“Vale e Vilarinho: venceu o insulto”. Era desta forma que o jornal Record, numa peça em que sintetizava as análises de diferentes meios de comunicação, resumia em 2000 o debate na RTP entre João Vale e Azevedo e Manuel Vilarinho na antecâmara de um dos atos mais concorridos (e polémicos) de sempre do Benfica. Esta noite, 21 anos depois, voltou a haver um choque de ideias com alguma crispação à mistura mas no canal do próprio clube, com tempos contados (ainda que com uma diferença superior a sete minutos no final) entre Rui Costa e Francisco Benítez e um registo diferente. Ainda assim, com momentos mais acesos.

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Entre a vontade comum entre os dois candidatos às eleições de sábado de reconquista da hegemonia no futebol e nas modalidades, maiores fontes de receitas, aposta na formação ou engrandecimento das Casas do clube, entre outros pontos, as divergências começaram na auditoria que já arrancou e acabaram no período final em que ambos faziam questões ao seu adversário, passando ainda pela perspetiva do melhor caminho para chegar ao sucesso no futebol, o Regulamento Eleitoral e a venda de João Félix.

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A auditoria que já começou e o “pormenor” de Vieira não é bem assim

“Estamos aqui porque o antigo presidente foi preso”. Foi este o mote de arranque de Francisco Benítez no início de um debate que teve como primeiro ponte de discórdia uma auditoria forense que Rui Costa disse já ter começado e que o seu adversário mostrou estupefação pela notícia porque nada nesse sentido tinha sido divulgado. “O Benfica não foi acusado de nada. Luís Filipe Vieira saiu por questões pessoais e não por questões do Benfica. Quanto aos outros dois elementos, até à presunção da inocência toda a gente tem a possibilidade de se defender e ninguém foi acusado de nada”, respondeu Rui Costa, quando se falou nos nomes de Domingo Soares de Oliveira e Miguel Moreira, outros dois administradores da SAD.

Curiosamente, houve um ponto referido por Rui Costa e “esquecido” por Franciso Benítez na argumentação que foi tendo que podia merecer outras interpretações: a partir do momento em que uma das acusações a Luís Filipe Vieira no âmbito do processo Cartão Vermelho é um alegado desvio de 2,5 milhões de euros da SAD encarnada através de um esquema com o empresário Bruno Macedo envolvendo as transferências de três jogadores, o ex-presidente surge visado por questões relacionadas com o Benfica.

A Comissão sem nomes, os prémios na SAD e um tal de “plano estratégico”

Francisco Benítez apresentou um modelo diferente de SAD, que conceba a presença de mais duas ou três pessoas “que percebam de futebol” e que sejam benfiquistas, de novo visando Domingos Soares de Oliveira, alterando também os prémios que serão apenas distribuídos caso existam resultados desportivos e também financeiros no final do exercício. “Mas quem?”, perguntou Rui Costa. Benítez não apresentou nenhum dos nomes que terá em mente. “Então vai dar os nomes a 11 de outubro, depois das eleições? Está a pedir às pessoas que lhe passem um cheque em branco…”, atirou o líder interino, acusado de gerir sozinho por entender que o atual modelo da sociedade é correto “porque o futebol deve ser um mundo restrito”.

Rui Costa mostrou-se sempre mais à vontade na questão do futebol, falada em mais do que uma ocasião. Francisco Benítez falou sempre de um “plano estratégico” que identificasse até “um perfil de jogo que fosse versátil”, levando o antigo jogador a perguntar ao adversário se também iria treinar a equipa. “Não é verdade que não exista uma estratégia desportiva, se fosse verdade não se tinham conquistado cinco Campeonatos em oito anos. “Mas é porque não tenho papéis que não tenho estratégia? Porque não preciso estar a ler papéis”, reforçou mais tarde Rui Costa, valorizando a atual estrutura que foi criada no futebol profissional e que, pelo que se percebeu nas entrelinhas, vai continuar sem qualquer mexida.

Um regulamento eleitoral que foi conversado por um e obrigado por outro

O facto de haver um debate entre dois candidatos à liderança do Benfica na BTV foi uma novidade, o facto de haver um Regulamento Eleitoral (com 39 pontos) para este sufrágio foi também uma novidade. Ainda assim, aquilo que parecia ser algo pacífico transformou-se em mais um motivo de choque entre os dois candidatos, o que levou Rui Costa quase entre dentes a comentar a Assembleia Geral Extraordinária em que foram discutidos esses pontos do Regulamento e as cinco horas em que ouviu Benítez nas bancadas.

