Era preciso uma noite épica. Uma noite como a de Viena, em 1987. Uma noite como a de Sevilha, em maio de 2004. Como a de Old Trafford, em março de 2004, ou a de Gelsenkirchen, em maio do mesmo ano. Como a de Dublin em maio de 2011, a do Dragão, em março de 2019 e contra a Roma, ou a mais recente noite de Turim, no mês passado. Era preciso uma noite épica que recordasse todas as outras épicas noites europeias da história do FC Porto. Era disso que o FC Porto precisava para esta terça-feira, no Sánchez Pizjuán, dar a volta à eliminatória com o Chelsea e seguir para as meias-finais da Liga dos Campeões.

Sérgio Conceição, habituado às tais épicas noites europeias tanto enquanto jogador como enquanto treinador, sabia disso. E era o primeiro à apelar à memória para catapultar o próximo capítulo. “Há muitos momentos da época que pode ser um exemplo. Nesta época, e nos anos em que estamos aqui, temos tido muitos exemplos de superação. Essa crença vem do trabalho que fazemos. Estamos confiantes, sabemos que é um adversário difícil mas estamos aqui para dar a resposta que temos que dar. Nos mais de 40 jogos que tivemos esta época, fizemos sempre ’90 minutos à FC Porto’. Somos homens, temos momentos melhores e outros menos bons, mas isso faz parte da vida”, disse o treinador, mencionando a frase que estava numa das tarjas levantadas pelos adeptos que marcaram presença no Olival, durante a preparação para a partida contra o Chelsea, e que também foi comentada por Otávio na antevisão.

“Não é só por jogarmos com o Chelsea que damos tudo em campo. Temos tido capacidade de acreditar, de ser resilientes, de perceber que todas as dificuldades que possamos ter pela frente podem ser ultrapassadas com espírito forte. É o que sinto e foi assim que conseguimos, nos últimos quatro anos, ganhar títulos. Na Europa, claro que há equipas mais apetrechadas. Há jogadores que, sozinhos, custaram mais do que o valor que o FC Porto gastou no mercado… Mas há duas situações que não ganham jogos: orçamentos e estatísticas. Com o Chelsea, estatisticamente goleámos mas perdemos por 2-0. O apoio dos adeptos está sempre presente, eles estão sempre connosco porque sentem o clube de forma muito apaixonada. A tarja é normal, é o que tem caracterizado o FC Porto nos últimos quatro anos (…) Nestes jogos, ir com muita sede ao pote pode ser prejudicial. É preciso fazer golo mas também é preciso não sofrer”, acrescentou Conceição, que acaba por não esconder o facto de nestes quatro anos ter sido o grande responsável pelo restaurar de um ADN do clube que parecia perdido.

Esta quarta-feira, novamente no Sánchez Pizjuán de Sevilha, o FC Porto defrontava o Chelsea — desta feita na condição oficial de visitante, depois da derrota da semana passada com golos de Mount e Chilwell. Depois da tranquila vitória do fim de semana em Tondela e do empate do Sporting, que permite aos dragões voltarem a acreditar que o título ainda é possível, a equipa de Sérgio Conceição procurava a reviravolta que desse o passaporte para as meias-finais. Depois de falharem a primeira mão por castigo, Sérgio Oliveira e Taremi estavam novamente disponíveis e eram opção: o médio português entrava diretamente no onze, o avançado iraniano começava surpreendentemente no banco. Taremi era o grande sacrificado da alteração estratégica que Sérgio Conceição fazia de um jogo para o outro, reforçando o meio-campo com a entrada de Grujic, implementando um setor intermédio com o sérvio, Sérgio Oliveira e Uribe. No ataque, Corona e Otávio estavam no apoio direto a Marega. Do outro lado, mantendo as mesmas lógicas, Thomas Tuchel fazia três mudanças de uma semana para a outra e trocava Christensen, Kovacic (que está lesionado e nem sequer integrou a convocatória) e Werner por Thiago Silva, Kanté e Pulisic.

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Os primeiros instantes acabaram por revelar a dinâmica do triângulo do meio-campo do FC Porto — ao contrário do que seria expectável, Sérgio Oliveira e Uribe jogavam numa zona mais adiantada do terreno e só Grujic é que ficava mais recuado, com o colombiano a apoiar o médio português nas tarefas mais ofensivas e de ligação ao ataque. Numa primeira parte intensa e com um ritmo positivo, as oportunidades não apareceram e o jogo foi sempre disputado muito longe das balizas, na zona do meio-campo, com ambas as equipas a pecarem principalmente no último passe e na finalização. Mason Mount protagonizou o primeiro lance mais perigoso, com um remate que passou perto da baliza de Marchesín depois de desviar num defesa (7′), e Corona respondeu também com um pontapé prensado e ao lado, na sequência de um erro de Mendy, que falhou um passe curto para Jorginho (11′).

