O ex-primeiro-ministro e candidato à liderança da Fretilin, maior partido timorense, Rui Araújo, rejeitou hoje que seja demasiado próximo ou “subserviente” ao líder histórico Xanana Gusmão, argumentando que isso ficou provado durante a sua governação.

“Num país democrático e multipartidário é preciso abrir-se as portas para o diálogo e não manter a distância. Pelo facto de uma pessoa falar com outra, não significa que se é subserviente a ela”, afirmou, em entrevista à Lusa.

“Num contexto político pluripartidário é preciso sempre haver diálogo. Se fosse subserviente, a governação do VI Governo não daria o resultado em que a Fretilin ganharia as eleições de 2017”, considerou.

Rui Araújo foi primeiro-ministro no VI Governo, onde a força maioritária é o Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT) e ao qual a Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin) ’emprestou’ vários membros.

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Em 2017, a Fretilin acabou por vencer as legislativas.

“Acho que as pessoas viram que nesse período de dois anos e meio, que alguma coisa se fez diferente do que tinha sido a governação puramente CNRT”, sustentou.

Já sobre a participação do seu partido no atual Governo, liderado por Taur Matan Ruak, do Partido Libertação Popular (PLP), Araújo aponta maiores problemas para a Fretilin, especialmente entre os seus apoiantes.

“Penso que houve questões positivas, mas também negativas. Para a imagem do partido talvez tenha sido mais negativo, mas para a população, o facto da Fretilin ter entrado, estabilizou a governação e não houve mais crise”, argumentou.

“Porém a governação também teve os seus problemas, a prestação de serviços não retomou o ritmo, a dinâmica interna não produziu o que se esperava, talvez por se balcanizar um pouco o Governo e devido as diferenças internas que empatam a implementação”, sublinhou.

A estabilidade política ganhou “ajudando a acalmar os ânimos”, mas no que toca à imagem partidária “há essa impressão de que alguns parceiros da coligação beneficiaram-se mais que outros” e, para a população, “a impressão que a Fretilin entrou, mas também não conseguiu fazer muita coisa”.

Araújo referiu-se igualmente ao estilo de gestão do primeiro-ministro — com quem trabalhou mais de perto quando estava na Sala de Situação do Centro Integrado de Gestão de Crise (CIGC), de resposta à covid-19 — que disse ser “mais do ‘laisser faire’, deixar as pessoas trabalhar e depois exigir responsabilidade”.

“O general Taur Matan Ruak tem um estilo de dar confiança, responsabilidade, deixar trabalhar e depois exige contas. Isso, naturalmente, tem pontos positivos e negativos. Penso que devia ter dado mais a cara”, considerou.

O ex-governante traçou ainda comparações entre os aspetos da legalidade e da legitimidade que têm levado o CNRT, na oposição, a questionar quer a atual mesa do Parlamento, quer o Governo.

Questionado sobre se considera legítimos a atual mesa do parlamento — liderada pela Fretilin — e o Governo, Rui Araújo diz que, “legalmente sim, porque o Tribunal de Recurso se pronunciou” confirmando não haver ilegalidade.

“Mas há aqui duas coisas, legalidade e legitimidade. O Tribunal de Recurso pronunciou-se pela legalidade, mas politicamente há pessoas que dizem que não há legitimidade”, disse.

Recordou que o CNRT, PLP e KHUNTO se apresentaram ao eleitorado com uma aliança pré-eleitoral, e isso foi isso que foi votado com maioria absoluta, e que o facto de a coligação se ter dissolvido e terem sido formadas novas parcerias, implica que “a partir daí a legitimidade eleitoral ficou perdida”.

Sobre o facto de o atual chefe de Estado ter deixado na gaveta durante um longo período um pedido de demissão do atual chefe do Governo, nessa altura da crise política, Araújo disse que são precisos mais dados para avaliar adequadamente.

Ainda que isso “politicamente não seja um bom precedente para o país”, considera que “um dos fatores que determinou a decisão do Presidente foi a questão da pandemia”.

“Realmente o país estaria com enormes dificuldades de enfrentar a pandemia num período em que não houvesse Governo. Nessa perspetivam talvez o Presidente tenha razão”, afirmou.

Ciclo eleitoral em Timor-Leste deve servir para “mudança de rumo” e caras novas

Rui Araújo defendeu que o próximo ciclo eleitoral em Timor-Leste deve servir para uma mudança de rumo, depois de 20 anos de governação da “geração de 75”, com “caras novas” que impulsionem o desenvolvimento nacional.

“O país está num momento em que é preciso haver uma mudança de rumo. Depois de 20 anos o país vai ter que seriamente decidir sobre qual rumo o país deve tomar”, disse Rui Araújo, candidato à liderança da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin) em entrevista à Lusa.

