “Que Teria Acontecido a Baby Jane?”, fizeram ambas das tripas coração e encontraram-se no mesmo “set” pela primeira vez. Seria também a última.

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(Bette Davis foi nomeada para o Óscar de Melhor Atriz pelo seu papel de Baby Jane e Joan Crawford ficou em branco. Mas vingou-se de Davis fazendo “lobby” contra ela e indo receber o Óscar pela vencedora, uma jovem Anne Bancroft, por “O Milagre de Anne Sullivan”, a quem convenceu a ficar em Nova Iorque, onde estava a interpretar uma peça na Broadway).

[Veja Joan Crawford receber o Óscar de Anne Bancroft:]

Na série da HBO “Feud: Bette and Joan”, Ryan Murphy, o criador de “Nip/Tuck” e “Glee” recria ao mais venenoso detalhe a atribuladíssima rodagem de “Que Teria Acontecido a Baby Jane?”, com Susan Sarandon no papel de Bette Davis, Jessica Lange como Joan Crawford, e Alfred Molina no sofredor Robert Aldrich. Mas não se fica por aí. Murphy mostra também os problemas pessoais e familiares das duas estrelas, a frustração, angústia e ressentimento ante o peso dos anos e o desvanecer do seu “glamour”, a perda de popularidade, um “studio system” em crise, a nova geração de atrizes que despontava, com Marilyn Monroe (“essa miúda vulgar”, como lhe chama Davis) à cabeça, a misoginia do meio cinematográfico e o desprezo cruel por parte daqueles a quem, durante muitos anos, ambas tinham dado milhões a ganhar, caso de Jack Warner (um magnífico Stanley Tucci).

[Veja o “trailer” de “Feud: Bette and Joan”:]

Entre os momentos mais pungentes de “Feud: Bette and Joan”, estão os da rodagem do último filme de Joan Crawford em Inglaterra, em 1970, uma série B de ficção científica, “A Caverna do Homem-Monstro”, em que a outrora estrela de primeira grandeza de Hollywood faz de antropóloga (!), submete-se à humilhação de ter como camarim uma velha carrinha Volkswagen, e não pode sequer contar com a sua fidelíssima governanta alemã Mamacita (Jackie Hoffman) por não haver orçamento para a trazer consigo; ou as cenas dos episódios-piloto de séries em que Bette Davis faz personagens ridículas e que são sucessivamente recusados pelas televisões, bem como o “roast” em que ela tem de aguentar ser gozada pelos seus pares, arvorando um mal disfarçado sorriso amarelo.

[Veja uma cena da série:]

Susan Sarandon e Jessica Lange enfrentavam um grande desafio, ao aceitarem interpretar estas duas enormes, talentosas, combativas e carismáticas sobreviventes da idade de ouro de Hollywood, caídas em tempos indignos e difíceis nas suas vidas privadas e artísticas, e que tanto podiam ser encantadoras como monstruosas. E que apesar de serem inimigas figadais, tinham, afinal, muito em comum (como a própria Davis acabaria por admitir após a morte de Crawford): um profissionalismo inatacável, uma exigência profissional consumada e um espírito lutador que se recusava a quebrar ou a torcer. E Sarandon e Lange saem-se ambas lindamente, porque se furtam quer à imitação coladinha ao original e rebuscada, quer à caricatura “camp” e exibicionista, evitando ainda espalhafatos estridentes de “bitchiness”.

[Veja uma cena da série:]

O elenco de “Feud: Bette and Joan” inclui ainda Catherine Zeta-Jones no papel de Olivia de Havilland, grande amiga e aliada de Bette Davis (a série esteve suspensa depois da verdadeira De Havilland ter actuado juridicamente contra a produção, por não se rever na forma como está representada), Kathy Bates como Joan Blondell, Alison Wright em Pauline, a paciente e talentosa assistente de Robert Aldrich, Judy Davis na poderosa colunista de mexericos Hedda Hopper, e  Dominic Burgess como Victor Buono. E não esquecer o soberbo genérico da série, que sintetiza o enredo de “Que Teria Acontecido a Baby Jane?” ao melhor estilo de mestre Saul Bass.  Gloriosa e feroz, deslumbrante e impiedosa, era assim a velha Hollywood. Mas que formidável galáxia de estrelas tinha.

“Feud: Bette and Joan” está disponível na HBO