Será o festival possível. E esteve para não se realizar, mas o público almadense é insistente e gosta muito de teatro, mesmo que seja de máscara e sob intenso calor. Quem corre por gosto… é assim que se diz, não é? O resultado é uma edição que se prolonga no tempo — 3 a 26 de julho, ao invés do habitual 4 a 18 — e que perde o Palco Grande, habitualmente colocado ao ar livre na Escola D. António da Costa. A Lisboa, só vai o Jardim de Inverno, ao Pequeno Auditório do CCB. Há três estreias, nacionais, e apenas três produções internacionais.

Será, invariavelmente, um festival onde o protagonista serão as medidas de segurança implementadas pela Companhia de Teatro de Almada, na senda das diretrizes do Ministério da Cultura e da Direção-Geral da Saúde. Mas não é por isso que não podemos estar juntos, nem que seja com uma ou duas cadeiras de distância. No final, levantamo-nos e aplaudimos, se for esse o caso. E esperemos que para o ano tudo esteja resolvido. Eis os oito espectáculos que não deve perder na 37ª edição do Festival de Almada.

Bruscamente no Verão Passado / Teatro Experimental de Cascais, encenação de Carlos Avillez

© Ricardo Rodrigues

A instituição viva, a lenda do teatro português — que já esteve à frente dos dois teatros nacionais do país — foi o grande homenageado da edição transata do Festival de Almada. Agora, regressa à margem sul do Tejo com Tennessee Williams na bagagem. É uma das três estreias deste certame atribulado e abre o festival, com honras de Sala Principal. Bárbara Branco, Manuela Couto, João Gaspar, Bernardo Souto, Lídia Muñoz, Luísa Salgueiro e Teresa Côrte-Real mergulham na misteriosa história de Sebastian, filho de Violet Venable, que morreu, na companhia da sua prima Catherine, o ano passado, num verão quente e espanhol.

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3 a 5 de julho, Teatro Municipal Joaquim Benite

Mártir / Companhia de Teatro de Almada, encenação de Rodrigo Francisco

© Companhia de Teatro de Almada

Estreou em novembro de 2018 e foi ainda a tempo de ser um dos espectáculos que mais agitou esse ano. O texto — do dramaturgo e encenador alemão Marius von Mayenburg, membro da mítica e essencial companhia berlinense Schaubühne — é um tratado sobre o perigo dos radicalismos e das posições extremadas. Benjamin é um adolescente e radicalizado cristão, que se incompatibiliza com a sociedade — com a escola, com as aulas de natação, com os colegas — porque ninguém segue as palavras do Senhor, porque ninguém segue, à risca, as ordens bíblicas. Uma encenação de Rodrigo Francisco, que levou Ana Cris (em mais uma interpretação genial) a ser distinguida como Melhor Atriz nos Prémios SPA 2018. Também Vicente Wallenstein (que é parte significativa da excelência deste espectáculo) recebeu uma nomeação para Melhor Actor.

3 a 26 de julho, Teatro Municipal Joaquim Benite

Turma de 95 / Barba Azul, encenação de Raquel Castro

© DR

Foi a partir de Class of 76, dos britânicos Third Angel, que Raquel Castro construiu este Turma de 95, um espectáculo estreado em Dezembro, no Teatro do Bairro Alto. Através de um dispositivo cénico, projeta a fotografia da sua turma do 9º ano do Colégio Salesianos de Lisboa e percorre a sua história, os seus eus jovens, também através dos eus dos colegas. Se dúvidas existissem, esta é a prova inegável da capacidade inventiva de Raquel Castro, uma criadora metódica, com um humor sensível e próprio. É impossível não nos cruzarmos, neste espectáculo, com alguma da história dos anos 90, esses acontecimentos que hoje já parecem artefactos, mas que estão ainda bem perto, bem vivos. Turma de 95 está nomeado para Melhor Texto e Espectáculo dos Prémios SPA 2020.

4 a 12 de julho, Teatro-Estúdio António Assunção 

Castro / Teatro Nacional São João, encenação de Nuno Cardoso

© TUNA/TNSJ

A mais recente produção do Teatro Nacional São João (TNSJ) chegou a estrear, a 5 de março deste conturbado ano, no Teatro Aveirense. Mas não foi ainda ao palco daquilo a que costuma chamar casa, embora já tenha sido transmitida online. De 2 a 4 de julho, o TNSJ oferece três sessões a profissionais de saúda e da Proteção Civil, bem como aos Amigos TNSJ. Depois, rumam a Sul para pisarem a Sala Principal do Teatro Municipal Joaquim Benite. Em Castro, peça escrita em 1598 pelo poeta António Ferreira, Nuno Cardoso dá-nos uma história monárquica com um cenário profundamente atual e organizadinho. Que não se entenda isto como uma crítica, a capacidade de Cardoso nos roubar o coração com ideias cénicas brilhantes é quase garantida. Afonso Santos, Joana Carvalho,João Melo, Margarida Carvalho, Maria Leite, Mário Santos, Pedro Frias e Rodrigo Santos interpretam.

