Depois de uma década a diminuir, a dívida a pagar pelos municípios aumentou 2,1%, para 4.404 milhões de euros, em 2021, embora as contas municipais mantenham uma tendência de equilíbrio, revela o Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses.

Segundo o documento, que é apresentado em Lisboa esta segunda-feira, o total do passivo exigível global (a dívida que os municípios têm a pagar) subiu para 4.404 milhões de euros, com o acréscimo agregado, em 2021, de 89,5 milhões (+2,1%).

Para esta subida de quase 90 milhões de euros contribuiu o aumento do passivo exigível em 142 municípios, tendo em conta que nos restantes 166 (54%) dos 308 municípios o passivo exigível baixou.

Peso considerável nesta dívida teve o aumento do passivo exigível do setor empresarial local (SEL), no total de 1.167,4 milhões de euros (+8,8% do que em 2020), e que representou 26,5% do global do passivo exigível dos 308 municípios.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Também o passivo exigível dos serviços municipalizados foi de 130,1 milhões de euros e cresceu no ano passado 23,9% (+25 milhões de euros).

Este passivo exigível dos municípios mantinha-se numa rota descendente desde 2011 e em 2021 sobe pela primeira vez.

No entanto, em declarações à Lusa, a coordenadora do Anuário, Maria José Fernandes, considerou que a subida não tem “um impacto significativo”, porque no geral as contas municipais demonstram “algum equilíbrio” orçamental, num ano de eleições autárquicas, em que os autarcas incorrem tendencialmente em mais despesas para apresentar serviço feito.

Há de facto, um significativo investimento. Há um aumento de empréstimos, mas também há um aumento das amortizações, ou seja, do pagamento destes empréstimos. Portanto, eu acho que há aqui, de facto, um controlo muito grande daquilo que é a gestão financeira autárquica nestes últimos anos”, disse.

A investigadora realçou que, “em termos orçamentais, continua a haver algum rigor naquilo que é a previsão da despesa e também a previsão da receita” e que “as taxas de execução, quer da receita cobrada em relação à receita prevista, quer da despesa paga em relação aos compromissos assumidos”, demonstram solidez.

O Anuário revela que os municípios apresentaram resultados económicos líquidos globais de 91,3 milhões de euros (+57,4 milhões), mais 169% do que no ano anterior, apesar de 142 municípios terem tido resultados negativos.

Segundo o documento, a que a Lusa teve acesso, o conjunto das transferências de capital e de aquisição de bens de capital, “que se poderá classificar como o investimento total dos municípios, cresceu 26,4% (+814,0 milhões de euros)”.

No final de 2021, as dívidas a receber eram de 2.676,9 milhões de euros, mais 130,4 milhões (+5,1%) do que em 2020.

Em termos orçamentais, foi cobrado um total de 9.918,8 milhões de euros de receita municipal, um acréscimo de 1.145,8 milhões (+13,1%) em relação a 2020.

Para o crescimento desta receita contribuíram o aumento da coleta de impostos e taxas (+10,4%), sobretudo o IMT – Imposto sobre Transmissões Onerosas (+370 milhões de euros), mas também as transferências correntes e de capital (+14,1%) e os passivos financeiros (+74,17%).

A execução da receita cobrada foi de 89,1% (+1,3% do que em 2020) e foi faturado 88,9% do orçamento estimado (+0,3 pontos percentuais).

Em geral, os municípios também cumpriram as obrigações que têm com fornecedores, o que beneficia “muito a questão da economia local”, e pagaram 84,3% dos compromissos assumidos.

A despesa paga (total de 9,9 mil milhões de euros) representou um aumento significativo de 28,8% (+2.226,5 milhões de euros), “tendo sido o valor mais elevado dos últimos onze anos: 270 dos 308 municípios apresentaram em 2021 um acréscimo de volume da despesa paga.

Globalmente, “verifica-se que a despesa cresceu mais que a receita pelo que, nos fluxos de caixa, o volume das despesas pagas superou em 27,8 milhões de euros o volume de receitas cobradas” e o equilíbrio foi conseguido com a “mobilização do saldo da gerência anterior”.

