Em vésperas de a China receber investigadores da Organização Mundial da Saúde (OMS), autoridades e investigadores chineses defendem que qualquer investigação sobre a origem da pandemia não se pode limitar apenas ao território chinês, mas deve também equacionar outras latitudes como possíveis pontos de partida do novo coronavírus — e Espanha é apontada como uma dessas fontes alternativas.

Esta opinião do regime chinês foi apresentada através de Zeng Guang, epidemiologista chefe do Centro Chinês de Controlo e Prevenção de Doenças, que afirmou: “Não importa em que país começa o trabalho de identificação científica desde que ele envolva todos os países relacionados e seja conduzido de maneira justa”, conta o britânico Telegraph.

No mesmo sentido, Wang Guangfa, um dos principais consultores de saúde do governo, também disse que a OMS deveria olhar para Espanha, lembrando uma polémica investigação em Barcelona que, alegadamente, consegue provar que o novo coronavírus estava presente em águas residuais da cidade em março do ano passado, nove meses antes dos primeiros casos registados em Wuhan.

Já se especula, também, que esta tomada de posição é uma tentativa de atenuar as expectativas à cerca da missão de investigação que a Organização Mundial da Saúde já anunciou que enviará para o país, já na próxima semana. A missão tem como objetivo perceber melhor as cadeias iniciais de transmissão do SARS-Cov-2.

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“Conhecer a fonte do vírus é muito, muito importante”, disse Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor geral da OMS, ao anunciar a viagem que começa já na próxima segunda-feira. “Podemos combater o vírus melhor quando soubermos tudo sobre ele, incluindo a forma como começou”. A equipa da OMS contará com um especialista em saúde animal e um epidemiologista.

O novo coronavírus veio mesmo de Espanha?

O estudo citado pelas autoridades chinesas para sugerir que Espanha pode ter sido a fonte da pandemia tem por base o trabalho feito por um grupo de investigação do Departamento de Microbiologia da Universidade de Barcelona que prova que o novo coronavírus estava presente em águas residuais de Barcelona em março de 2019.  Mas, como relata o The New York Times, apesar destas informações nascerem do trabalho de uma equipa liderado por Albert Bosch, cientista com mais de 40 anos de experiência a estudar vírus em águas residuais, a comunidade internacional tem sérias dúvidas sobre as descobertas.

Vários especialistas que não estiveram envolvidos na investigação apontaram vários problemas com o trabalho de Bosh e sua equipa, sugerindo que os testes realizados às amostras de água poderiam muito bem ter produzido falsos positivos devido à contaminação ou armazenamento inadequado. “Não confio nos resultados”, disse Irene Xagoraraki, engenheira ambiental da Michigan State University, ao NYT.

Xagoraraki explicou que os investigadores usaram testes que procuram pedaços de três genes diferentes. Os únicos testes que deram positivo foram os que dizem respeito a um deles, o RdRp. Um dos outros testes, que deu negativo, foi direcionado a um outro gene chamado N, que é conhecido por ser mais sensível. “Deveria ter mostrado um sinal também”, ressalva a cientista.

Para esta investigadora, é possível que os resultados positivos traduzissem a contaminação de outras amostras que continham o vírus. Também duvida que o delicado coronavírus conseguisse sobreviver por mais de um ano sem que a amostra tivesse sido congelada. “Se as amostras não foram armazenadas a -80 graus, não se pode confiar nos resultados”, reforçou.

Covid-19 nas águas residuais

Como o vírus pode ser eliminado através das fezes, investigadores de várias partes do mundo começaram a examinar águas residuais para perceber se era possível ou não detetar os genes do patógeno. Na Europa, Austrália e Estados Unidos, descobriram-se níveis crescentes dos genes do vírus em águas residuais dias antes do início dos casos confirmados. Essas descobertas levaram vários pesquisadores a examinar amostras congeladas de águas residuais de períodos anteriores, procurando provas da presença do vírus antes de se saber que ele existia.

Na semana passada, pesquisadores italianos dizem ter encontrado o vírus em Milão e Turim a 18 de dezembro, dois meses antes do norte da Itália ser assolado por casos de Covid-19. Em Espanha, Bosch e os seus colegas começaram a recolher amostras semanais de águas residuais de duas estações de tratamento de Barcelona em abril e encontraram o vírus nessas recolhas — motivo que os fez querer olhar para dados anteriores. Descobriram, então, que o vírus estava presente em várias amostras recolhidas desde o início de 2020, meses antes de a pandemia ter atingido Espanha (algo que aconteceu em fevereiro de 2020).

Bosch e seus colegas olharam ainda mais para trás e examinaram nove amostras recolhidas entre janeiro de 2018 e dezembro de 2019. Numa delas, colhida a 12 de março de 2019, tiveram um teste positivo para o novo coronavírus. Bosch achou então plausível que o vírus pudesse ter aparecido em março, mas só se ter tornado visível em doentes algum tempo depois.

Não é possível repetir os testes feitos por esta equipa catalã porque a amostra utilizada foi esgotada durante os testes. “Nós provamos isso a partir desta amostra, mas não o podemos repetir”, contou Bosh ao NYT.