O Volkswagen ID.3, o primeiro eléctrico da nova vaga da marca alemã, é muito provavelmente o carro mais importante deste fabricante introduzido no mercado nas últimas décadas. Primeiro, porque foi alvo de investimentos descomunais, uma vez que não só a VW é o construtor tradicional que mais investiu na electrificação da sua gama, como o ID.3 se assume como o Golf eléctrico, com tudo o que isso significa, ou não fosse este o modelo mais vendido da marca germânica.
Depois de quase um ano de atraso, no final de Setembro, o ID.3 iniciou as entregas a clientes das primeiras 30.000 unidades produzidas, todas elas da série especial 1st (First) e com três níveis de equipamento (normal, Plus e Max). Aos condutores portugueses couberam 80 unidades, que rapidamente esgotaram, apesar de 20 terem desistido por preferirem receber o modelo encomendado mais tarde, quando algumas das actuais falhas de equipamento estiverem ultrapassadas, o que deverá acontecer, o mais tardar, até ao início de Janeiro. A estas cerca de 60 unidades, já entregues, vai juntar-se mais uma centena de ID.3 que a marca conta receber ainda em 2020. Foi exactamente um destes ID.3 1st que tivemos oportunidade de conduzir, para aqui lhe dizermos o que gostámos muito, pouco e mais ou menos. Em resumo, se é um eléctrico que vale a pena comprar.
Como é por fora? É bem construído?
Com 4,26 m de comprimento, ou seja, 2 cm mais curto do que a mais recente geração do Golf, o ID.3 cativa pelo seu aspecto moderno e diferente, com óbvios cuidados aerodinâmicos, argumento que é mais importante nos automóveis a bateria, apesar do Cx de 0,27 não diferir muito do reivindicado pelo Nissan Leaf (0,28). A carroçaria a duas cores, com o tejadilho e o pilar posterior a surgirem noutro tom, reforça o ar jovial e dinâmico do modelo.
A frente é muito curta, uma vez que só lá vai estar um motor nas versões com duas unidades motrizes e tracção integral. De contrário, só há um motor eléctrico e está associado ao eixo traseiro. Os vidros laterais são generosos – sensação reforçada pelo triângulo em vidro que interrompe o pilar A, devido à grande inclinação do pára-brisas – e a linha de cintura baixa, o que faz o ID.3 parecer mais baixo do que na realidade é, pois os seus 1,568 m ultrapassam o Golf em 10,8 cm e até o Leaf em 2,8 cm. A traseira é quase vertical, fazendo lembrar o Golf, modelo de que herda igualmente o pilar C, o traseiro, mais largo.
A VW optou por conceber a plataforma do ID.3 (a muito mencionada MEB) em aço, por uma questão de custos, pelo que não espanta que o peso do eléctrico seja de 1794 kg, ligeiramente superior ao do Leaf (1760 kg), com uma bateria de igual capacidade bruta (62 kWh). Na traseira, a bagageira oferece 385 litros, o mesmo valor do Leaf e mais 5 litros do que o Golf. Trata-se de uma capacidade interessante, tanto mais que, ao contrário do Nissan, há um motor na traseira do veículo.
Quando o ID.3 começou a ser submetido aos primeiros testes, surgiram desde logo algumas críticas em relação à qualidade de construção. A realidade é que não há folgas irregulares entre os diferentes painéis ou portas e estas continuavam a abrir e a fechar sem problemas, mesmo com uma das rodas da frente em cima de um passeio particularmente alto. De menos bom, na carroçaria, apenas encontrámos dois pedaços de fita isolante e provavelmente anti-vibração, cuja função não percebemos mas não está à altura da imagem do fabricante. Isso e a falta de revestimento interior do pequeno capot frontal, para mais numa versão 1st Plus, a intermédia em matéria de nível de equipamento.
Como é por dentro? Tem o espaço de um Passat?
Se o exterior é clean e moderno, o interior não lhe fica atrás. As portas são grandes, pelo que se acede a bordo com facilidade e, uma vez sentado, é fácil recordarmo-nos que as baterias estão alojadas na parte inferior do chassi. Os pés estão numa posição mais alta do que é habitual, mas sem que isso belisque o conforto, e os bancos, sendo medianamente envolventes – não estamos perante um desportivo, apesar dos 204 cv – são confortáveis. Porém, em termos de aspecto, ficam aquém do que podemos encontrar no Golf.
Ligeiramente mais largo do que o Golf, o ID.3 permite que o condutor se sente agradavelmente longe do outro ocupante do assento anterior, mas é o espaço no banco traseiro que mais impressiona. Com 2,77 m de distância entre eixos, o ID.3 ultrapassa o Leaf em 7 cm e o Golf em 14 cm, ficando a apenas 1,6 cm de um Passat. E o resultado está à vista no espaço para as pernas de quem se senta atrás, batendo-se taco a taco com o Passat, em relação ao qual só perde em largura (o Passat é 4 cm mais largo).
