O ministro da Defesa vai propor o alargamento das competências do Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas (CEMGFA), que passa a ter o comando operacional de toda a atividade militar, e disse contar com o apoio das chefias.

Em entrevista à Lusa, o ministro João Gomes Cravinho anunciou que a proposta de lei para alterar a estrutura superior de comando das Forças Armadas dará entrada no parlamento “nas próximas semanas” e disse contar com o apoio das chefias militares apesar de “algumas interrogações sobre como poderia funcionar”.

Hoje em dia impõe-se uma reforma no sentido de colocar debaixo da autoridade do CEMGFA as Forças Armadas como um conjunto. É uma reforma importante, de fundo, mas é também algo que corresponde a mais um passo num processo que tem muitos anos e corresponde também a uma modernização que já foi feita na generalidade dos países europeus”, justificou.

O ministro da Defesa Nacional sublinhou que, entre os países da NATO, já não se encontra “um modelo parecido com o português” na medida em que “já evoluíram para um modelo mais adequado que é o CEMGFA ter autoridade sobre os três ramos e também sobre as novas valências, da ciberdefesa e da saúde militar”.

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Os três ramos das Forças Armadas — Marinha, Exército e Força Aérea — “continuarão a existir e a ter uma identidade própria e vincada” e não está em cima da mesa a criação de um estado-maior único, disse o ministro da Defesa, na entrevista que será publicada quarta e quinta-feira.

E qual será o papel dos chefes dos ramos militares na nova orgânica? “Muito simplesmente a geração de forças, o recrutamento, a instrução, a formação das forças, o aprontamento, fazer com que tenham todas as qualidades necessárias para o exercício das missões e a sustentação das forças”, respondeu.

O objetivo global da reforma é permitir que o CEMGFA “tenha à sua disposição a qualquer momento as forças de que precisa para executar as suas missões” e favorecer uma “visão de conjunto” sobre as necessidades e processos de investimento das Forças Armadas, acrescentou.

De acordo com as linhas gerais da proposta do Governo, as alterações à Lei Orgânica de Bases das Forças Armadas (LOBOFA) reforçam a autoridade do CEMGFA, que terá os chefes dos ramos militares sob sua dependência hierárquica e capacidade de coordenação dos Estados-Maiores dos ramos.

Os chefes de Estado-Maior “passam a depender do CEMGFA para todas as áreas da atividade militar, incluindo o planeamento, direção e controlo da execução da estratégia de defesa militar, a administração de recursos e capacidades militares”. À exceção de tarefas “muito específicas” como a busca e salvamento marítimo aéreo, “todas as missões passam a estar sob comando operacional do CEMGFA”, para que haja “uma visão de conjunto”. Na prática, os chefes militares deixam de “despachar” diretamente com o ministro da Defesa, passando a fazê-lo junto do CEMGFA para as questões militares. O Conselho de Chefes de Estado-Maior deixará, na proposta do ministro da Defesa, de ter as atuais competências deliberativas e de coordenação, passando a ter principalmente funções de consulta.

Questionado sobre se esta proposta mereceu o acordo das chefias militares, Gomes Cravinho disse que já se reuniu com o Conselho Superior Militar e que o retorno foi “muito positivo”: “[As chefias militares] deram o seu compromisso em relação a esta reforma, consideraram natural e estou confiante que poderei contar com os chefes militares para o desenho das partes mais pormenorizadas desta reforma”.

A concretização desta reforma implica a revisão da LOBOFA, aprovada em 2009 e alterada em 2014, com maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções.

Gomes Cravinho disse que tem a expectativa que o parlamento “possa votar o diploma antes do final do ano parlamentar”, ou seja, até ao verão, esperando reunir “o máximo de consenso entre as forças políticas”. Além da revisão da LOBOFA, o governo dará também entrada de uma proposta para alterar a Lei de Defesa Nacional.

Ministro da Defesa prevê cerca de 60 formadores de “forças especiais” no centro e sul de Moçambique

Por outro lado, João Gomes Cravinho estimou em cerca de 60 militares portugueses o contingente de formadores de “forças especiais” que será destacado em abril para Moçambique, auxiliando o país africano no combate ao terrorismo.

