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"Crepúsculo": viver e beber em Acapulco

Este artigo tem mais de 1 ano

Até onde podemos estar enganados sobre aquilo que vemos? Michel Franco faz um ótimo exercício com o espectador. Nada é o que parece, mas a decisão é sempre do espectador. Uma delícia em estreia.

Tim Roth é um dos protagonistas de "Crepúsculo", em conjunto com Charlotte Gainsbourg
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Tim Roth é um dos protagonistas de "Crepúsculo", em conjunto com Charlotte Gainsbourg

Tim Roth é um dos protagonistas de "Crepúsculo", em conjunto com Charlotte Gainsbourg

Tanto no cinema como na televisão, a duração das obras tem esticado como justificação do preço que o consumidor paga, à mistura com o desejo de reter a informação durante mais tempo. É, por isso, que nas últimas décadas se tem tornado tão pouco usual ver um blockbuster com menos de duas horas e, no caso das séries, o streaming e o desbloqueamento da necessidade dos episódios terem certa duração por compromissos comerciais, a duração tornou-se uma roleta russa. O caso gritante – e mais recente – é a duração dos episódios da última temporada de “Stranger Things”. Pode-se justificar que uma obra dura o que tem durar – tudo certo – mas é notório que o nosso tempo, para a indústria, vale ouro. E tornou-se importante “estarmos lá” e não noutro lado qualquer. Talvez por isso, hoje mais do que nunca, a experiência de um filme como “Crepúsculo” saiba tão bem.

Apesar disto ter começado com a questão da duração, não é por aí que o mais recente filme de Michel Franco – autor de “Nova Ordem” e “After Lucia”, ambos bastante recomendáveis – merece ser visto. Ou seja, o filme não é melhor por durar 82 minutos. Vale pelo que faz com esses 82 minutos. É verdade agora como seria há trinta, quarenta, sessenta anos. Só que atualmente é inevitável pensar no uso do nosso tempo quando tanto dele é usado a ver episódios de séries com mais de cinquenta minutos onde pouco acontece além do ocupar o nosso tempo. E depois surgem filmes como “Crepúsculo”, em que o constante empurrão para a incerteza nos deixa inquietos, incomodados, a odiar e ou a desculpar personagens num ápice.

[o trailer de “Crepúsculo”:]

O segredo da obra do realizador mexicano é nunca dizer para onde vai. Ou melhor, toda a história avança com ideias para onde está a ir, brinca à larga com as suposições e preconceitos do espectador e obriga ao julgamento das personagens, pede que se moralize até às últimas consequências para se ser surpreendido no minuto a seguir. Isto acontece sem vontade de enganar, o que funciona como virtude. Franco não quer que quem está deste lado se sinta maravilhado pelos artifícios, ultrajado pela forma como joga com as suposições ou até culpado por julgar comportamentos e estar completamente enganado.

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Neil (Tim Roth) e Alice (Charlotte Gainsbourg) estão de férias num resort em Acapulco. Não se pensa nisto na altura, mas os primeiros minutos são uma maravilha a construir todas as relações que existem entre as personagens que ali estão presentes. A cumplicidade de todos nas férias, a alucinante calma proporcionada pelo sol, água e cocktails, apenas perturbada num único momento pela ideia de que Alice volta e meia liga-se ao trabalho. O tremor acontece, pois, com um telefonema: Alice é informada de que a mãe está a ir para o hospital. Saem todos imediatamente do resort e vão para o aeroporto. No caminho, recebem a informação de que a senhora morreu. Ao chegar ao aeroporto, Neil apercebe-se de que se esqueceu do passaporte. A família parte sem ele. A forma como acontece não deixa dúvidas: ele está a mentir. Isto tudo acontece, em cerca de cinco minutos.

Eis, então, a história de “Crepúsculo”, a de um homem que abandona a família e prossegue a vida em Acapulco com mentiras constantes, sempre num tom à deriva e sem nunca dar qualquer informação sobre as suas motivações. Neil tem de viver a próxima hora e picos com o constante julgamento do espectador: é mesmo muito difícil não o fazer. Mas lá porque o espectador o faz, isso não reflete a real intenção de Michel Franco: o truque está em só dar isso a perceber no final do filme.

Não tente saber mais sobre “Crepúsculo” do que é aqui dito. Não é pelo que acontece, é pelo que se pode saber das personagens.

Entre a deserção de Neil e esse momento acontece muita coisa. Ver isso a acontecer, a desvendar, é um prazer. Tudo é ação em “Crepúsculo”, ação no sentido de que não há nenhum momento deixado ao acaso, nenhuma das atividades de Neil é mostrada apenas “porque sim” e se, em algum momento, elas parecem repetição ou o marcar de uma rotina para reforçar a sua deserção, há sempre um apontamento que instrumentaliza o que se passará a seguir. Subtil, eficaz e, de certa forma, mortífero como ferramenta narrativa.

Não tente saber mais sobre “Crepúsculo” do que é aqui dito. Não é pelo que acontece, é pelo que se pode saber das personagens. Até aí, Michel Franco joga contra a ditadura do spoiler: qualquer detalhe prévio sobre qualquer personagem desvia da experiência totalmente pessoal que se tem ao ver o filme e ao absorver a existência daquelas personagens. No final, rendemo-nos às evidências de um grande filme, um que nos faz viajar até aos primeiros minutos e encaixar o significado de tudo o que se viu até então, sobretudo daqueles primeiros minutos de sol, água e cocktails e da questão da mentira: o que é, para o que é e para quem o é. 82 minutos de pura absorção. Depois passa-se muito mais tempo a pensar nele e a revisitar o corpo de Tim Roth sentado a olhar para o mar, como se tivesse de castigo por viver.

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