A posição de condução é boa, com o volante bem no sítio. A alavanca de comando da transmissão (para a frente, para trás, neutral e parque) foi transformada num botão rotativo, colocado no prolongamento do painel de instrumentos. No primeiro dia estranha-se, mas a partir do segundo já começa a parecer uma boa solução, ajudando a que o ambiente a bordo seja mais “limpo” do que o habitual. O painel de instrumentos é muito pequeno, sentindo-se a falta do head-up display de que a nossa unidade não usufruía, sendo este dispositivo um dos que só deverá estar a 100% no final de 2020, início do ano seguinte.
O ecrã central, que acolhe a parte mais importante das informações, possui comandos em que basta aproximar o dedo, um pouco à semelhança do volante.
É confortável ou mais seco e desportivo?
Esta versão 1st do ID.3, assumida como de lançamento, não tem características desportivas, o que não implica que seja relativamente potente (204 cv) e rápida (7,3 s de 0 a 100 km/h), valores que são curiosamente próximos dos anunciados pelo Leaf com bateria de 62 kWh (218 cv e 7,3 s). Mas o facto de montar o motor atrás levou a VW a equipar a MEB com suspensão independente, ao contrário do Golf e do Leaf, o que tem vantagens em termos de conforto e até de comportamento.
As jantes de maior diâmetro (19”) e os pneus 215/50 parecem excessivos para o carro em questão, certamente uma concessão à estética, que se pagará necessariamente numa menor eficiência, bastando recordar que o Golf GTi com 245 cv monta 225/45 R17. Mas esta generosa borracha ajuda a explicar a sensação que o ID.3 transmite quando “apertámos” um pouco mais com ele, ocasião em que o peso adicional das baterias se sente, mas sem beliscar o comportamento e, mais importante para a maioria dos clientes, o conforto, mesmo em estradas mais degradadas. À medida que o ritmo aumenta, o recurso aos travões também, sendo possível notar que, nas travagens mais fortes, o ruído típico dos tambores que o ID.3 monta atrás se fazem notar. A VW justifica a opção por esta solução, mais barata e mais leve, por permitir reduzir as perdas de energia, pois é mais fácil impedir os calços roçarem no tambor quando não estão a ser utilizados – o que num eléctrico, em cidade, acontece pelo menos em 90% das ocasiões –, do que nos tradicionais discos de travão.
É rápido a acelerar? E os consumos?
Todos os ID.3 da versão de lançamento, a 1st, montam o motor de 204 cv, alimentado por uma bateria com uma capacidade total de 62 kWh e útil de 58 kWh. Começámos por circular de forma despreocupada, seguindo os restantes veículos, em cidade e em meio semi-urbano, o que nos levou a atingir médias de 16,4 kWh/100 km. Durante este percurso, tornou-se óbvio que o condutor vai sentado bastante mais acima do que num Golf, o que tem vantagens em termos de visibilidade, enquanto a capacidade de manobra sai bastante beneficiada pelo grande ângulo de viragem das rodas da frente, que permite realizar uma inversão de marcha como se estivéssemos a bordo de um veículo com a dimensão de um e-up!.
Em estrada a 90 km/h, o VW ID.3 rodou com consumos de 15,1 kWh/100 km, valor que sobe para 21,1 kWh/100 km, caso a velocidade aumente para 120 km/h em auto-estrada. Isto aponta para uma autonomia que, nas melhores condições, se pode fixar em 384 km. É provável que em cidade, com um determinado perfil e condições de circulação ideais, seja possível aproximarmo-nos dos 14 kWh/100 km, ou seja, dos 414 km de autonomia, próximo dos 420 km reivindicados pelo fabricante em WLTP.
A barra luminosa sob o pára-brisas é curiosa e pareceu-nos mais eficaz a chamar-nos a atenção sempre que outro veículo se aproximava pelo ângulo morto, com a potência do motor, logo a partir das baixas rotações, a ser suficiente para resolver qualquer situação. Estranhámos não conseguirmos encontrar a bordo algumas informações habituais em modelos a bateria, como por exemplo a potência da carga que o acumulador está a receber a cada momento, sendo igualmente mínimo o número de informações que a app We Connect ID, específica para os novos veículos eléctricos da marca, disponibiliza ao utilizador. Contudo, fomos informados que, em breve, a aplicação passará a fornecer mais informações.
E como é de preços face à concorrência?
Em Portugal, a série especial de lançamento ID.3 1st é proposta por 39.809€, o que coloca o novo eléctrico abaixo do preço do e-Golf (42.816€), modelo que em breve será descontinuado. Com a inclusão do pack de equipamento Plus, o ID.3 aumenta 5729€.
Comparado com o Leaf E+ Tekna (62 kWh), o seu rival mais directo, o ID.3 1st Plus é ligeiramente mais caro, 45.538€ contra 44.200€ do Nissan. Mas isto é antes das promoções, pois a marca japonesa oferece um desconto de 3500€ e muito mais equipamento. Resta conhecer o peso da Volkswagen na capacidade de influenciar as escolhas dos clientes, bem como o factor modernidade, que favorece o modelo alemão.
Em breve, a gama ID.3 será complementada com as versões normais (não 1st) e mais acessíveis, equipadas com a bateria mais pequena, com 48 kWh (45 kWh úteis) e 330 km de autonomia. No início de 2021 surgirão as versões mais caras, com mais bateria (82 kWh brutos, 77 kWh úteis) e mais autonomia (550 km), cujos preços não são ainda conhecidos.