O que vamos destacar são formadores para formar fuzileiros e comandos. São militares que têm essas valências, forças especiais. Acredito que seja na ordem dos 60. Ainda não está estabilizado (o número de efetivos) porque ainda há um trabalho de planeamento em curso com as autoridades moçambicanas”, afirmou Gomes Cravinho, em entrevista à Agência Lusa que será divulgada quarta e quinta-feira.

A província moçambicana de Cabo Delgado está sob ataque desde outubro de 2017 por grupos de insurgentes ligados a organizações islâmicas radicais e classificados desde o início de 2020 pelas autoridades moçambicanas e internacionais como uma “ameaça terrorista”.

“Irão, em princípio, para locais diferentes: no sul do país, perto de Maputo, e no centro, mas ainda não está inteiramente decidido”, adiantou ainda o responsável pela tutela.

Questionado sobre as alterações ao programa quadro de cooperação técnico-militar com Moçambique, para vigorar nos próximos três anos, Gomes Cravinho precisou que o que está previsto é uma “intensificação” da cooperação com este país, na sequência do contexto atual de ameaças.

A cooperação técnico-militar entre Portugal e Moçambique existe desde 1988.

Gomes Cravinho antecipa novo ímpeto da NATO com Administração de Biden

O ministro da Defesa Nacional antecipou ainda que a nova Administração norte-americana, liderada pelo democrata e recém-empossado Joe Biden, dará novo ímpeto à Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), reconhecendo que há que “repensar” a Aliança Atlântica.

Há um consenso hoje de que é preciso repensar a NATO e há um elemento fundamental que é a mudança de administração em Washington, que cria um ambiente completamente diferente, muito mais positivo e de compromisso com o futuro da NATO“, disse Gomes Cravinho, em entrevista à agência Lusa, que será publicada quarta e quinta-feira.

Entre quarta e quinta-feira, decorre uma reunião por videoconferência de responsáveis pela Defesa da NATO, versando, entre outros assuntos, as missões em curso no Afeganistão e no Iraque, o reforço da dissuasão e defesa da Aliança Atlântica e a iniciativa “NATO 2030”.

O ministro lembrou declarações que considerou “bastante exageradas” do presidente francês, Emmanuel Mácron, no final de 2019, em que o chefe de Estado gaulês sentenciou a “morte cerebral” da NATO.

Para Gomes Cravinho, o facto de haver uma nova administração norte-americana favorecerá “também um quadro” de “mais tranquilidade entre aliados” para “pensar no destino coletivo enquanto organização de defesa comum”.

Na reunião, disse, “vai haver uma primeira abordagem às propostas da ‘NATO2030’ e criar-se-ão um conjunto de propostas para a cimeira da NATO que julgamos terá lugar em junho deste ano”, previu, referindo-se ao futuro documento da Aliança Atlântica, promovido pelo seu secretário-geral, o norueguês Jens Stoltenberg, com o intuito de tornar a NATO “mais forte militarmente, mas também politicamente e com uma abordagem mais global”.

O Alto Representante da União Europeia para a Política Externa e de Segurança, o catalão Josep Borrell, e os ministros da Defesa da Finlândia e da Suécia também vão participar no encontro.

“Escrevi uma carta de felicitações e sei que — porque há contactos a nível inferior, da nossa Embaixada com o Pentágono — haverá uma resposta que virá em breve. Amanhã [quarta-feira] será a primeira oportunidade de dialogar com o secretário da Defesa dos Estados Unidos [Lloyd J. Austin III]”, concluiu Gomes Cravinho sobre contactos entre Portugal e o novo presidente dos EUA.

Sobre o futuro da organização, Gomes Cravinho disse ver com satisfação o crescimento, entre os países da União Europeia, da ideia de que a NATO e a União Europeia, na Defesa, podem ser complementares e que foi “ultrapassada muito significativamente” a “desconfiança”.

“Aquilo que são as características de cada organização tornaram-se muito mais evidentes, em parte com a pandemia [de covid-19], em parte com as ameaças híbridas”, considerou.

Na lógica da defesa militar “não há melhor que a NATO” mas, no que respeita às ameaças híbridas e a desafios “que tem uma natureza societal” encontra-se melhor resposta por via da União Europeia, defendeu, dando como exemplo um “ataque biológico”.