O antigo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho assume que recebeu “com relativa surpresa” a informação sobre a venda falhada do Novo Banco em 2015 já que tinha notado o ex-governador do Banco de Portugal Carlos Costa “bastante otimista”.

O antigo primeiro-ministro dos Governos PSD/CDS, entre 2011 e 2015, respondeu em 11 páginas às perguntas feitas pelo PS no âmbito da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, um depoimento por escrito ao qual a agência Lusa teve acesso esta sexta-feira.

Quanto à frustração do processo de venda, ela foi do meu conhecimento quer por intermédio da ex-ministra de Estado e das Finanças, quer posteriormente pelo próprio ex-governador [do Banco de Portugal, Carlos Costa]. No entanto, recebi a informação com relativa surpresa, já que sempre tinha notado o ex-governador bastante otimista com as perspetivas de venda do banco”, respondeu a propósito da venda falhada do Novo Banco em 2015.

De acordo com Passos Coelho, de acordo com a lei “era especificamente ao Banco de Portugal, enquanto Entidade de Resolução, que cabia a decisão de resolução, bem como o processo de venda do Novo Banco nascido da resolução“. “Isso não impediu o Governo de procurar acompanhar a evolução da situação e, eventualmente, de cooperar com o Banco de Portugal a solicitação deste”, assegura.

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O antigo chefe do executivo recorre ainda à audição da sua antiga ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, nesta mesma comissão de inquérito para referir que esta “informou com bastante detalhe” o acompanhamento que foi feito então pelo Ministério das Finanças e “das trocas de impressão que eram mantidas, quer com o supervisor, quer com a administração do próprio banco”.

“Em todo o caso, era para mim muito claro que havia toda a vantagem em assegurar um processo expedito de venda do Novo Banco“, defende ainda.

Segundo o antigo primeiro-ministro, um banco de transição não tem um “dono” que ofereça estabilidade estratégica, havendo assim “tendência em ver os seus ativos deteriorarem-se mais rapidamente no mercado”.

“E ficará mais vulnerável a flutuações de mercado já que as regras da resolução bancária dificultavam, e em certas circunstâncias impediriam mesmo, novos procedimentos de reforço de capital a providenciar pelo Fundo de Resolução, que o mesmo é dizer, pelos restantes bancos portugueses”, aponta.

Passos Coelho remete para Costa questão do custo para os contribuintes

O ex-primeiro-ministro Passos Coelho remeteu para o seu sucessor a existência de custos do Novo Banco para os contribuintes, considerando que “merece certamente averiguação” que não se tenha concretizado a garantia de António Costa de ausência de encargos públicos.

“Quando a venda veio a ser formalizada em 2017, o primeiro-ministro que me sucedeu [António Costa] consideraria as condições de venda adequadas à defesa do dinheiro dos contribuintes, já que manifestou publicamente a mesma garantia [que Passos Coelho tinha dado em 2014 sobre a resolução do BES] relativamente aos encargos públicos”, pode ler-se no depoimento escrito de Passos Coelho enviado à comissão de inquérito do Novo Banco.

O antigo chefe do Governo PSD/CDS-PP defende que o facto de a garantia dada por António Costa de que não haveria de custos para os contribuintes “não se ter efetivado, como é patente que não se efetivou, merece certamente averiguação” por parte da comissão de inquérito.

Em 31 de março de 2017, numa comunicação ao país acerca da venda do Novo Banco à Lone Star, António Costa disse que a venda do banco cumpria “as três condições colocadas pelo Governo” em janeiro daquele ano, sendo uma delas de que o processo não teria “impacto direto ou indireto nas contas públicas, nem novos encargos para os contribuintes”.

Passos Coelho aproveitou para defender que o inquérito deve centrar-se nas condições da venda.

“Creio que é sobretudo nas condições que foram negociadas com a venda, cuja responsabilidade o governo liderado pelo atual primeiro-ministro, dr. António Costa, comunicou publicamente partilhar, que o escrutínio deve incidir”, preconizou.

É delas que emergem as consequências conhecidas para o erário público, bem assim como do acordo estabelecido pelo mesmo governo com os bancos portugueses participantes do Fundo de Resolução, com quem o empréstimo do Tesouro realizado em 2014 foi renegociado pelo então novo Ministro das Finanças, atualmente Governador do Banco de Portugal [Mário Centeno]”, pode ler-se na carta a que a Lusa teve acesso.

