Já são conhecidos alguns detalhes do plano de reestruturação da TAP que o Governo quer apresentar esta quinta-feira em Bruxelas. Parte do esboço desenhado pelo ministro da Infraestruturas e da Habituação, Pedro Nuno Santos, passa por reduzir o pessoal da TAP dos 9.700 trabalhadores contabilizados em 2019 para 6 mil até 2022. A partir desse ano, o TAP  pretende relançar o número de trabalhadores até 7.900 em 2025. Com um dado relevante: nunca com os níveis salariais praticados hoje na companhia aérea, até porque num horizonte temporal até 2025, o objetivo é reduzir os custos com pessoal em 1,4 mil milhões de euros.

O cumprimento destas metas não depende apenas da redução do número de trabalhadores: já foram comunicados aos sindicatos a saída de 750 tripulantes de cabine, 750 trabalhadores de terra e 500 pilotos. A que somam cerca de 1.600 contratos a prazo que terminam entre 2020 e 2021 e que não foram e não serão renovados.

Terá também de passar pela suspensão dos acordos de empresa por quatro anos com as várias classes profissionais que regulam um conjunto de regalias, como tempos de descanso, pernoitas, horas extraordinárias ou número de tripulantes por avião. Já se sabe que a TAP quer reduzir a massa salarial em 25%, num corte transversal a todos os setores, mas que pretende poupar os salários mais baixos, e só se aplicar a partir dos 900 euros de vencimento. Isto significa que dos cortes não resultarão salários inferiores a esse patamar e que aqueles serão maiores em remunerações mais altas.

De acordo com o que apurou o Observador junto de fontes que estiveram esta quarta-feira nas reuniões entre Governo e partidos, o plano de reestruturação da TAP será concretizado em duas fases.

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A primeira fase será de redução do número de trabalhadores e de custos para se ajustar à acentuada queda de procura e de receitas e por fim à queima de cerca de cem milhões de euros de caixa todos os meses. Para 2021, as projeções com base nas principais organizações internacionais antecipam que a transportadora irá operar a menos de metade do que foi a sua atividade em 2019.  Nesta fase, a TAP deverá baixar os seus efetivos para 6.000 contra os 8.800 em 2020. Para além da não renovação de contratos, pretende-se pôr em práticas rescisões voluntárias, licenças sem vencimento e reformas antecipadas, antes de se chegar aos despedimentos.

A segunda fase será a recuperação, o que tendo em conta as perspetivas de evolução da pandemia e das campanhas de vacinação, só deverá a ganhar asas na segunda metade do próximo ano. Só a partir de 2022 é que a TAP espera poder recuperar alguns dos postos de trabalho eliminados. Ainda assim a expetativa é de que os custos com estas novas contratações sejam mais baixos do que os atuais que, segundo referiu o ministro da Economia Siza Vieira, estão em alguns profissionais acima da média praticada em companhias europeias, comparações que não são públicas.

A previsão apresentada admite que o número de colaboradores cresça para os 7.000 em 2022, ano em que a TAP espera estar a voar a 65% da sua capacidade de 2019.

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Este número irá subir todos os anos, mas de forma muito mais moderada — 7.200 em 2023, 7.500 em 2024 até chegar aos 7.900 em 2025, ainda assim menos do que o atual número de colaboradores.

Outros dados apresentados aos partidos indicam que a TAP deverá deixar cair no próximo ano um quarto das cerca 100 rotas que operava em 2020. Também é conhecido o objetivo de redução de mais de 20 aviões da atual frota, o que levou à renegociação das datas de entregue dos novos aparelhos a Airbus. A empresa quer manter uma dimensão que permita manter a operação em hub a partir do aeroporto de Lisboa, mas a última palavra sobre este tema deve ser da Comissão Europeia.

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Menos claro foi a informação passada quanto ao montante e modalidade dos novos apoios públicos que a TAP vai precisar. De acordo com informação recolhida pelo Observador, o plano de reestruturação desenhado pela empresa com a ajuda da consultora BCG, previa a entrada de mais cerca de mil milhões de euros em 2021, cerca do dobro da garantia pública de 500 milhões de euros prevista no Orçamento do Estado. E mais 600 a 800 milhões de euros até 2023, o que elevaria o esforço total pedido ao Estado a cerca de 3.000 milhões de euros.

Mas não é claro se esses montantes foram validados no Conselho de Ministros que aprovou o plano — para já não falar da necessária negociação em Bruxelas que poderá também alterar estes valores. O deputado do CDS João Gonçalves Pereira revelou que o montante adicional previsto para o próximo ano, a juntar aos 500 milhões de euros já previstos, seria de 470 milhões de euros, o que no seu entender, obrigaria a apresentar um Orçamento Retificativo. Ora não é esse o entendimento do PS.

E Ana Catarina Mendes explica porquê: o Orçamento do Estado para 2021 acabado de aprovar no parlamento “prevê já garantias de Estado para o caso de ser necessário injetar dinheiro público na TAP”. Até um limite de 5 mil milhões de euros (mais mil milhões do que estava no suplementar aprovado a meio do ano). E aquilo que a transportadora pode vir a precisar a mais em 2021 ficará muito longe de esgotar esse valor (que também tem de chegar para as linhas de crédito de apoio às empresas em dificuldades por causa da pandemia). Sublinha Ana Catarina Mendes: “o OE inclui garantias de Estado, pelo que está afastada – diria eu – a hipótese de um retificativo”.

A líder parlamentar dos socialistas, que também esteve reunida com o ministro das Infraestruturas neste ronda pelos partidos, também afastou outro cenário que tem sido veiculado, sobretudo desde que o comentador Marques Mendes o revelou no domingo: a intenção do Governo em levar a votos no Parlamento o plano de reestruturação da TAP. Nos contactos mantidos esta quarta-feira, Pedro Nuno Santos, não terá sido muito claro sobre esta votação, e Ana Catarina Mendes considerou que do ponto de vista do grupo parlamentar socialista não seria necessária.

O PSD só será ouvido amanhã, mas o líder do partido, Rui Rio, manifestou já a sua oposição à possibilidade de submeter o plano da TAP a votação no Parlamento, considerando que seria uma fuga à responsabilidade da parte do Executivo.

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Do ponto de vista legal, o plano de reestruturação da TAP só teria de ir a votos se estivesse em causa a necessidade de um Orçamento Retificativo para realizar a transferência financeira em 2021, ou se fosse necessário avançar com uma iniciativa legislativa na área laboral para dar enquadramento legal à suspensão unilateral de acordos de empresa. A possibilidade está prevista num decreto-lei de 1977 cuja aplicação a este caso levanta dúvidas jurídicas.

Mas o Governo pode colocar a votação o documento, como uma resolução ou mesmo como fez com o plano de investimentos em infraestruturas (o PNI 2030) no ano passado. O resultado desta votação não seria necessariamente vinculativo, mas obviamente não poderia ser ignorado.