A “Mona Lisa”, de Leonardo Da Vinci, há muito que hipnotiza os investigadores que procuram desvendar os segredos daquele que é considerado um dos quadros mais enigmáticos de sempre. Agora, uma nova investigação vem agora trazer mais dados para compreender a pintura, mas desta vez a questão que se coloca não é sobre o rosto retratado. As montanhas irregulares e o lago enevoado, a ponte e a estrada sinuosa são também alvo de análise e discussão. Afinal, em que se baseou Da Vinci para pintar a paisagem por trás de Gioconda?

Ao longo dos anos surgiram várias hipóteses sobre a origem da inspiração de Da Vinci: alguns autores acreditam que só poderá ter surgido da criatividade do pintor; outros, porém, creem que as características e detalhes pintados só são possíveis porque foram inspirados num local real.

Um estudo publicado no mês passado por uma equipa de paleontólogos veio dar força à teoria da investigadora Carla Glori, segundo a qual a zona por trás de Gioconda não é o interior da região italiana de Toscana, onde o pintor nasceu, mas sim a pequena cidade de Bobbio.

Leonardo Da Vinci tem sido o objeto de estudo de Glori há 30 anos. Em 2011, a autora já tinha apresentado a sua teoria, onde sugeria que o quadro teve por base a localidade de cerca de 3500 habitantes, na região de Emilia Romagna, no norte da Itália. A vista corresponderia à paisagem que se pode observar desde o castelo Malaspina Dal Verme, construído a partir de 1304. A crítica de arte baseava a sua hipótese em dois aspetos: a ponte que se pode observar por trás do ombro de Gioconda, que diz assemelhar-se a uma ponte medieval de Bobbio, e a estrada que contorna a zona montanhosa da região. Mas as evidências científicas recentemente descobertas dão um contributo essencial à sua hipótese.

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“Escrevi em 2011 que aquela área se revestia de um grande interesse geológico para Leonardo, mas a recente descoberta publicada pela Rips (Rivista Italiana di Paleontologia e Stratigrafia), uma revista de geologia reputada mundialmente, tem valor científico absoluto”, explicou a investigadora ao jornal espanhol ABC.

O estudo foi desenvolvido por uma equipa de cientistas liderados por Andrea Baucon, da Universidade de Gênova, e Gerolamo Lo Russo, do Museu de História Natural de Piacenza. Os autores confirmaram que Pierfrancesco di Gropparello, nos Apeninos Piacenza, é o laboratório paleontológico de Leonardo Da Vinci, provando assim que o cientista esteve de facto naquela região. A descoberta foi feita através da comparação dos icnofósseis – vestígios fósseis do movimento e atividade de seres vivos – dessa região com o estudo desenvolvido por Da Vinci, que ficou registado no seu Codex Leicester. Glori recebeu a confirmação dos paleontólogos, que a informaram de que os icnofósseis de Pierfrancesco são encontrados em Bobbio. Segundo a autora estariam a uma distância facilmente acessível a Da Vinci — cerca de seis quilómetros — se fosse de burro.

O rio Trebbia, as colinas do Val Tidone e a montanha conhecida como Pietra Parcellara assemelham-se, segundo Glori, ao cenário composto por Da Vinci, entre 1503 e 1506. A investigadora avança também que a Ponte Gobbo, de 273 metros de comprimento, corresponderia à ponte que se avista no quadro.

Além das semelhanças visuais, Carla Glori lembra que na sua pesquisa descobriu que Da Vinci cultivava Malvasia — uma uva típica de Val Tidone — na sua vinha, em Milão. A autora considera provável que Leonardo a tivesse obtido durante as suas viagens, uma vez que no século XVI o transporte de mercadorias não era fácil.

As provas recolhidas levam Glori a outra conclusão importante: a mulher na pintura não seria a florentina Lisa del Giocondo, esposa de Francesco del Giocondo, mas antes Bianca Giovanna Sforza, mulher de Galeazzo Sanseverino e filha de Ludovico il Moro, Duque de Milão e nobre que detinha o poder da região de Bobbio.

“Tenho certeza que aquela a que chamamos Mona Lisa ou Gioconda era na verdade Bianca Giovanna Sforza, filha mais velha de Ludovico il Moro e esposa de Galeazzo Sanseverino, grande amigo e patrono de Leonardo da Vinci”, refere Glori em entrevista ao Corriere de Bologna.

A identificação de Bianca como o rosto pintado por Da Vinci foi um dos aspetos que mais críticas valeu à autora quando apresentou a sua proposta, em 2011. Alguns investigadores lembram que Bianca Giovanna Sforza morreu com apenas 13 anos, enquanto que a mulher da obra parece mais velha, mas Glori afasta essa questão. Ao jornal italiano, a investigadora lembra o estudo de Pascal Cotte, que, ao realizar exames na Mona Lisa, descobriu que sob a figura havia outra mais jovem.

“Sempre pensei que o que vemos não é o rosto real de Bianca Giovanna Sforza, mas sim um rosto modificado, envelhecido. Provavelmente porque a pintura seria um presente de Leonardo, talvez um presente de casamento, mas quando a situação da jovem piorou, foi adaptando a figura”, explicou.