Mágica pode ser o termo ideal para descrever uma bateria que nem sequer é recarregável, mas que tem energia suficiente para durar cerca de 28.000 anos. Mas a realidade é que, assim que se sabe que no seu interior há matérial radioactivo, acaba-se a magia, surgindo no seu lugar algum temor. Sim, porque a sua fonte de energia – que expele electrões a grande ritmo, como qualquer outra bateria, recarregável ou não – deve-se ao simples facto de, lá dentro, estar uma pequena quantidade de lixo nuclear.

As centrais nucleares poderiam ser a solução perfeita para produzir energia limpa, isto se soubéssemos fazer desaparecer o lixo nuclear que provocam – todas aquelas varetas de urânio ou plutónio enriquecido que, mesmo depois de esgotadas, vão continuar radiactivas durante centenas de milhares de anos. Mas também os blocos de grafite que as envolvem, que agem como moderadores, reduzindo a velocidade dos neutrões emitidos pelo material radioactivo, de forma a incrementar a probabilidade de ocorrer uma colisão que vá gerar calor, a finalidade de um reactor nuclear. Estes blocos de grafite também ficam radioactivos com o tempo, mas é com eles que a indústria conta para produzir novas baterias com lixo nuclear.

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Quem teve a ideia? A Universidade de Bristol

Quando, em 2016, um grupo de cientistas da Universidade de Bristol, no Reino Unido, apresentou a sua proposta para uma bateria do futuro, que duraria 5730 anos até atingir 50% de carga, sendo constituída pelo isótopo radioactivo carbono 14, processado a partir do lixo nuclear da Central de Berkeley, em Gloucestershire, a poucos quilómetros da faculdade, poucos acreditaram na viabilidade do projecto. Tanto mais que o carbono 14 seria comprimido até se transformar num diamante artificial (radioactivo), para o qual necessita de uma pressão superior a 50 toneladas por cm2, a uma temperatura de 1200ºC.

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Como se tudo isto fosse pouco complexo, esse tal diamante radioactivo de carbono 14 é depois envolvido por uma camada de diamante artificial, este já não radioactivo, de forma impedir a fuga da radioactividade, missão que é facilitada pelo facto deste material ser o mais duro do planeta, 11 vezes mais do que o aço.

Além de anteciparem uma longevidade assustadora para as suas baterias, que denominam Bateria Diamante, os inovadores cientistas britânicos avançam ainda que, graças aos diamantes (o interior radioactivo e o exterior que contem a radioactividade), os seus acumuladores conseguem suportar condições extremas, a começar por temperaturas elevadíssimas. E, em 2018, tiveram uma excelente oportunidade de ver a sua obra bater-se com um vulcão, quando se predispuseram a alimentar dois Dragon Eggs, dois sensores altamente sensíveis que os geólogos queriam instalar na cratera do Stromboli, na Sicília (com a ajuda de um drone), com o vulcão em vias de ficar activo.

O vídeo da universidade inglesa explica como tudo se processa. O objectivo passa por retirar uma parte de um bloco de grafite, dos milhares que estão guardados dentro da central nuclear de Berkeley, encerrada desde 1989, aquecê-lo para a grafite libertar o carbono 14 em forma de gás, que depois irá ser comprimido a elevada temperatura, para gerar um diamante artificial, que não é mais do que outra forma de carbono. Nada daquelas gemas que muitos gostam como ornamento, mas sim umas finas camadas de uma substância mais tosca e menos brilhante (formada por grãos de diamantes policristalinos), mas igualmente dura e radioactiva. Por fim, os especialistas britânicos envolvem-no com mais uma fina camada de diamante não radioactivo e a bateria está pronta a funcionar. Matéria-prima não deverá faltar, pois há mais de 95 mil toneladas armazenadas deste tipo de grafite só no Reino Unido.

Afirmam os cientistas que estas baterias duram milhares de anos, mas produzem uma menor quantidade de energia do que uma pilha convencional AA, isto no actual estágio de evolução e com as quantidades de material radioactivo utilizado, que ronda um grama por bateria.

São seguras as baterias de lixo nuclear?

Este é o grande óbice a este tipo de tecnologia, pois sem uma explicação cabal e muitas provas concretas, ninguém estará interessado em andar por aí com um telemóvel com um bocado de lixo nuclear lá dentro, o mesmo acontecendo com um carro ou o que quer que seja que necessite de energia. Mas se o medo existe, devido a tudo o que sabemos sobre o lixo nuclear, aqui o caso é distinto, de acordo com os cientistas.

Segundo os responsáveis pelo projecto na Universidade de Bristol, uma vez transformado em várias finas camadas de diamante, o carbono 14 emite muito pouca radioactividade, que poderia ser contida apenas com o invólucro em alumínio da bateria. Com o revestimento externo a diamante não radioactivo, as emissões que chegam ao exterior são inferiores às que emite o próprio corpo humano e ou até mesmo uma banana. Sobretudo, emitem muito menos do que os painéis de indicação de saída de emergência, em que é utilizado o gás radioactivo trítio para assegurar a radioluminescência.