Nas perguntas enviadas pelo PS a Pedro Passos Coelho, os socialistas questionam o antigo governante citando declarações suas de 2014 sobre a resolução do BES, em que disse que “os contribuintes portugueses não serão chamados a suportar as perdas, que neste caso, respeitam pelo menos à má gestão que foi exercida pelo BES”.

O PS questiona Pedro Passos Coelho se “reconhece que a venda falhada do Novo Banco (banco de transição) afastou por completo” a garantia de ausência de custos para os contribuintes, tendo o antigo líder do PSD confessado não compreender “muito bem a relação lógica implicada pela pergunta”.

Passos crê que BES teria sobrevivido se supervisão tivesse sido respeitada

Pedro Passos Coelho considerou que o Banco Espírito Santo (BES) teria sobrevivido se os responsáveis do grupo tivessem respeitado as medidas preventivas decretadas pela supervisão, segundo o depoimento a que a Lusa teve acesso.

“Creio que está bem comprovado, com as informações de que hoje todos dispõem, que o BES teria sobrevivido, embora com outros acionistas, ao descalabro do grupo se os responsáveis do banco, à época, tivessem respeitado as medidas preventivas prontamente adotadas pelo supervisor”, disse Passos Coelho.

Para o antigo primeiro-ministro dos governos PSD/CDS-PP, o Banco de Portugal (BdP), liderado, à data, por Carlos Costa, “sempre demonstrou uma coragem e um sentido de interesse nacional que, infelizmente, nem sempre predominou no passado”.

O antigo governante considerou “cristalino” que o tema da resolução do BES não tinha de ser abordado em Conselho de Ministros, por tais funções caberem às autoridades de supervisão bancária.

O Governo foi informado da medida de resolução adotada pelo Banco de Portugal no dia 01 de agosto, tendo a ex-ministra de Estado e das Finanças [Maria Luís Albuquerque] transmitido, com a minha anuência, o apoio a tal medida de resolução, medida essa adotada por quem tinha a competência legal para o fazer e no contexto que apenas o supervisor poderia conhecer — a perda do estatuto de contraparte elegível junto do Banco Central Europeu”, refere Passos Coelho no seu depoimento.

Em resposta a uma questão direta do PS acerca de um eventual debate em Conselho de Ministros sobre a parte não financeira do GES, Passos Coelho disse que “não cabia ao Governo intervir na gestão de sociedades privadas nem patrocinar soluções de política pública dirigidas a um grupo económico específico”.

“Assim, nada havendo a deliberar do ponto de vista legislativo ou administrativo nesta matéria, não me pareceu que fizesse sentido introduzir estes assuntos em reuniões do Conselho de Ministros, dado nunca ter apreciado que os governantes se dedicassem a trocas de impressões especulativas em reuniões formais do governo”, pode ler-se no texto enviado à comissão de inquérito.

Quanto ao BES, o antigo primeiro-ministro referiu que as informações que tinha “coincidiam, no essencial”, com as recebidas pelo então governador do BdP Carlos Costa, estando também, na altura, a ministra das Finanças a acompanhar o tema, nomeadamente a separação entre a parte financeira e não financeira do grupo.

“Essas informações, durante o período referido na questão, apontavam para uma situação que correspondia, pelo menos desde o início do ano, ao chamado ‘ring fencing’ do banco, isto é, ao estabelecimento de uma almofada de capital, determinada pelo supervisor, especificamente destinada a absorver eventuais perdas associadas à exposição do banco ao papel comercial do Grupo, visando proteger o banco e os seus depositantes sem colocar em dúvida a solvabilidade da instituição ou a estabilidade financeira”, explanou.

Segundo o antigo governante, “tanto quanto o supervisor estava consciente da situação do banco, esta não inspirava nessa altura preocupação maior”.

“Nestes termos, qualquer agendamento de discussão sobre este assunto em Conselho de Ministros seria contraproducente. Ainda assim, quer no caso do GES, quer a propósito do BES, nenhum membro do governo tomou a iniciativa de suscitar qualquer questão, informação ou esclarecimento na primeira parte das reuniões do Conselho de Ministros, onde matérias mais genéricas ou informativas podiam ser objeto de intervenção livre”, prosseguiu.

