Apesar de ser a medida com mais expressão na despesa do Estado de resposta à pandemia, o layoff simplificado não foi tão longe nos apoios concedidos como outros países da União Europeia no ano passado, adianta uma auditoria do Tribunal de Contas ao principal mecanismo de apoio às empresas.

Esta auditoria alerta ainda para falhas na informação sobre a aplicação deste regime que limitam a sua adequação às necessidades das empresas e dos trabalhadores. Revela também que foram instaurados mais de 3oo processos de contraordenação e apresentadas nove participações crime ao Ministério Público devido a irregularidades detetadas em inspeções.

A comparação entre apoios à manutenção do emprego dados pelos vários países europeus reforça dados de relatórios internacionais que colocam Portugal na cauda da lista quando se fazem as contas à dimensão da resposta aos impactos da pandemia na economia. Ainda ontem o ministro das Finanças foi confrontado no Parlamento com a diferença entre os valores anunciados e os números da execução dos apoios que foram inferiores em 2020, embora João Leão tenha referido que essa situação se vai inverter já este ano, e precisamente por causa do layoff.

Leão admite apoios anunciados (e não usados) em 2020. Mas despesa com layoff vai disparar em 2021

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Um dos fatores em que Portugal sai a perder na comparação internacional é a percentagem de perda de receita por parte das empresas como critério de acesso ao layoff simplificado (no primeiro regime aprovado em abril de 2020). De acordo com dados citados pelo Tribunal de Contas para um conjunto de 12 países, Portugal foi o que exigiu uma maior percentagem de redução de faturação para aceder ao layoff, face à media mensal dos dois meses anteriores, ou de igual período do ano anterior.

“Ao nível dos critérios de elegibilidade da medida, merece destaque a diferença na exigência em termos de limites mínimos de elegibilidade. Por exemplo, enquanto em Portugal se estabeleceu como limite mínimo uma redução de 40% do volume de negócios, a Alemanha impõe apenas uma redução de 10%”, assinala o Tribunal de Contas.

Também na retribuição dada a cada trabalhador em layoff os valores divergiram entre os 50% e os 100% do salário. Em Portugal foi assegurado o pagamento de 70% do salário — percentagem que passou para 100% a partir de janeiro até três salários mínimos — mas o trabalhador continuou a descontar para a Segurança Social. Em França, o limite também era de 70%, mas os trabalhadores ficaram isentos de Segurança Social. Em Espanha, os trabalhadores com contratos de trabalho suspensos por causa do Covid tiveram  acesso ao subsídio de desemprego.

Irregularidades, atrasos e falhas de informação

A auditoria sinaliza que a Autoridade para as Condições de Trabalho realizou mais de 2.200 inspeções que abrangeram 65,515 trabalhadores, o que resultou em mais de 100 participações relativas a situações irregulares de mais de 1.400 trabalhadores para eventual cessação e restituição dos apoios pagos. Foram abertos 324 processos de contraordenação e feitas nove participações crime. As ações de fiscalização incidiram apenas sobre cerca de 4% dos trabalhadores com pedidos validados até ao final do primeiro semestre.

Entre as situações que não foram acauteladas no layoff simplificado, o Tribunal refere:

  • Não foi considerada a possibilidade de verificar se os trabalhadores em layoff foram informados pela empresa sobre a modalidade escolhida — suspensão do contrato ou redução do período normal de trabalho — o que potencia o risco de situações irregulares com desvios à suspensão dos contratos de trabalho.
  • Não foram aplicados critérios para ponderar a exposição de cada setor e a viabilidade das empresas, em particular na fase de desconfinamento e no acesso ao regime que sucedeu ao layoff, o que elevou o risco de o Estado estar a adiar situações de desemprego e reconversão de atividades ou excluir os que mais precisavam de apoio.
  • O critério dos 40% de queda na faturação média para apenas dois meses pode ter resultado em tratamentos desiguais a setores mais sazonais.

O layoff representou 47% da despesa das medidas de combate à pandemia reportadas no primeiro semestre de 2020. No total, e somando apoios pagos e receita não recebida, este mecanismo mobilizou 887 milhões de euros. Apesar de existir o acesso a financiamento comunitário para este esforço, o empréstimo obtido por Portugal no quadro do Programa SURE foi apenas de 5,9 milhões de euros.

Até 30 de junho foram recebidos 114.200 pedidos, tendo sido apoiados 821 mil trabalhadores de mais de 100 mil entidades empregadoras ao abrigo do layoff simplificado. No primeiro semestre de 2020, a despesa foi de 629 milhões de euros, a que se somam os montantes que ficaram por cobrar de taxa social única a cargo da empresa e que se cifraram em 258 milhões de euros. Este valor ficou aquém da perda prevista no Programa de Estabilidade divulgado em abril e onde se indicavam 373 milhões de euros por mês.

O Tribunal de Contas assinala a existência de atrasos na validação dos pedidos, embora reconheça o esforço da Segurança Social, “que mesmo sem reforço de meios se reorganizou através do envolvimento de diversas entidades e departamentos e da criação de vários canais de comunicação”. No entanto, os procedimentos postos em prática para facilitar o acesso “não foram suficientes para evitar atrasos nas validações dos pedidos submetidos, já que a 30 de junho os pedidos validados cobriam apenas 70% dos pedidos submetidos, com eventuais reflexos na celeridade do pagamento.

Um dos riscos apontados pelo Tribunal é a falta de fiabilidade da informação disponível. Em concreto, faltam dados sobre os motivos da adesão das empresas, o número de prorrogações, os prazos médios de autorização e as datas de pagamento, o “que limita o acompanhamento, avaliação da execução e a identificação dos impactos do layoff simplificado”. A não publicação periódica desta informação até final de 2020 “prejudicou a transparência sobre a utilização dos recursos públicos disponibilizados”.

“Esta falha de informação”, avisa o Tribunal “é tanto mais relevante quanto a evolução da pandemia vai exigindo respostas contínuas e auxílios específicos que serão tão mais eficazes à proteção do emprego quanto mais o seu desenho e respetiva implementação for fundamentada pela informação que resulte da aplicação da medida que a antecedeu”. A auditoria assinala entretanto a criação em setembro de uma equipa pelo Instituto da Segurança Social para a gestão do risco nas medidas excecionais de proteção e apoio ao emprego para assegurar um acompanhamento específico e uma avaliação posterior.

A maioria dos layoff abrangeu a indústria transformadora, com 22,3%, só depois surge o comércio por grosso e a retalho, reparação de automóveis e motociclos, 17,9%, alojamento e restauração (17%) e atividades administrativas ou serviços de apoio (10%). No primeiro semestre, a distribuição por distritos foi a seguinte: Lisboa (30,9%), Porto (18,9%), Braga (10,5%) e o resto dos distritos (39,4%).

Em janeiro, e no cenário de um segundo confinamento geral, o Governo generalizou o layoff simplificado para apoiar as empresas obrigadas a encerrar atividades, que assim podiam trocar o regime de apoio à retoma progressiva que vigorou para a generalidade dos setores desde agosto.