Era o Grande Prémio mais aguardado do ano. Provavelmente, da última década. Sendo um pouco mais abrangente, deste século. Porque mesmo que os protagonistas não tenham o carisma, os seguidores e as equipas que outrora colocaram a Fórmula 1 no pico dos seguidores do fenómeno desportivo, este era o fim de semana em que, na última prova, se decidia um título com dois pilotos empatados com o mesmo número de pontos no calendário mais longo de sempre. Agora que tanto se fala da modalidade também à luz do que é o “Drive to Survive” da Netflix, que mostra os bastidores de cada temporada da F1, melhor argumento era impossível. E até os treinos livres tiveram um acompanhamento “especial”. Seguia-se a qualificação. 

Lewis Hamilton foi o mais rápido nos treinos livres em Abu Dhabi

De novo uma mudança atrás para contextualizar o que se passou no primeiro dia em Abu Dhabi, que no fundo deixava os primeiros sinais do que se poderia passar entre sábado e domingo: apesar de todo o ruído criado por uma possível alteração do motor pela Mercedes, com o impacto que isso teria depois a nível de perda de posições nos arranques, Lewis Hamilton dominara por completo a segunda sessão de treinos livres depois de Max Verstappen ter sido o mais rápido na primeira e conseguiu um perigoso fosso para a Red Bull de seis décimas de segundo, reduzido para pouco mais de duas na manhã deste sábado. Com pneus macios, o britânico andou como o neerlandês não conseguiu nem com médios nem com macios.

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Apenas por uma vez houve um cenário na Fórmula 1 em que dois pilotos chegavam empatados à derradeira corrida, em 1974, com Emerson Fittipaldi (McLaren) e Clay Regazzoni (Ferrari) na luta por um título que caiu para o brasileiro, na altura o segundo, com um quarto lugar na corrida dos EUA contra a 11.ª posição do suíço. Mas houve também o Mundial de 1984, decidido por meio ponto entre Niki Lauda e Alan Prost. E aquele Mundial de 1964 em que John Surtees recuperou na última corrida uma desvantagem que parecia comprometedora e ficar um ponto à frente de Graham Hill. E aquele ano de 1994, quando Michael Schumacher ganhou a Damon Hill por um ponto depois do choque entre ambos na última corrida. Tudo entre as lutas mais recentes com Hamilton e Vettel e outras mais antigas como as de Lauda e James Hunt.

Em todas estas decisões, houve um sem número de variáveis que no final acabaram por fazer a diferença, algumas quase surreais como a que tirou o título a Niki Lauda no Japão em 1976. Em Abu Dhabi, e vendo só a realidade em Abu Dhabi, a qualificação poderia ter um peso grande na corrida olhando para o que se passara nos últimos seis anos: quem conseguiu a pole position ganhou a corrida, entre três triunfos de Hamilton, um de Verstappen, um de Bottas e um de Nico Rosberg. E havia ainda um outro dado: se a Red Bull dominou durante alguns anos no traçado com Vettel, a Mercedes passou depois a dominar e só mesmo Max Verstappen conseguiu quebrar uma série de seis triunfos seguidos da equipa britânica.

A Q1 manteve o filme dos treinos livres, com uma pequena surpresa conseguida por Verstappen que, sendo mais lento no primeiro setor, conseguiu depois ir buscar o segundo lugar de Bottas a apenas 56 milésimos de Hamilton, o mais rápido com 1.23,266. Tudo dentro da normalidade, a não ser um cone que sofreu um toque de Mick Schumacher e que depois podia ter afetado o próprio carro de Lando Norris, quarto mais rápido em pista nessa fase que teve “sorte” pela forma como o objeto entrou por baixo do carro e saiu de lado sem ter provocado de forma aparente qualquer dano. Nesse hiato, apareceu a bandeira vermelha que tantas vezes surgiu no Grande Prémio da Arábia Saudita no fim de semana passado. De forma natural, foram cortados os dois Williams de Latifi e George Russell, o Alfa Romeo de Kimi Räikkönen (que faz a última corrida na Fórmula 1) e os Haas de Mick Schumacher e Mazepin.

A única mudança de relevo na frente foi o posicionamento de Bottas entre Hamilton e Verstappen ainda na Q1, o que abria ainda mais a luta mas com Hamilton a cravar uma distância de quase meio segundo em relação ao neerlandês, fazendo sobretudo a diferença no segundo setor (0,255 de diferença). Mas emoção era mesmo a palavra guardada para este fim de semana, com o Q2 a começar com uma diferença de apenas quatro milésimos de segundo (1.23,185-1.23,189) numa altura em que se soube que a Red Bull teve de resolver um problema de última hora no carro de Verstappen. “A asa traseira tinha um problema. Os carros estão cansados, em fim de vida. Algumas partes já têm dois anos. Não seria correto deixar as coisas como estavam, por precaução mudámos”, explicou à Sky Sports o diretor da equipa, Chris Horner.

Foi nessa fase também que entrou em cena a às vezes esquecida Ferrari, com Leclerc a ficar apenas a 17 milésimos de Hamilton e Carlos Sainz a saltar para a frente da qualificação na Q2, com 1.23,174. Ou seja, contas feitas, os cinco primeiros estavam separados por menos de uma décima e só não eram seis porque o carro de Sergio Pérez continuava sem responder da melhor forma (mais de meio segundo do espanhol). Lewis Hamilton ainda subiu de novo à primeira posição mas as surpresas não ficariam por aqui e seria mesmo Pérez, qual Fénix renascida, a ganhar o primeiro lugar antes de ser superado por Verstappen numa nova estratégia onde iria partir agora de macios. Ricciardo conseguiu deixar Fernando Alonso fora da Q3, além do AlphaTauri de Gasly, dos Aston Martins de Stroll e Vettel e o Alfa Romeo de Giovinazzi.

Verstappen começou por colocar a fasquia em 1.22,109, sem resposta de Hamilton que ficou a cerca de meio segundo. A cara de Toto Wolff mudava e a Mercedes tinha de fazer algo e rapidamente até porque o próprio Pérez ainda se poderia colocar no meio da luta num cenário 1-2 da Red Bull. Não aconteceu mas a equipa britânica não só viu Hamilton ficar a grande distância do neerlandês como ficou com Bottas na terceira linha da grelha, ultrapassado por Lando Norris, Pérez e Sainz. Quando tudo parecia apontar para um domínio da Mercedes na corrida decisiva, a Red Bull ganhou na estratégia, colocou Verstappen na frente e ficou no ar aquela frase de Mark Twain sobre as notícias de uma morte que eram manifestamente exageradas. E, recorde-se, nos últimos seis anos quem ficou com a pole position ganhou a corrida…