9 a 12 de julho, Teatro Municipal Joaquim Benite 

Viagem de Inverno / Companhia de Teatro de Almada, encenação Nuno Carinhas

© Companhia de Teatro de Almada

Foi ainda em janeiro de 2020 que, Nuno Carinhas — homem que liderou o Teatro Nacional São João de 2009 a 2018 — se estreou a encenar na Companhia de Teatro de Almada. E de que maneira. Reuniu um elenco repleto de talento (Ana Cris, Flávia Gusmão e Teresa Gafeira) e deu-lhes um texto a condizer. Viagem de Inverno é uma das obras-primas da Nobel da Literatura em 2004: Elfriede Jelinek. A brilhante autora austríaca serve-se de Winterreise, ciclo de Schubert composto em 1827 sobre poemas de Wilhelm Müller. Em palco, não há personagens, mas três veículos de texto que deambulam entre a biografia de Jelinek e a histórica recente da Áustria.

11 a 14 de julho, Centro Cultural de Belém 

As Artimanhas de Scapin / Comuna — Teatro de Pesquisa, encenação de João Mota

Crispin e Scapin por Honoré Daumier

Eis outra das estreias presentes no cartaz — ou se preferirmos da programação ­– da 37ª edição do Festival de Almada. É uma encenação de outra célebre figura do teatro português, que já esteve à frente do Teatro Nacional D. Maria II e que está desde a saída dessa casa, de regresso à Comuna. Agora, retoma as encenações, com uma das mais conhecidas comédias de Molière: As Artimanhas de Scapin. Dois jovens, com os pais longe, iniciam a sua vida amorosa. Octávio com Jacinta, Leandro por Zerbineta. Quando os pais regressam com casamentos encomendados e endinheirados, os jovens decidem recorrer a Scapin, um criado de Leandro conhecido pelas suas artimanhas infalíveis. João Mota parte da tradução de Drummond de Andrade.

16 a 19 de julho, Fórum Municipal Romeu Correia

Turismo / A Turma, texto e encenação de Tiago Correia

“Turismo” © José Caldeira

Sabemos bem do que aqui falamos. Falamos, para já, de um dos mais prolíficos autores de textos dramáticos em Portugal, com reconhecido talento (dois prémios SPA e tantos outros assim o comprovam) e ousadia. E falamos de um espectáculo que foi alvo de uma espécie de censura pelo Teatro Municipal do Porto, num caso que ficou conhecido como Rivoleaks. Uma folha de sala não pode ter assim o que se quiser, percebem? Respeitinho pelos mortos. Turismo é um espectáculo que mete o dedo na ferida — praticamente gangrena — que é a gentrificação e aquilo que está a provocar às nossas cidades, como é exemplo do Porto.

24 a 26 de julho, Teatro Municipal Joaquim Benite 

A Criada Zerlina / Culturproject, encenação de João Botelho

© Vitorino Coragem

Embora a encenação seja do realizador João Botelho, a sua primeira encenação, e sem querer tirar-lhe o mérito do trabalho que aqui erigiu com Luísa Cruz, nem o mérito ao cenário do artista Pedro Cabrita Reis, nem o mérito do desenho de luz de Nuno Meira e da produção executiva de Nuno Pratas, não há como atribuir especialmente significância ao desempenho daquela que é, de longe e sem rodeios, uma das melhores actrizes portuguesas de todos os tempos. Aquilo que Luísa Cruz faz em palco, a forma como nos oferece esta criada angustiada, este ser indeciso e em confronto interno, devia ser estudado. É de uma minúcia, de uma capacidade de trabalho, de um brilhantismo muito raros. Ou seja: se ainda não viu este monólogo não perca tempo. Estreou em 2018 no Centro Cultural de Belém, já foi ao Teatro Aberto e agora vai a Almada. E que vá onde conseguir ir. Lá estaremos para ver.

22 a 26 de julho, Fórum Municipal Romeu Correia