O presidente do Conselho de Administração da RTP afirmou, esta terça-feira, que “provavelmente” a empresa “vai ter prejuízos” este ano, sublinhando que os encargos “têm vindo a crescer”, mas garantiu que o grupo público “não está à beira do cataclismo”.

Nicolau Santos falava na comissão parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto.

Os constrangimentos orçamentais da RTP para cumprir o Serviço Público de rádio e televisão, tal como está explanado no Contrato de Concessão, mas também muito para lá daquilo que fazemos”, alteraram-se “significativamente em 2022 e vai levantar problemas em termos resultados no final deste ano”, alertou Nicolau Santos.

Em primeiro lugar, assiste-se a “um aumento brutal dos custos de energia, subiram três milhões de euros, acima do que estava previsto, ou seja, três vezes mais do que inicialmente tínhamos orçamentado”, apontou. Em segundo, a guerra da Ucrânia, em que as “diversas equipas de rádio e de televisão estão presentes” no país “têm obviamente de ser apoiadas financeiramente pela RTP e a situação, como calculam, é de enorme custo”, disse.

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Isto porque, as instalações hoteleiras “levam muito dinheiro, as viagens, tudo isto numa situação de guerra é bastante mais caro e obviamente que não tínhamos contemplado no orçamento deste ano uma guerra” na Ucrânia, prosseguiu.

Outro constrangimento são os fornecedores de tecnologia, que “estão a mudar os preços a dois dígitos” e “são brutais os investimentos”, salientou, dando o exemplo que a RTP tem quatro carros de exteriores, que cobrem os grandes eventos fora de portas.

“Cada carro de exterior custa sete milhões de euros”, sendo que neste momento dois têm tecnologia “antiquada”, já que só dois estão em HD (alta definição).

“Precisávamos de ter mais, mas temos que pensar seriamente se neste momento vamos fazer um investimento de sete milhões de euros para comprar um novo carro de exteriores”, referiu.

Além disto tudo, “temos algo que não acontece desde 2014 na RTP”, que são aumentos salariais. Este ano vai haver aumentos salariais, “também por aqui teremos um novo encargo”.

Portanto, esta situação “vai obrigar a RTP a fazer escolhas difíceis nos próximos anos se não houver alterações ao seu financiamento”, alertou.

Apesar do quadro geral, “provavelmente a RTP, depois de muitos anos, vai ter prejuízos” face a estas situações que são “absolutamente surpreendentes”, pois “não contávamos com elas”, mas “são uma tendência de fundo”.

Nicolau Santos disse que está a trabalhar para “minimizar ao máximo esses resultados negativos”.

O gestor recordou ainda o que se está a passar com a BBC.

A BBC anunciou uma profunda reestruturação”, que vai contemplar o encerramento de dois canais lineares, negociação para a saída de cerca de 1.000 colaboradores, e vai “apostar ainda mais no ‘streaming’ e no digital. Esta é uma aposta que está a ser feito por vários serviços públicos de rádio e televisão europeus, é uma aposta que tem seguramente custos pessoais, custos orçamentais, mas é um caminho que aparentemente é o correto e que devemos trilhar para conseguir contemplar públicos que hoje em dia” não vê e nem ouve televisão e rádio nos modos tradicionais, mas noutras plataformas, prosseguiu.

“E nós precisamos de apostar aí”, salientou, defendendo a necessidade de discutir e focar a estratégia de Serviço Público para o futuro.

Na sua intervenção, Nicolau Santos fez uma “pequena digressão” sobre aspetos que considerou importantes como o facto da RTP apoiar a produção independente de filmes, séries e documentários com 15 milhões de euros todos os anos, tendo sido no ano passado 18 milhões.

Isto garante “o emprego a milhares de pessoas, empregos que teriam desaparecido durante a pandemia se não fosse a RTP”, sublinhou.

“Nenhum operador privado tem este nível de comprometimento com a produção independente, depois a RTP contribuir decisivamente para o conhecimento do país e para a sua coesão social e cultural”, apontou, como também dá apoio aos artistas nacionais e aos eventos culturais e é a estação “dos grandes eventos nacionais”, elencou.

“A RTP tem neste momento um problema de contratação de profissionais. Como sabem houve uma regularização de trabalhadores considerados precários, pelo qual 250 pessoas entraram na RTP nos últimos anos”, disse o gestor.

“A massa salarial da RTP por essa via cresceu 10 milhões de euros, isto são encargos muito grandes, ao mesmo tempo que se manteve a contribuição do audiovisual, que está congelada desde 2016, e as nossas limitações em termos de captação comercial, como sabem, estão limitadas aos seis minutos por hora”, prosseguiu.

Ou seja, “os encargos têm vindo a crescer claramente e a maneira de resolver isso tem sido ir à grelha e fazer menos do que aquilo que estávamos a fazer, portanto este é um caminho que não vai levar a um bom fim se não tomarmos opções estratégicas, decidir exatamente o que queremos fazer e, nesse aspeto, nós vamos olhando para aquilo que hoje dia oferecemos para lá do Contrato de Concessão […] e consideramos que eventualmente há coisas que vamos deixar de fazer se efetivamente não houver um outro modo de financiamento e novas receitas“, argumentou.

Nicolau Santos disse andar à procura de novas receitas e o Contrato de Concessão “será muito importante” no sentido de encontrar a possibilidade de “monetizar” algumas áreas da empresa e dos serviços disponibilizados.

O presidente da RTP salientou que este momento deve servir para “abrir uma grande discussão sobre o que deve ser o Serviço Público de rádio e televisão em Portugal”.

“O que é que queremos, o que é que o país entende que futuro a televisão e a rádio pública devem ter em Portugal, se isso contribui efetivamente para a qualidade da nossa democracia e da nossa sociedade, ou não, se os privados podem fazer aquilo que a RTP faz e que eles hoje em dia não fazem, mas esse é efetivamente o debate que penso que está na ordem do dia”, defendeu o gestor e jornalista.

“Até lá, estaremos seguramente à frente da RTP tentando fazer o melhor pela empresa e definir caminhos como aqueles que temos em cima da mesa e que estarão plasmados na proposta do Contrato de Concessão que vamos entregar ao ministro” da Cultura, concluiu.