Os cerca de 30 mil portugueses na província do KwaZulu-Natal, litoral da África do Sul, estão “apreensivos” quanto ao futuro, se o Governo sul-africano avançar este ano em definitivo para a expropriação de terras sem compensação financeira.
Em entrevista à agência lusa, o cônsul honorário de Portugal, em Durban, Elias de Sousa, referiu que as medidas do Governo do Congresso Nacional Africano (ANC, na sigla em inglês), no poder desde 1994, na África do Sul, para expropriar terras de propriedade privada “preocupa a todos”, sublinhando a “falta de clarificação de como vai acontecer”.
Andamos a falar nisso já há muito anos, desde 1994, e até à data o ANC não foi capaz de resolver essa situação, portanto, aguardamos por notícias que possam ser razoáveis para os dois lados porque de facto expropriar sem compensação é algo que, na minha opinião, não deveria acontecer”, defendeu.
O cônsul honorário de Portugal estima em cerca de 30.000 o número de portugueses a residir atualmente na província do KwaZulu-Natal, dos quais pelo menos 20.000 na área metropolitana da cidade portuária de Durban, onde “pouco mais de 13.000 estão registados no consulado”.
“O que sentimos é que há muito portugueses a registarem os seus filhos e netos, o nosso registo está a aumentar aqui em Durban, mas de resto somos uma comunidade passiva, vamos acompanhando o dia a dia do país e mais nada podemos fazer”, disse.
Elias de Sousa sublinhou que a nova legislação, atualmente em apreciação pelo Parlamento, vai ter um “impacto bastante grande” na comunidade portuguesa do KwaZulu-Natal, onde começou a surgir na década de 1950, a maioria para a agricultura.
“Têm feito um grande trabalho e continuam a fazê-lo”, disse.
Todavia, o cônsul português frisou que a acontecer a expropriação de terras privadas sem compensação financeira pelo Governo sul-africano no âmbito da política de “transformação económica radical”, em curso desde as primeiras eleições democráticas em 1994, “vai afetá-los a eles em primeiro lugar e vai afetar também todos os outros na cadeia de valor”, referiu Elias de Sousa.
Questionado pela Lusa sobre que medidas e meios é que o Governo português está a acompanhar a situação das famílias portuguesas no KwaZulu-Natal, nomeadamente agricultores, junto das autoridades sul-africanas, Elias de Sousa afirmou: “O nosso Governo naturalmente que não está satisfeito com esta questão, mas julgo que o embaixador de Portugal é que poderá esclarecer”.
“Mas julgo que, à partida, o nosso Governo, de maneira alguma também considera que isso seja uma boa opção para o país e para a África do Sul”, adiantou.
A província do KwaZulu-Natal (KZN, na sigla em inglês), a segunda mais populosa do país com 11,5 milhões de habitantes, segundo dados oficiais, está situada ao longo da costa oriental da África do Sul, fazendo fronteira a norte com Essuatíni (antiga Suazilândia) e Moçambique, e a Oeste pelo reino montanhoso do Lesoto.
Com os dois portos marítimos de maior movimento e volume de carga do país localizados em Durban e Richar´s Bay, esta província desempenha um papel significativo na economia da África do Sul, sendo o segundo maior contribuinte, com uma participação de 16% no PIB nacional, depois de Gauteng (35,2%), segundo dados do Governo provincial do KwaZulu-Natal referentes a 2019/2020.
De acordo com as autoridades provinciais, a economia desenvolve-se principalmente na agricultura, turismo, manufaturação, mineração, comércio, construção, finanças e serviços, setores em que participam um número considerável de portugueses.
O KwaZulu-Natal é também berço do “Reino dos Zulus”, o maior grupo étnico do país, com várias linhagens no continente, e que recentemente perdeu o rei Goodwill Zwelithini KaBhekuzulu, que morreu vítima de diabetes e covid-19, em março.
“O rei Goodwill Zwelithini era um monarca que admirava a comunidade portuguesa nesta província, era um homem que gostava dos portugueses, visitava os portugueses, convivia com alguns portugueses, nomeadamente agricultores, e que dedicava muito tempo à comunidade portuguesa”, sublinhou o cônsul.
Em 2018, o embaixador de Portugal na África do Sul, Manuel de Carvalho, foi recebido pelo rei, numa das suas residências perto de Ulundi, antiga capital legislativa do KwaZulu-Natal e sede do Partido Livre Inkatha (IFP, na sigla em inglês), na oposição.
“Na altura, o rei quis nos dizer-nos que gostaria muito que os portugueses ajudassem a desenvolver aquela área e aqueles terrenos, nomeadamente no setor dos laticínios”, recordou Elisa de Sousa.
Goodwill Zwelithini ka Bhekuzulu era o único administrador de cerca de três milhões de hectares de terra no KwaZulu-Natal sob o Fundo Ingonyama, criado em 1994, para salvaguardar “o bem-estar material e social dos membros das tribos e comunidades” que habitam a província.
Para além da incerteza política do Governo sul-africano que se sente também aqui nesta província, Elias de Sousa considerou o envelhecimento e o desemprego como os principais desafios da comunidade portuguesa no KwaZulu-Natal.
“Para já temos uma comunidade que está a ficar envelhecida, como julgo que acontece em toda a África do Sul, os jovens infelizmente muito deles têm saído para outros países onde possam encontrar emprego e as pessoas antigas naturalmente estão reformadas”, referiu.