“Durante os últimos 20 anos houve várias crises políticas, o processo de desenvolvimento deu o que deu, já gastámos cerca de 16 mil milhões de dólares em 20 anos. É bastante. Conseguiu-se muita coisa, mas devia ter-se feito muito mais”, insistiu.

Ainda assim, considerou que as próximas eleições continuarão a ser marcadas pelo combate entre dois líderes históricos, Mari Alkatiri, secretário-geral da Fretilin, o seu partido, e Xanana Gusmão, presidente do Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT).

“O resultado das próximas eleições ainda vai refletir isso. Eu uso sempre a metáfora da luta do galo em Timor: nas próximas eleições, serão duas as pessoas que apostam mais, Xanana Gusmão e Mari Alkatiri. E nesta minha metáfora eles escolhem os galos”, considerou.

Antecipa-se que Timor-Leste possa ter o maior número de candidatos de sempre nas presidenciais de 19 de março, com as legislativas previstas para 2023.

No leque de candidatos estão o atual presidente, Francisco Guterres Lú-Olo, apoiado por Alkatiri, e, previsivelmente, José Ramos-Horta, apoiado por Xanana Gusmão, além do comandante demissionário das Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL), Lere Anan Timur, também da Fretilin, e de Mariano Sabino, do Partido Democrático (PD).

Sem querer declarar apoio a qualquer candidato presidencial, insistindo que é necessário “ouvir mais sobre os seus planos e objetivos”, Rui Araújo considera “ilusório” pensar que o facto de haver mais que um candidato do seu partido, a Fretilin, representa divisões internas.

“Isto da Fretilin estar dividida talvez seja ilusório, porque no fundo os dois candidatos são independentes. Pelo facto de haver essa mensagem do secretário-geral, não significa que os militantes irão votar nesse sentido”, considerou.

“Independentemente de serem ou não membros do partido, apresentam-se ao eleitorado como independentes e o que conta não é apenas o voto do militante, é o voto do cidadão”, disse, considerando que é “preciso ainda mais ouvir as candidaturas e as ideias” de ambos.

Sem declarar qual dos dois membros do partido apoia, ou se apoia outro candidato, considerou que Lú-Olo “deu o que deu ao país e foi um Presidente para o período que passou no impasse político”, sendo que “para o futuro seria preciso mais abertura, mais diálogo, mais dinamismo na Presidência para apoiar o Governo nas ações de governação”.

Rui Araújo faz parte da geração ‘que se segue’, líderes que cresceram na luta contra a ocupação indonésia, mas mais distantes dos conflitos políticos internos do movimento da independência, outrora definida como a “geração perdida” e que hoje, 20 anos depois da restauração, é a “geração à espera”.

“Tem a ver com a forma como a sociedade timorense funciona. É uma sociedade hierárquica com um respeito quase religioso aos mais velhos e isto tem a ver com a tradição das casas sagradas. Mas tecnicamente e profissionalmente, a geração seguinte está preparada para assumir as responsabilidades”, considerou.

“Está na altura de agarrarmos as rédeas e a nossa geração está a trabalhar nisso. há pessoas das gerações seguintes à de 1975 que estão a trabalhar, a afirmar-se politicamente na sociedade. mas estamos num país democrático e é o voto que decide”, acrescentou o ex-governante.

Daí que considere que haver novos candidatos, especialmente mais jovens, seja um “bom sinal”, demonstrativo de que “há mais pessoas convencidas que chegou o tempo de haver novas caras no cenário político do país”.

E ainda que os líderes históricos possam optar por fazer uma sucessão, ‘escolhendo’ os seguintes, Araújo considera que as gerações seguintes é que se devem afirmar.

“Se os mais velhos quiserem fazer essa escolha de sucessão é uma opção deles, mas os da geração seguinte devem estar conscientes de que em Timor-Leste, apesar das características tradicionais da sociedade, os hábitos modernos da democracia devem impulsionar os mais jovens, as gerações seguintes a demonstrar que são capazes e avançar”, sublinhou.

Um ano depois de ter anunciado, em entrevista à Lusa, a intenção de desafiar Alkatiri na liderança da Fretilin, Rui Araújo amplia a necessidade de mudança ao seu partido, considerando que essa consciência é hoje maior do que nunca.

“O eleitorado dentro da Fretilin está consciente de que estamos num momento de mudanças, em que o partido vai precisar de novas ideias, novo sangue e novos rostos para avançar com o partido para a frente”, considerou.

“Comparativamente há um ano, as pessoas estão mais conscientes disso e esperemos que a oportunidade surja para os militantes se afirmarem também nesse sentido”, disse, referindo-se às diretas no partido previstas para meados de 2022 e garantindo que o seu proposta de candidatura com José Somotxo a presidente do partido “continua firme”.