Na segunda temporada da série “The Terror”, há uma maldição que aterroriza uma comunidade piscatória japonesa que vive nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. Em “Terra Nova”, a nova série de Joaquim Leitão, que estreia na RTP1 esta quarta-feira, dia 3, pela 21h30, a ação decorre na década de 1930. Não há maldição nem guerra, mas há o árduo trabalho que desenvolve as aspirações e expectativas de uma comunidade.

Fala-se também em “The Terror” porque “Terra Nova” é uma obra em dois momentos. Há um filme, de Artur Ribeiro, que deveria ter estreado a 19 de março, mas devido à situação atual foi adiado, que acontece todo dentro do Lugre, o barco que transporta os portugueses para a pesca do bacalhau. A primeira temporada de “The Terror”, que é uma série de antologia da AMC (ou seja, cada temporada trata uma narrativa completamente diferente), também acontece toda dentro de barcos, barcos que estão parados no Ártico por causa do gelo.

Há uma coincidência feliz e é muito provável que “The Terror” não tenha exercido qualquer influência na construção da série e do filme, mas a produção portuguesa toca em muitos pontos dramáticos explorados pela segunda temporada da série da AMC. “Terra Nova” é um antes e depois do que acontece dessa viagem no Lugre, e estreia, ao contrário do planeado, antes do filme. Numa conversa telefónica com Joaquim Leitão, o realizador da série, explicou-nos como foi fácil imaginar uma vida para estas personagens em terra:

“O argumento do filme foi o primeiro a ser feito e, depois, o Artur Ribeiro e a produtora perceberam que havia ali material para, a partir daqueles personagens, realizar algo que era completamente diferente da longa-metragem. O filme é baseado numa obra do Bernardo Santareno [a propósito do centenário do nascimento do escritor], chamado O Lugre, todo ele se passa num barco, durante uma viagem para o norte do Atlântico, nos anos 1930, para ir pescar bacalhau. Tem um clima próprio, é algo que tem validade de tempo, espaço e clima que são muito particulares. Era fácil de imaginar o que era a vida antes e depois das personagens. É isso que a história da série conta, o que se passa antes daqueles marinheiros partirem e depois deles chegarem. É uma história que se centra em personagens diferentes e os núcleos familiares desses marinheiros.”

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[o trailer de “Terra Nova”:]

A série acontece num constante vai-e-vem de tempos, entre o antes e o após da viagem no Lugre: “Depois deles partirem, a série vai mostrando algo do que se passou, porque isto explica algumas coisas que se passam nas aldeias e vilas onde se centra a história.” É uma viagem a um outro Portugal, de um outro tempo, a comunidades muito específicas, fechadas, que existiam de elementos – e riscos – muito específicos para sobreviver. O que se passa em terra é intercalado com o que se passa no mar, criando uma ponte temporal entre os diferentes momentos narrativos da série. Apesar das cenas no mar serem realizadas por outro realizador – o do filme, Artur Ribeiro –, há uma boa simbiose e coesão entre os diferentes momentos.

“As imagens do mar são filmadas pelo Artur e são imagens do filme, com qualidades próprias, tal como o que eu filmei tem qualidades próprias. Mas combinam muito bem e o universo que é criado com a combinação das duas coisas é coerente. O que foi filmado n’o Lugre era bom e forte, fiquei surpreendido pelo que foram capazes de fazer. Eu não filmei as imagens do barco deste filme, mas já filmei em barcos. E filmar em barcos em mar alto é uma coisa que é complicada. Foi filmado no norte do Atlântico e a sensação de estar durante uma hora e meia num barco e tudo aquilo soar verdadeiro num barco, ou parecer verdadeiro, dá muita força ao filme. E depois há uma qualidade ainda suplementar que é, ao filmar tão a norte, a luz é muito especial, porque é muito baixa e com características que tornam as imagens muito forte e esteticamente apelativas.”

Talvez seja esta luz e os tempos algo sombrios que remetem para “The Terror”. E, se calhar, é só isso, porque “Terra Nova” não é uma ficção de terror, mas um drama de quotidiano histórico, que se fecha em contextos muito específicos, o das aldeias onde as personagens vivem e as cenas, ocasionais e de contexto, que se passam no Lugre. Não é a primeira vez que Joaquim Leitão faz televisão e, também, não é a primeira que o faz com esse quotidiano histórico: há quinze anos realizou a minissérie “Até Amanhã, Camaradas”. Mas a pergunta é inevitável, sobretudo no estado atual das coisas. Cinema ou televisão?

“Não distingo, para mim é tão importante fazer uma série para televisão como fazer um filme e a minha atitude, o meu empenho e o prazer são iguais. O que tornou este projeto algo de especial para mim é que há sempre fatores, por mais experiências que a pessoa tenha, por mais cuidado que a produção tenha, há fatores que uma pessoa não controla. Neste caso as coisas conjugaram-se sempre para que eu pudesse fazer aquilo que queria e mais do que eu pensava que era possível. Só para dar um exemplo, numa parte já adiantada da série, depois do navio partir, a Nazaré muda de características porque começa a época balnear. E havia várias cenas passadas na praia, por razões que tinham a ver com a logística da rodagem, a única altura que era possível filmar essas cenas era durante o mês de novembro. Havia a possibilidade de as coisas correrem muito mal, de estar mal tempo, vento e frio, os atores não serem capazes de fazer as cenas que não era necessário fazer. Porque era suposto ser verão e estar calor. Quando chegámos lá, o tempo estava ótimo e filmámos cenas que parecem um verão espectacular em novembro. Há um lado de sorte nisso.”

“Terra Nova” é feita de treze episódios com um elenco de luxo, composto, entre outros, por Virgílio Castelo, Miguel Borges, Carla Chambel, Pedro Lacerda, Beatriz Barosa, Sandra Faleiro, Maria João Falcão, Catarina Rebelo, João Craveiro, Vítor Norte e Sara Norte, com argumento de Artur Ribeiro e Nuno Duarte.