Dois holandeses, dois trintões com a mesma idade, dois avançados com estatura acima da média (neste caso, um mais do que outro), dois jogadores a jogar fora do seu país, um outro ponto em comum chamado Sporting. Ricky van Wolfswinkel e Bas Dost estavam esta quinta-feira em confronto num duelo para a Liga Europa que no plano teórico não deveria ter grande história depois do triunfo dos suíços por 3-0 na Alemanha na primeira mão destes oitavos da Liga Europa ainda que com aquela esperança em termos de emoção para quem assistia de haver um certo prolongamento dos germânicos (e de André Silva) do bom final de temporada na Bundesliga. E estavam em confronto dois jogadores ligados a dois dos piores momentos recentes dos leões como clube e SAD.

Chegado a Portugal em 2011 vindo do Utrecht, um ano que coincidiu com mudança de presidente, de estrutura e de base do plantel em Alvalade, Ricky van Wolfswinkel não demorou a dar nas vistas com vários golos sobretudo na Liga Europa depois de um começo em falso de temporada. Pelo estilo, pela maneira de ser e pela forma como se ia evidenciando na primeira experiência fora da Eredivisie, o avançado foi quase “adotado” como grande figura da própria equipa ao mesmo tempo que se adaptava também à nova realidade em pormenores como o facto de ter pintado o seu carro de coleção de verde (inicialmente era vermelho) para não haver “conflitos de interesse”.

Na primeira época marcou 25 golos em 46 jogos (em termos desportivos as coisas não correram bem, com troca de treinador pelo meio, o quarto lugar no Campeonato, uma derrota na final da Taça de Portugal diante da Académica e a ida às meias da Liga Europa), na segunda ficou-se pelos 20 em 40 encontros. E ficou-se evitando males maiores numa temporada que era impossível ser pior, com o Sporting a terminar na pior classificação de sempre (sétimo) e Wolfswinkel a ter de ser vendido logo em fevereiro mesmo saindo apenas no final da época ao Norwich para que a SAD tivesse liquidez para não cair em incumprimento salarial numa fase conturbada no plano institucional.

Em 2013 o ataque do Sporting deixou de ter um holandês, em 2016 o ataque do Sporting voltou a ter um holandês. Nesse mesmo ano até foram dois que assinaram pelos leões mas um pouco ou nada contou (Castaignos), um ano antes podia ter havido um mas Wolfswinkel, já em Lisboa, pediu mais do que era suposto e acabou por não ver consumado o regresso. Bas Dost, a contratação mais cara de sempre do conjunto de Alvalade (dez milhões fixos mais dois em variáveis ao Wolfsburgo) com a pesada herança de substituir Slimani, não demorou a começar a marcar e não mais parou, chegando ao final da segunda temporada com uma média de um golo por jogo na Liga: 61 partidas, 61 remates certeiras, um feito só alcançado pelas grandes referências verde e brancas.

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Em maio de 2018, num dos episódios mais negros da história do Sporting, tornou-se o rosto da invasão de adeptos à Academia ao ser atingido por um cinto que lhe abriu a cabeça no balneário e obrigou a que fosse suturado com seis pontos a poucos dias da final da Taça que os leões perderiam com o Desp. Aves e onde entrou em campo com uma ligadura na cabeça. Rescindiu, voltou a Alvalade tal como Bruno Fernandes e Battaglia, ficou com o ordenado mais alto do plantel mas não mais atingiu o mesmo rendimento, assumindo ainda hoje que aquilo que viveu nessa tarde em Alcochete não mais deixou de estar presente na sua cabeça. No verão de 2019, com uma Taça de Portugal e duas Taças da Liga, fechou um ciclo com a venda ao Eintracht Frankfurt por sete milhões.

Esta noite, no duelo entre ambos, Dost foi titular e um dos mais ativos no ataque dos alemães, ao passo que Ricky van Wolfswinkel começou a partida no banco de suplentes. No final, foi o segundo que ainda assim teve razões para sorrir. Ou, no seu caso, mais razões para sorrir: depois de ter sofrido uma concussão num jogo a contar a terceira pré-eliminatória de apuramento para a Liga dos Campeões frente ao LASK, o avançado do Basileia descobriu nos exames médicos que fez na altura que tinha um aneurisma cerebral, foi operado, esteve vários meses sem treinar ou jogar e regressou à competição com nove minutos, antes da paragem por causa da pandemia. Em julho, voltou a marcar um golo na Liga suíça. Duas semanas depois, mais um. Wolfswinkel voltara a ser feliz.

“Foi assustador. Nunca se espera algo assim. Normalmente nas lesões sabes quanto tempo vais parar e trabalhas para todos os dias fazeres progressos, aqui não tinha a mínima ideia do perigo que trazia. Foram dias complicados no hospital. A primeira pergunta que um jogador faz é ‘Quanto tempo até jogar?’. É aí que te atinge, seis meses. Não podia treinar, não podia fazer nada. A primeira coisa que fiz quando saí do hospital foi comprar flores para a minha mulher para pedir desculpa por estar mais resmungão nos meses seguintes. Houve jogos onde chegava, via 20 minutos e dizia à minha mulher que tinha de ir, que não conseguia ver. Foi aborrecido pela falta de futebol, foi uma felicidade por passar mais tempo em família, foi uma sorte por me ter safo”, contou à BBC.

A passagem do Basileia não teve propriamente muito brilho mas acabou por ser um prémio não só pela grande exibição na primeira volta mas também para o próprio Wolfswinkel depois de tudo o que passou com todos os companheiros a dizerem presente perante a ausência do avançado. Aliás, apesar do chip ofensivo do Eintracht com Da Costa, Kostic, Kamada, Bas Dost e André Silva de início, os germânicos tiveram mais posse (61%), maior domínio e mais remates (dez) mas não enquadraram nenhum com a baliza, ao contrário dos suíços que fizeram duas tentativas para defesa de Kevin Trapp. Lances de perigo, esses, surgiram quase só de bola parada.

No segundo tempo, Adi Hütter trocou de portugueses, com a saída de André Silva e a entrada de Gonçalo Paciência, mas foram os visitados a terem as primeiras oportunidades flagrantes de bola corrida, com Trapp a negar o golo da Widmer que apareceu sozinha na área antes de um bom remate de Cabral que saiu também ao lado. Os germânicos acertaram depois posicionamentos, tiveram um remate de Da Costa que acertou na malha lateral, Kohr teve uma grande jogada individual travada apenas por Nikolic para canto e o nulo foi subsistindo com o passar dos minutos. Quase a meio da segunda parte, entrou Wolfswinkel, 364 dias depois daquele jogo europeu com o LASK em que descobriu nos exames o aneurisma cerebral, naquele que foi também o seu regresso a um encontro a contar para as provas internacionais. E o 1-0, que confirmou com um golo de Fabian Frei a passagem do Basileia aos quartos numa grande jogada individual (88′), acabou por tornar-se quase secundário perante aqueles 25 minutos em que o antigo avançado do Sporting esteve em campo.