Apenas 67 dos 308 municípios apresentaram uma independência financeira igual ou superior a 50% e o nível global de independência financeira desceu 1,4 pontos percentuais, para 35%, um valor considerado “baixo”.

São vinte os municípios que ultrapassaram limites de endividamento em 2021

Vinte municípios ultrapassaram o limite de endividamento permitido por lei em 2021, numa lista em que 12 deles já estão a pagar empréstimos a programas de apoio para câmaras endividadas, segundo o Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses.

Estes 20 municípios tinham no final do ano passado uma dívida total superior em 1,5 vezes à média da receita corrente líquida cobrada nos três anos anteriores.

Segundo o documento, a lista de câmaras que ultrapassaram os limites de endividamento é encabeçada por Fornos de Algodres, Vila Franca do Campo, Vila Real de Santo António, Cartaxo, Nordeste, Nazaré e Fundão.

Os restantes municípios eram Portimão, Vila Nova de Poiares, Alfândega da Fé, Freixo de Espada à Cinta, Alandroal, Lagoa (Açores), Reguengos de Monsaraz, Belmonte, Paços de Ferreira, Seia, Évora, Peso da Régua e Tabuaço.

Segundo a lei das finanças locais, estes municípios poderão ter cortes de 10% nas transferências do Estado e devem requerer a aplicação de um plano de saneamento financeiro, através da contração de um empréstimo.

No entanto, à exceção de oito deles (Freixo de Espada à Cinta, Lagoa – Açores, Reguengos de Monsaraz, Belmonte, Seia, Évora, Peso da Régua e Tabuaço), os restantes 12 já estão a pagar empréstimos contraídos por endividamento ao Fundo de Apoio Municipal (FAM), um programa de ajuda a municípios em saneamento financeiro.

Vila Real de Santo António também ainda está a pagar um empréstimo contraído junto de outro programa de ajuda a municípios endividados, o Programa de Apoio à Economia Local (PAEL).

Segundo o Anuário que analisa as contas dos municípios, três destas autarquias voltaram a contrair novos reforços junto do FAM em 2021: Vila Franca do Campo recebeu 1,3 milhões de euros, Nazaré 1,85 milhões e Vila Real de Santo António 257,7 mil euros.

No final de 2021, eram 13 os municípios que estavam a pagar ajudas recebidas através do FAM, um mecanismo de recuperação e de assistência financeira dos municípios, mediante a aplicação de medidas de reequilíbrio orçamental e de reestruturação da dívida.

O conjunto destes municípios amortizou nesse ano o total de 9,7 milhões de euros, mas, em termos globais, ainda devem ao FAM mais de 438,1 milhões.

Quanto aos 103 municípios que recorreram ao PAEL, programa que emprestou dinheiro às câmaras endividadas entre 2012 e 2015, no final do ano passado 38 ainda não tinham pago a totalidade das dívidas.

Já no âmbito do Programa de Regularização Extraordinária de Dívidas do Estado (PREDE), a que recorreram 92 municípios, apenas o município de Tarouca mantém dívida bancária (de 56 mil euros) ao abrigo desta linha de apoio financeiro.

No Anuário é ainda sublinhado que 83 municípios dos 159 abrangidos pelos diversos programas de apoio a câmaras com dívidas apresentaram descida da dívida de curto prazo entre 2011 e 2021.

O Anuário não apresenta uma análise desagregada do impacto da pandemia de covid-19 nas contas municipais, mas Maria José Fernandes destacou que não foram detetadas “diferenças substanciais relativamente a 2020”.

O Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses relativo a 2021 é da autoria de um grupo de investigadores, com coordenação da professora Maria José Fernandes, do Centro de Investigação em Contabilidade e Fiscalidade(CICF) – Instituto Politécnico do Cávado e do Ave (IPCA) e do Centro de Investigação em Ciência Política (CICP) – Universidade do Minho.

O documento é realizado desde 2004 (relativo a 2003) com o apoio da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) e após a apresentação poderá ser consultado em www.occ.pt.