Um ano e meio após o começo da pandemia, a saudade dos desfiles in loco serve de arranque a uma conversa com os olhos postos no futuro da moda. O boom da criatividade, a convergência entre os mundos online e offline, a sustentabilidade e peças intemporais são alguns dos caminhos para a pergunta: “O que vem depois?”. Depois da crise sanitária que interrompeu os eventos da indústria, suspendeu passadeiras vermelhas e obrigou um setor, entre vários, a parar para pensar.

A piscar o olho à Semana da Moda da Nova Iorque, que acontece de 8 a 12 de setembro, o The New York Times juntou numa troca de ideias transmitida online Anna Wintour, diretora de conteúdos da Condé Nast, Nicolas Ghesquière, diretor criativo da Louis Vuitton, a atriz e ex-modelo Tracee Ellis Ross e José Neves, presidente, fundador e CEO da Farfetch.

“Uma audiência é incomparável”

Antes de tudo fechar, o designer Nicolas Ghesquière orquestrou o último desfile da Semana da Moda de Paris, onde curiosamente estiveram presentes Vanessa Friedman, diretora de moda do NYT que conduziu esta conversa, e Anna Wintour. A experiência “traumática”, dado o então perigo crescente da pandemia, leva-o agora a falar da necessária responsabilidade considerando as apresentações vindouras numa semana marcada por desfiles atrás de desfiles. E se no ano passado teve de “aprender depressa” a chegar às pessoas que estavam em casa, diz, nada substitui um público presente. Afinal, ter “uma audiência é incomparável”.

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A saudade pelo palpável ao fim de sucessivos confinamentos não diminuiu, no entanto, a pegada digital. Foi através da internet que Tracee Ellis Ross (filha de Diana Ross) teve acesso ao universo da moda quando em lockdown, daí que faça a seguinte observação: desfiles digitais acessíveis à distância de um clique trouxeram mais pessoas à moda de luxo, mesmo aquelas que não tinham por hábito ocupar primeiras filas; a diversidade do público foi um ganho.

Não é à toa que José Neves defende a “digitalização da moda” — que permite de certa forma a sua democratização —, ainda que não de uma forma absoluta. “O mundo online não vai desaparecer. As vendas digitais permitiram-nos continuar a ter moda na pandemia. A grande questão é como é que os dois mundos vão convergir.”

Mais criatividade e durabilidade

Ainda antes de a pandemia chegar e obrigar-nos a todos a micro e macro reflexões, a moda deparava-se com questões internas. “Dizia-se que havia muitos desfiles e muitos produtos”, lembra Anna Wintour apontado o dedo a excessos cometidos. Com a chegada da Covid-19 assistiu-se a um empurrão coletivo no sentido de procurar alternativas e, agora, o caminho poderá passar por “designers focados em roupas mais criativas e que durem mais tempo”. Exemplo disso, assegura aquela que também é responsável pela edição norte-americana da Vogue, são as grandes casas que estão a incluir peças vintage nos seus espaços online (Nicolas Ghesquière prefere o termo “arquivos vivos”).

“As roupas não são descartáveis, podem durar uma vida e serem passadas aos filhos” como acontece com as joias, defende Wintour, numa também crítica à chamada fast fashion. A ideia vai à boleia da intervenção de José Neves que é adepto da economia circular e aponta para os dois erros de maior relevo na indústria: “Produzimos muito e produzimos muito as coisas erradas”. A criação em excesso é, de certa forma, corroborada por todos os intervenientes. Vai daí que o fundador da Farfetch, a falar a partir da capital inglesa, traga para cima da mesa os conceitos da revenda e do restauro de peças usadas. E ainda que a missão de Nicolas Ghesquière, enquanto designer, seja fazer constantemente algo novo, diz, o sonho é ter “peças intemporais”.

A conversa em torno das peças vintage é também uma porta mais do que aberta para sustentabilidade. “A indústria tem muito a fazer, sabemos que é muito poluente”, diz José Neves, que acredita que a moda pode ser um defensor ativo do que é sustentável. Mas não foi só a indústria a olhar para dentro de si mesma, também os consumidores tiveram tempo para refletir sobre o seu padrão de compras, os quais, defendem os intervenientes desta conversa, estão sedentos por mais transparência. E, diz Tracee Ellis Ross, as pessoas podem votar nas suas preferências com as carteiras.

Depois do estilo casual, venha daí o luxo

Anna Wintour não tem dúvidas que de há um desejo coletivo para nos voltarmos a aperaltar, a optar também por outfits mais criativos e que, acima de tudo, sejam capazes de expressar a individualidade depois de vários meses com as portas dos armários ou perras ou trancadas. O designer francês Nicolas Ghesquière concorda: depois do casual e das roupas confortáveis que se tornaram quase normativas, sobretudo aquando dos primeiros meses da pandemia, agora a procura é por um “guarda-roupa elevado”, ou seja, pelo luxo.