“Não foi só o movimento Servir o Benfica que teve mão no processo, aceitei aquilo que fosse melhor para o clube para que a partir de dia 9 não se passe o que se passou nas últimas eleições. Colaborei com tudo com plena consciência daquilo que é isto que se deve fazer, também concordei. Vai haver eleições de uma forma democrática com o Regulamento Eleitoral que foi feito por ambas as partes e consensual”, defendeu Rui Costa. “Retirar mérito ao Servir o Benfica não me parece bem, nem aos sócios que foram à Assembleia. Tem de perceber que foi obrigado, sabe bem o que se passou. O Regulamento não foi ratificado porque um vice da Mesa foi dizer para acabar. Foi uma abertura forçada, não genuína”, apontou Benítez.

Formar para ganhar, a vontade dos jogadores e o exemplo de João Félix

A forma como os dois candidatos olharam para a formação teve o ponto comum de ser o futuro mas uma divergência quase semântica que tem a ver com a capacidade de reter esses talentos no clube para ganhar e não apenas para vender. “É fácil dizer que os jogadores saem mas não ficam no Benfica para dar títulos. Temos muitos campeões nacionais saídos da formação. É preciso perceber as transferências, vai muito além do dinheiro que entra nas contas. Tem a ver com a decisão dos jogadores e com o mercado nacional. Muitas vezes, não querem ficar cá”, admitiu Rui Costa. “O Benfica devia preocupar-se em desenvolver o Campeonato, para manter os seus jogadores mais tempo. Mas não disse a verdade 100%: se só quisessem ganhar dinheiro, iam para a Ásia ou Médio Oriente. Querem é melhores ligas e se o Benfica estiver nos oitavos da Champions e for vitorioso eles já não querem sair”, retorquiu Francisco Benítez.

A saída de João Félix tornou-se depois o principal ponto de discórdia. “Assim que deu nas vistas enviaram emissários a todos os clubes a ver quando vendiam. Andava Vieira em Itália a dizer que ele ia ser o próximo Ronaldo. Depois em julho diz que não queria vender. Na prática, assim que um jogador começa a dar nas vistas, todos os intermediários começam a bater nas portas para vender. Se não fosse, tínhamos mantido alguns jogadores” ,disse Benítez.”Acredita que para vendê-lo tínhamos de bater à porta de alguém? Está a desprezar o valor do João Félix? Deu o pior exemplo de todos. Está a falar de uma venda de 120 milhões de euros e está a contestá-la? Acha que um clube em Portugal pode não fazer uma venda de 120 milhões de euros? Vendemos o jogador e provocámos essa venda? Foi o pior exemplo”, respondeu Rui Costa.

O tema FootLab e um possível regresso antecipado à Luz (ainda como jogador)

A fase final do debate foi feita com perguntas dos candidatos entre si e foi também nesse momento que Rui Costa engrossou o discurso em dois momentos: quando Francisco Benítez apontou que poderia ter voltado mais cedo ao Benfica e quando questionou a eventual parceria entre o clube e a FootLab.

“Como podia ter voltado antes? Sabe por que regressou o Nuno Gomes? Porque rescindiu, a Fiorentina entrou em falência. O Benfica tinha 45 milhões em 2000 para me contratar? Se tivesse, tinha vindo mais cedo. A questão não fui eu, foi o meu valor, que felizmente consegui alguma coisa na vida. Fui da Fiorentina para o AC Milan com 29 anos por 43 milhões de euros. O Benfica estava em condições de me contratar?”, salientou. “Eu não sou nem a FootLab é parceira do Benfica. A única vez que alguma coisa do Benfica entrou no FootLab foram os campos de férias do Benfica a preços mínimos. Está a confundir isso com uma escola de Linda-a-Velha que paga ao Benfica para lá ir treinar. Se quiser ponho aqui contratos de administrador com prémios de campeão que nunca recebi por opção própria. Não ia agora sujar as minhas mãos ou enganar o meu clube com comissões ou alugueres de campo de 60 euros… Não estrago a relação com o clube por nada, muito menos por uma parceria de 200 ou 300 euros”, acrescentou.