Um pacemaker dos anos 70, que já na época recorria a uma bateria com materiais radioactivos, que garantidamente durava mais do que o paciente

É bom ter presente que as primeiras baterias betavoltaicas, é assim que se designam, surgiram nos anos 70. Receberam essa denominação por gerarem corrente eléctrica a partir de partículas beta e, tal como estas de que agora se fala, com origem igualmente em materiais radioactivos. As betavoltaicas de 1970 foram muito utilizadas em pacemakers (e satélites militares), com a garantia que dificilmente o paciente necessitaria de mudar a bateria. E nunca houve ninguém a morrer por efeitos da radioactividade, nem por falta de energia. Eram, contudo, baterias diferentes das actuais e com outros objectivos.

Outro temor associado a estas baterias de diamantes nucleares, tão infundado quanto as radiações que emitem, tem a ver com o destino a dar a estas baterias quando acabar a carga. Ou seja, como a Universidade de Bristol prevê que o carbono 14 perca metade da sua radioactividade/capacidade de gerar energia a cada 5730 anos (como veremos mais à frente, há quem aponte para uma longevidade de 28.000 anos), isto significa que, algures no ano 7750, alguém terá de trocar a bateria à PlayStation portátil porque esta já está com 50% de carga. E se quiser esperar que a bateria veja a sua capacidade cair até ao ¼, basta esperar mais 5730 anos. Nessa altura, se a capacidade de provocar trânsito de electrões diminuiu, significa que a radioactividade do material também, pelo que livrar-se da bateria de diamante nuclear não será um problema.

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Podemos adquirir uma bateria diamante nuclear?

Para já ainda não, uma vez que a universidade já afirmou pretender ultrapassar todas as fases do projecto até estar em condições de passar à produção. Mas já são muitas as empresas que acreditam na tecnologia e que revelaram interesse em acelerar a investigação, reunindo mais meios humanos e materiais para o conseguir.

Um destas empresas, a Arkenlight, surgiu pela mão de dois dos principais investigadores do projecto, o professor Tom Scott e Neil Fox. Para estes dois cientistas, em 2024 deverá ser possível colocar no mercado as primeiras baterias de diamante nuclear, mas recorrendo a uma patente sua e não da universidade em que trabalham. Estes técnicos estimam ainda que, com apenas 45 kg de carbono 14 extraído dos blocos de grafite, será possível produzir milhões de baterias de diamantes nucleares.

A Arkenlight ainda está a dar os primeiros passos, mas isso não impede que a Agência Espacial Europeia já a tenha contratado para desenvolver baterias de diamante nuclear para alimentar o identificador RFDI dos seus satélites, capaz de continuar a emitir um pequeno sinal de rádio durante milhares de anos. E, para que as suas baterias possam ser usadas noutro tipo de aplicações, Scott e Fox estão já a trabalhar em baterias em que o material nuclear não é o “calmo” carbono 14, mas outros materiais radioactivos mais “dinâmicos”, isto é, com maior produção de electrões. O problema é que isto vai obrigar o fabricante a lidar não com as radiações beta, relativamente fáceis de conter, mas sim com as gama, muito mais delicadas.

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Quem mais persegue as baterias de diamante nuclear?

Além da já mencionada Arkenlight, há no mercado muitas outras empresas que investem em baterias betavoltaicas há anos. Alguns dos casos mais conhecidos são a Widetronix e a City Lab, sendo que, curiosamente, ambas recorrem ao trítio como fonte de material radioactivo, com maior produção de partículas beta, mas uma longevidade muito inferior.

Mas recentemente surgiu um novo player, uma startup da Califórnia denominada NDB, de Nano Diamond Battery, cuja tecnologia recorre também a lixo nuclear proveniente de várias fontes com emissões de partículas alfa e beta. É curioso ter presente que a matéria-prima para construir este tipo de baterias é lixo, sem qualquer valor comercial. E, como o processo de retirada do material radioactivo resulta numa redução da radioactividade do lixo nuclear, estes fabricantes de baterias até deveriam ser pagos pelos acumuladores que produzem.

A NDB prevê para as suas baterias longevidades incríveis, dependendo do isótopo utilizado. Segundo o seu CEO, Nima Golsharifi, num equipamento de baixo consumo, como um comando de televisão ou um sensor de incêndio, facilmente serão atingidos os 28.000 anos. Num automóvel eléctrico poderão funcionar durante 90 anos, sem nunca necessitarem de ser recarregadas. Golsharifi esclarece que também utilizam estruturas de diamantes para conter as radiações, por serem eficientes, robustas e resistirem bem ao calor extremo.

Em relação à capacidade de alimentar motores mais potentes em automóveis, as NDB são igualmente superiores às melhores baterias convencionais de iões de lítio, sublinha o CEO, admitindo que os seus acumuladores são também mais seguros em caso de acidente violento, dada a resistência do diamante. Quanto a custos, Golsharifi anuncia que se as baterias de um Tesla podem custar entre 9 e 10 mil dólares, as da NDB não ultrapassariam os 7 a 8 mil dólares para desempenhar a mesma função, mas sem necessidade de recarregar, sem limitações de autonomia ou tempos de carga.

Para quando as baterias da NDB? O CEO afirma que já ultrapassaram a prova do conceito e estão a entrar na fase de produção de protótipos, uma vez que vão fabricar vários tipos de células, destinadas a satisfazer uma série de situações. A pandemia não ajudou a respeitar os prazos, mas Golsharifi acredita que terá os primeiros protótipos comerciais dentro de seis a nove meses. Posteriormente, esses protótipos terão de ser aprovados pelo regulador antes que as Nano Diamond Battery surjam no mercado, nas primeiras aplicações. O que deverá tardar menos de dois anos.