Há a oportunidade de descobrir, no meio de um mar de gente, alguém com mais dinheiro do que juízo que queira investir em nós. Tal e qual a Euro Disney, os cenários impressionam, os dias são demasiado curtos para fazer tudo do programa e as pessoas competem para se fotografar com um Pateta. Os rituais podem parecer-nos estranhos, mas dão a sensação aos que vão de que fazem parte de um grupo à parte.  Os hotéis, bares e restaurantes enchem-se. Toda a gente que cá vem, volta a cantar as maravilhas de Portugal.

Terão sido algumas das razões que levaram António Costa e Fernando Medina em 2019 a oferecer 11 milhões a Paddy Cosgrave para garantir que a Web Summit seria celebrada em Lisboa pela quinta vez consecutiva.

Mas convenhamos que num ano em que tivemos de contar tostões para importar ventiladores, vimos os nossos restaurantes preferidos fechar, e empresários dos que workam mais do que networkam avisam que, sem ajudas, o ano que vem vai ser ainda pior,  há um número interminável de coisas em que seriam um melhor investimento de 11 milhões do que numa Web Summit por Zoom. Ou como eu prefiro chamar-lhe: uma Web Zoomit.

Estas são apenas as 11 mais parvas de que me lembrei:

1. O Fyre Festival das Berlengas

É certo que o Fyre Festival queimou 26 milhões a investidores de forma espetacular. Mas se trocarmos o Caríbe por uma coisa mais pertinho, cortamos os custos. O resto do modelo, por mim, mantemos: vendemos bilhetes sem prepararmos nada. Os turistas chegam lá a achar que vão viver como influenciadores e acabam a dar entrevistas para a Netflix. Bem bom. Melhor, aliás, do que o que aconteceu a qualquer uma das pessoas que foram às últimas quatro edições.

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2. Especial: Os noivos (de Santo António) é que sabem

Escolhemos uns 20 casais de Santo António, somamos as equipas de filmagem e produção e pronto: com 11 milhões fazemos um especial do programa mais parvo da TV. Todos os noivos vão querer um porco no espeto, nenhuma das noivas vai ficar contente com o resultado final, e mesmo assim o dinheiro vai ser mais bem empregue do que neste Comício Digital do Sindicato de Jovens Liberais que Não Acreditam em Sindicatos.

3. Mais uma injeção no Novo Banco

Onde 2020 suga todas as nossas esperanças, o Novo Banco suga as nossas poupanças. Pode ser novo o banco, mas aquelas dívidas antigas não se vão pagar sozinhas. Felizmente, eu e o ministro das Finanças sabemos bem onde encontrar 11 milhões de pessoas de brandos costumes a quem pedir um eurinho a cada um.

4. Um segundo estádio no Algarve

É certo que o primeiro foi pouco usado. E que, o atual já foi ocupado pela natureza: nas suas paredes crescem heras, o seu relvado é um bosque, e animais selvagens caçam nos seus corredores. Também convém mencionar que o mesmo estádio terá custado 30 milhões de euros. Mas se cortarmos no número de primos a quem adjudicamos a obra, chegamos lá com €11 milhões. 12 vá, e não se fala mais nisso.

5, 6 e 7. Mandar vir um segundo Ola John, Adrián Lopez ou o Nolito

Vou ser muito sincero, estava a contar que este parágrafo e o anterior fossem escritos (anonimamente) por alguém que tem mais jeito e prática na matéria do que eu. Pessoa essa que está sumida desde a hora do almoço. O que eu percebo: desde que me liguei à aplicação da Web Summit, só me apetece enfiar-me num tasco e não sair de lá até o INEM, ou a ASAE, chegarem.

Por isso googlei jogadores que custaram 10 milhões, e deram estes. Não sei o suficiente para fazer uma piada específica sobre eles, sei só que mesmo se fossem os três coxos, seriam melhores investimentos do que este Shark’s Tank digital, sem água nem tubarões.

8. Socorrer um amigo desaparecido

Estou mesmo a ficar preocupado com o meu coautor. Por isso, espero que 10 milhões de euros cheguem para pagar uns cabazes de Natal à PJ de Sintra, que os encoraje a irem descobrir em que pipa de vinho é que o homem se escondeu. Amigo, se me estás a ler, esta Web Summit é digital. Podes sair. Não vais ter de te cruzar com uma escola de pessoas que não percebem “o que é que a Elizabeth Holmes fez assim de tão mal.”

9. Uma segunda feijoada na Ponte Vasco da Gama

Desde que foi construída, só houve uma vez em que alguém passou tempo naquela ponte bem disposto: na mítica feijoada do Fairy. Sendo assim, repetimos a receita. E para acompanhar, oferecemos Champagne e COVID a todos. Ainda poupamos em vacinas. Torna-se logo um melhor investimento no futuro do país do que achar que algum jornalista vai escrever sobre as maravilhas de Lisboa enquanto assiste de pijama a um dos atores de “Big Bang Theory” a falar sobre como podemos desabrochar em tempos difíceis.

10. Comprar os outdoors à porta de São Bento pelos próximos muitos anos

Com as coisas que tive de assistir na tarde de quarta-feira, não podem esperar que ainda esteja em condições para averiguar quanto é que custa alugar espaço publicitário à porta de São Bento. Ou quantos anos é que 11 milhões compravam. Digamos que muitos e avancemos. Mas hoje passei lá à porta e estavam os três cartazes existentes ocupados por organizações que lembram aquele primo que vocês estão contentes por não ter de ver este Natal: já raparam o cabelo e começam a dizer em voz alta aquilo que pensavam. Ainda não tatuaram uma águia de fascis nas garras, mas já têm a ida ao tatuador marcado.

Não gostei. Acho que podíamos alugar ad eternum aquele espaço e cedê-lo a mensagens que merecem ser partilhadas. Tal como cedemos o maior palco do país a Ronny Chieng, comediante relativo, e Drew McIntyre, wrestler profissional. E ainda pagámos por isso.

11. A conta do bar

Não vos vou mentir: estava a contar que fossem só 10 milhões de euros investidos, e por isso tinha planeado 10 razões. Depois, descobri que eram 11. Fiquei menos chateado pelo dinheiro do que pelo trabalho que me ia dar. Mas olhem, este artigo, tal qual a tarde de Web Summit a que assisti, ou 2020 em si, parece arrastar-se interminavelmente. Então vou tirar os headphones, pedir a conta, e chamar um táxi.

Olhem: aí está uma vantagem disto ser digital. É muito mais fácil este ano chegar a casa. É fixe. Mas não sei se vale 11 milhões.

*Francisco Peres escreve artigos a fazer pouco de anglicismos mas tem como títulos profissionais as palavras copywriter e content strategist. Até à data de publicação deste artigo trabalhava com várias startups, mas suspeita que isso está prestes a mudar.