Será que existiu vida em Marte? Teoricamente é possível que sim, mas se ainda existir neste momento estará escondida nas profundezas e não à superfície, onde as condições para a manutenção de vida, mesmo de microorganismos resistentes, é escassa. O modelo teórico foi apresentado esta segunda-feira na revista científica Nature Astronomy.

A Terra e Marte formaram-se mais ou menos na mesma altura, há cerca de 4,6 mil milhões de anos. Cerca de mil milhões de anos depois (há 3,5 a 3,7 mil milhões de anos), ter-se-á originado a vida na Terra. Assumindo que a vida em Marte poderá ter surgido também nesse período, a equipa de Boris Sauterey, investigador no Instituto de Biologia da Escola Normal Superior de Paris, simulou como poderia ter evoluído a vida no planeta vermelho.

Verificámos que a habitabilidade no subsolo era muito provável, limitada principalmente pela extensão da cobertura de gelo superficial. A produtividade da biomassa poderia ter sido tão elevada como nos primórdios do oceano terrestre”, escrevem os autores do artigo.

Os investigadores consideraram que, à semelhança do que aconteceu na Terra, os primeiros seres vivos em Marte foram microorganismos que consumiam hidrogénio e produziam metano. A antiga crosta (camada superficial do planeta) teria condições para manter este tipo de microorganismos — tal como os oceanos primitivos na Terra —, desde que não estivesse coberta de gelo. A ser real, a atividade dos microorganismos poderá ter provocado um arrefecimento global da superfície, que os teria obrigado a uma migração para regiões mais profundas do planeta.

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A evolução destes ecossistemas [que albergavam os microorganismos produtores de metano] foram condicionadas pelas diferenças climáticas, geoquímicas (como a salinidade) e, sobretudo, pelas características e composição atmosférica”, acrescenta César Menor Salván, astrobiólogo que não esteve envolvido no estudo.

Por outro lado, a confirmar-se a presença dos microorganismos no passado do planeta vermelho, o efeito pode ter sido o oposto ao da Terra: em vez de potenciar o aparecimento de formas mais complexas de vida, criou condições cada vez piores de habitabilidade, diz César Menor Salván, professor de Bioquímica na Universidade de Alcalá (Espanha) ao Science Media Center Espanha (SMC España).

Modelo excelente, mas puramente teórico

Jesús Martínez Frías, geólogo planetário e astrobiólogo no Instituto de Geociências de Espanha, defende a qualidade do trabalho, mas lembra que se trata de um exercício puramente teórico. “Os autores [do estudo] realizaram uma aproximação teórica excelente, mas limitada exclusivamente por aquilo que é: um modelo teórico.”

É um exercício interessante, com conclusões válidas em relação ao que foi sugerido e à metodologia utilizada”, diz Jesús Martínez Frías, que não participou no estudo, ao SMC España.

Apesar da qualidade do trabalho e da abordagem inovadora, e de ser uma hipótese possível (a par de outras), o investigador espanhol destaca que nunca foi encontrada vida em Marte, nem vestígios (como os fósseis que permitem dizer quando terá surgido vida na Terra) e que também não se provou a existência de microorganismos produtores de metano agora ou no passado.

César Menor Salván concorda que um modelo teórico terá sempre limitações, mas também que o artigo faz uma abordagem interessante. “Embora o trabalho se baseie em modelos teóricos climáticos e ecológicos, o que é sempre uma limitação e terá de ser corroborado por futuras explorações, é consistente com o que sabemos sobre a vida na Terra e fornece algumas ideias interessantes.”

O professor de Bioquímica destaca que o modelo pode mesmo ajudar nessas explorações à superfície do planeta porque indica quais as áreas com maior probabilidade de ter tido um ecossistema capaz de manter estes microorganismos: Hellas Planitia, Isidis Planitia e cratera Jezero.