O último romance escrito por José Saramago (1922-2010), “Caim”, está na base da peça “Caim ou a divina cegueira” que o Teatro Estúdio Fontenova estreia na sexta-feira, no Fórum Municipal Luísa Todi, em Setúbal.

A peça põe em causa a instituição Deus, mas não a divindade“, disse à agência Lusa José Maria Dias, encenador da peça e responsável pela dramaturgia, com Armando Nascimento Rosa.

Em “Caim ou a divina cegueira”, onde está vertida a ironia do texto de Saramago, não é “posta em causa nenhuma religião em particular”, disse.

“Nem a fé das pessoas, mas sim a instituição Deus”, porque em nome dessa instituição “o homem, a humanidade, tem destruído tudo a belo prazer”, têm-se cometido “as maiores atrocidades”, frisou.

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O desafio de encenar o último romance de José Saramago surgiu em novembro de 2021 quando a companhia estava a debater o plano de atividades para 2022 e pensou em pôr em cena uma obra de Saramago, respondendo também ao desafio da Câmara Municipal de Setúbal por forma a integrarem as comemorações oficiais do centenário de nascimento do Prémio Nobel da Literatura 1998.

O facto de a obra nunca ter sido posta em cena foi um dos motivos para a escolha, referiu José Maria Dias, acrescentando que, “segundo sabem, é a primeira vez em todo o mundo que o romance é transposto para teatro”.

“Há um monólogo feito no Brasil, mas o romance dramatizado, com várias personagens do romance é a primeira vez que se faz”, disse.

A obra foi também escolhida por abordar “um tema muito fraturante e muito revolucionário“, referiu o diretor artístico do Teatro Estúdio Fontenova.

Caim, Deus, Abel, Adão, Eva, Abel, Isaac, Abraão e Noé são algumas das personagens da obra transpostas para a peça construída a partir da obra em que José Saramago narra com sarcasmo uma versão crítica de um episódio do Antigo Testamento, abordando também as imperfeições do ser humano.

Num espaço cénico muito distante do que o espectador pode imaginar para os ambientes e acontecimentos que são narrados, a peça apresenta, de propósito, uma figura de Deus humanizada, “à semelhança do que Saramago fez na obra“, disse José Maria Dias.

Num espaço onde impera a estética contemporânea e pós-moderna, a peça remete também para uma reflexão e discussão sobre política, fé e sobre a contemporaneidade da obra à semelhança dos vários debates que provocou na companhia antes de a pôr em palco.

“É, pelo menos, uma obra que nos faz pensar. Mas que nos faz pensar com humor e que nos faz interrogar-nos sobre como o humor pode também ser a coisa mais séria do mundo”, concluiu o encenador.

Depois do Fórum Luísa Todi, onde vai estar até dia 20, com sessões de terça-feira a sábado, às 21h00, e, ao domingo, às 16h00, “Caim ou a divina cegueira” será representada, no dia 26, no Teatro Lethes, em Faro, e, em janeiro de 2023, ainda sem data definida, subirá ao palco do Fórum da Maia.

“Caim ou a divina cegueira” é a 82.ª criação do Teatro Estúdio Fontenova e tem cocriação e interpretação de Clara Passarinho, Fábio Vaz, Graziela Dias, João Mota, Patrícia Paixão, Sara Túbio Costa, Tiago Bôto e Wagner Borges.

A cenografia é de José Manuel Castanheira, o desenho de luz de José Maria Dias e Rosa Dias, música de Jorge Salgueiro e os figurinos de Maria Luís.