Antigo PM garante que o seu Governo atuou responsavelmente em relação ao BES

O antigo primeiro-ministro Passos Coelho considera que o seu Governo atuou responsavelmente em relação ao BES, afirmando que, em julho de 2014, não tinha nenhuma razão “para evitar passar uma mensagem de segurança e tranquilidade” sobre o banco.

O governo nunca se furtou às suas responsabilidades em matéria de estabilidade financeira, tendo sempre procurado junto dos reguladores e supervisores, em particular o Banco de Portugal (BdP), acompanhar a situação que pudesse envolver o Banco Espírito Santo (BES) e diligenciar, dentro das suas competências e de acordo com a informação de que dispunha, para ajudar à preservação da estabilidade financeira”, pode ler-se no depoimento por escrito enviado à comissão de inquérito.

“Afasto, assim, qualquer eventual intenção evidenciada na pergunta de procurar construir uma ideia, falsa, de que o governo não atuou responsavelmente nesta matéria”, enfatiza, perante a premissa da pergunta do PS, que refere que “o Governo não se podia demitir de discutir a situação do GES/BES, mais concretamente a ameaça para a estabilidade financeira”.

Confrontado pelo PS com declarações suas, de 05 de julho de 2014, quando afirmou que o BES vinha a ser supervisionado pelo BdP e não merecia, naquela altura, “nenhuma apreensão” do seu executivo, Passos Coelho foi perentório: “Eu não tinha nenhuma razão para evitar passar uma mensagem de segurança e de tranquilidade quanto à situação do Banco Espírito Santo”.

“De resto, sendo questionado publicamente sobre a situação do banco como fui, e a menos de informação relevante em sentido contrário àquela de que dispunha, qualquer hesitação em respaldar a comunicação pública do supervisor seria, além de irresponsável, absolutamente atentatória da estabilidade financeira”, justifica.

Tendo em conta que os problemas que afetavam a reputação da área não financeira do grupo se tinham começado a intensificar entre os finais de junho e os começos de julho, para o antigo governante social-democrata era “ainda mais importante procurar dissociar quanto possível a questão GES da questão BES”.

“Até porque começava a existir algum nervosismo no espaço público a respeito da marca ‘Espírito Santo’, tanto em razão do desastre iminente da área não financeira como por notícias envolvendo outras sociedades financeiras do grupo no estrangeiro fora da jurisdição do supervisor português”, recorda.

Sobre o telefonema que o ex-presidente do BES Ricardo Salgado fez a Carlos Moedas em 2014, a propósito da abertura, por parte da procuradoria do Luxemburgo, de um inquérito a três empresas do GES, Passos Coelho respondeu apenas: “Não, não guardo qualquer memória de que o senhor engenheiro Carlos Moedas, então meu Secretário de Estado Adjunto, me tivesse dado conhecimento desse telefonema específico”.

Passos Coelho referiu que a ministra das Finanças lhe reportou que “os rácios de capital do banco, completado que seria o aumento de capital na semana seguinte [junho de 2014], eram robustos, sendo que todos os fatores de risco envolvidos na operação tinham sido devidamente explicitados no prospeto de aumento de capital por parte da CMVM”.

“Em cima de tudo isto, a ex-ministra de Estado e das Finanças recordava que, na eventualidade improvável de a operação de aumento de capital não decorrer de acordo com o desejado e caso existisse por parte dos acionistas do banco incapacidade para suprir as necessidades de aumento de capital requerido, haveria ainda a segurança de estes poderem recorrer à linha de recapitalização pública que se mantinha disponível”, agora ao abrigo das novas regras de auxílios de Estado.

Maria Luís Albuquerque também deu conta a Passos Coelho de que “na interpretação do Banco de Portugal” as mensagens vindas do Grupo Espírito Santo “sobre eventuais riscos para o banco que poderiam resultar dos problemas na área não financeira poderiam ser vistos como uma forma de pressão sobre as autoridades para que estas se envolvessem na questão e participassem na solução do problema grave que tinha sido criado na área não financeira”.