Título: Sobre o amor
Autor: Charles Bukowski
Editora: Alfaguara
Tradução: Valério Romão
Páginas: 208
Preço: 17,70€

Para quem só conhece a obra em prosa de Bukowski, Sobre o amor parecerá uma surpresa. De Bukowski, talvez não se esperem poemas de amor. Mas, mesmo que o início até engane, o livro acaba por fugir para o desbragamento habitual. Falta a Bukowski a capacidade de ser mais do que Bukowski. Na prosa como na poesia, o autor não se liberta dos seus traços, razão pela qual a sua obra dá tão pouco. A mediania impõe-se também porque falta ao autor a capacidade de fazer grandeza.

Sobre o amor chega pela mão da Alfaguara, que parece empenhada em trazer a obra do autor a Portugal. Nos últimos nove anos, têm sido vários os volumes traduzidos, sendo esta a primeira obra poética com o selo da editora. O título ludibria, até porque o autor reproduz em verso o que nos dá em prosa. Não é que reflita no amor por mulheres enquanto gente, o que ali cabe é a paixão por mulheres enquanto corpos, na qual não se abdica de um certo tom brejeiro nem da fantasia entediante da potência de um homem:

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“gostamos de um duche depois
(…)
e ela lava-me primeiro
espalha sabonete nos meus tomates
levanta-os
aperta-os,

depois lava-me a pila:
“ei, isto ainda está duro!”

(in “o duche”, p. 48)

Já em Mulheres as mulheres eram objetos usados para a satisfação de um desejo, uma forma imediata de matar uma pulsão. Na obra de Bukowski, o sexo feminino serve apenas como floreado ao masculino. A visão que apresenta é sempre unilateral, e o autor jamais tem interesse em subir de patamar, atingindo o propósito maior da literatura – chegar ao outro. Pelo contrário, o que escreve torna-se frequentemente um palco de exibição de uma masculinidade quase risível, em que os homens decadentes conseguem ser irresistíveis perante personagens femininas que, para além dos estereótipos da histeria e da dependência, ainda são tábua rasa em termos de profundidade psicológica. Nos romances, a única função da narrativa parece ser irem para a cama com Chinaski, alter ego do autor.

Ainda assim, nos poemas atinge-se ternura, que soa quase desfasada dentro de um Bukowski que parece estar sempre em personagem:

“as horas de amor
neste quarto
ainda lançam sombras.

quando partiste
levaste quase
tudo.”
(in “Para a Jane”, p. 28)

Além disso, Bukowski volta à sua dicotomia habitual entre a vida fácil e limpa e a vida de um alcoólico dissoluto. Assim, contrapõe a paz de uns ao desespero do vazio de outros:

“vejo-os nos seus apartamentos: pessoas em
paz, vivendo juntas. eu sei que a sua
paz é apenas parcial, mas há
paz, por vezes horas e dias de paz.

tudo quanto conheci até hoje foram viciadas em comprimidos, alcoólicas,
prostitutas, ex-prostitutas, loucas.

quando uma se vai embora
chega outra
pior do que a sua predecessora.”
(in “Miudinhas quietinhas e limpinhas em vestidos de xadrez”, p. 111)

Assim, Bukowski vai mantendo o tom de ode à vida dissoluta, recuperando a figura do homem embriagado, o ambiente do vício e do fim da linha. Romantizando o fracasso, toda a sua obra é o inverso do american dream.

Com isto, a verdade é que conseguiu a proeza de ser traduzido, tornando-se num dos autores mais lidos do mundo, sem que tenha solidez que o justifique. Não que o tenha feito em bicos de pés, verdade seja dita. Bukowski é antes o fenómeno da coisa mediana em que toda a gente mete a mão. Veio depois de Hemingway e Fante e não deu mais do que nenhum deles, nem mais para lá de algum deles. Falta-lhe o brilho, a graça e a originalidade. Repete-se na prosa e o que traz à poesia não se distancia nem em temas nem em problemas nem em estética. Ainda assim, a sua escrita tem vantagens, nas quais se destacam as frases rápidas, diretas ao assunto, sem floreados, evitando-se o voo de linguagem da metáfora constante que tanto pulula a prosa e a poesia. E a escrita sem pó de arroz tem sempre a grande vantagem de trazer sinceridade.