O FC Porto teve mais bola sobretudo nos 20 minutos iniciais, período em que o Chelsea optou claramente por oferecer a iniciativa ao adversário e procurar sair apenas em contra-ataque e transição rápida, encurtando o espaço entre os setores quando sem bola para dificultar as incursões dos dragões pelas zonas entre linhas. Numa dessas transições ofensivas, Reece James rematou ao lado depois de Kanté ser superior a Manafá na esquerda do ataque (19′), e noutra Pepe foi decisivo, e evitar que um cruzamento perigoso de Havertz chegasse a uma zona de finalização (27′). Corona voltou a ter uma ocasião importante já depois da meia-hora, ao receber um passe longo de Mbemba nas costas de Chilwell para depois atirar por cima (33′), e o jogo tornou-se mais incaracterístico e equilibrado com o aproximar do intervalo.

No fim do primeiro tempo, o jogo continuava empatado, sem golos e sem remates enquadrados — ou seja, o Chelsea continuava com uma vantagem muito confortável, enquanto que o FC Porto já só tinha 45 minutos para tentar a reviravolta. As duas equipas, ambas muito intensas e aguerridas, estavam a falhar principalmente na fase do último passe e na finalização, onde a definição parecia sair sempre atabalhoada ou ansiosa. A equipa de Sérgio Conceição tinha bola, circulava sobretudo pelo corredor direito, onde Corona estava em evidência, mas tinha muitas dificuldades na hora de entrar de forma bem sucedida no último terço adversário, gerindo a posse quase sempre numa zona exterior à grande área de Mendy.

[O golo de Taremi que decidiu o resultado do Chelsea-FC Porto:]

Nenhum dos treinadores fez substituições ao intervalo e a verdade é que o FC Porto regressou melhor do balneário: os dragões estiveram totalmente inseridos no meio-campo adversário durante largos minutos, conquistaram três cantos quase consecutivos e deixaram o Chelsea sem grande espaço para respirar, com a equipa de Thomas Tuchel a recorrer a alívios menos ortodoxos para afastar a bola. Ainda assim, e tal como durante toda a primeira parte, o FC Porto não conseguia criar verdadeiras oportunidades e estava menos acutilante do que o normal — ou o canto não entrava, ou o remate não saía ou o último passe aparecia mal medido.

Nas costas, a equipa de Sérgio Conceição sofria as consequências desse balanço ofensivo. Volvidos os primeiros dez minutos da segunda parte, os ingleses conseguiram soltar-se da pressão do FC Porto e demonstraram que o grande objetivo era chegar ao terceiro golo, para matar a eliminatória, através da transição rápida. Pulisic esteve perto, ao falhar o remate depois de um cruzamento de Chilwell (54′), e Mason Mount só não acertou na baliza porque Manafá apareceu a bloquear o pontapé (57′). A bola entrava com muita facilidade na esquerda do ataque do Chelsea, na direita da defesa do FC Porto, e os dragões tinham muitas dificuldades na hora de travar as viragens de jogo que o conjunto de Tuchel implementava de forma quase perfeita.

À chegada à hora de jogo e ainda sem qualquer remate enquadrado, Sérgio Conceição mexeu pela primeira vez e tirou Grujic para lançar Taremi — o FC Porto regressou assim ao sistema mais habitual, com o iraniano a juntar-se a Marega no ataque, Sérgio Oliveira e Uribe a ocuparem-se do meio-campo e Otávio e Corona a atuarem próximos das alas. Taremi teve desde logo uma boa oportunidade, assim como a primeira bola que foi à baliza desde o início do jogo: Corona combinou com Otávio e recebeu na direita, cruzou atrasado e o avançado cabeceou na zona da marca da grande penalidade, com Mendy a segurar junto ao poste (65′).

Com o avançar do relógio, sem que o jogo se alterasse em forma nem conteúdo, Sérgio Conceição voltou a mexer e fez o all in, com as entradas de Nanu, Luis Díaz e Evanilson para as saídas de Manafá, Corona e Marega. A tripla substituição teve pouco impacto, numa fase em que o FC Porto já atacava mais com o coração do que com a razão, e a partida foi-se aproximando do apito final sem que se avistasse o tão esperado milagre. Fábio Vieira ainda entrou, Ziyech e Giroud ainda foram lançados no Chelsea e Marchesín foi obrigado à única intervenção do encontro já nos descontos, depois de uma oportunidade de Pulisic (90+3′). Até que, ao quarto minuto de tempo extra, Taremi fez o que devia ter feito logo à hora de jogo, quando entrou em campo.

Nanu cruzou na direita e o avançado iraniano, com um enorme pontapé de bicicleta, bateu Mendy e deu a vitória ao FC Porto (90+4′) — o golo apareceu tarde, o milagre não apareceu. Os dragões venceram o Chelsea mas acabaram eliminados da Liga dos Campeões devido ao resultado agregado e caem nos quartos de final, de cabeça erguida, enquanto que os ingleses seguem para as meias-finais e vão defrontar Real Madrid ou Liverpool. Foram 180 minutos à Sérgio Conceição, acima de tudo; com garra, com vontade, sem desistir e com crença na ínfima possibilidade, sendo globalmente superior nas duas partidas. Só faltou aquilo que não se compra: a fortuna. A fortuna de ter aquele pontapé de bicicleta alguns minutos antes.