O alarme inicial partiu das autoridades de saúde britânicas, depois de ter sido registada uma incidência elevada em crianças com menos de dez anos infetadas com Streptococcus pyogenes do tipo A – ou Strep A. A bactéria é aparentemente bastante comum, mas em três meses já esteve associada a pelo menos 16 mortes de crianças em países do Reino Unido. Aqui ao lado, em Espanha, também há registo de pelo menos duas mortes de crianças devido à bactéria e algumas hospitalizações. Há um cenário semelhante de aumento de casos também em França, nos Países Baixos ou na Suécia.

A bactéria é altamente infecciosa e é também uma das responsáveis por amigdalites agudas, especialmente entre as crianças. A Strep A pode ter diferentes efeitos, entre sintomas ligeiros, como dores de garganta ou dores no corpo. Os casos que resultaram em óbitos, descritos como doença invasiva causada pela Strep A, são uma minoria, é certo, mas terão sido o suficiente para deixar as autoridades sanitárias britânicas em alerta.

Os números oficiais no Reino Unido detalham um total de 60 mortes desde meados de setembro (a doença não é um exclusivo das crianças), com pelo menos 16 mortes de crianças. Há registo de óbitos infantis em Inglaterra, na Irlanda do Norte e também em Gales. Um dos quadros clínicos que está a chamar mais a atenção é o aumento de casos de escarlatina, por exemplo.

Segundo o The Guardian, a agência responsável pela saúde britânica refere que não há provas de que esteja a circular uma nova estirpe. O aumento da incidência é atribuído a um provável aumento da circulação de bactérias devido ao maior convívio social, especialmente após o fim das restrições da Covid-19. O facto de ter havido confinamentos também terá contribuído para o recuo da imunidade das crianças, uma teoria que é defendida pela microbiologista Nina van Sorge, do Centro Médico Universitário de Amesterdão, em declarações à revista Nature. Com maior regresso aos contactos, a especialista espera que os sistemas imunitários possam ficar mais robustos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A tripla ameaça: Covid-19, gripe e infeções respiratórias. O que são e o que fazem os vírus que estão a entupir os hospitais?

A principal forma de tratar a Strep A é com antibióticos. No Reino Unido, a preocupação devido às mortes de crianças está a gerar uma corrida a estes fármacos. Do lado dos farmacêuticos, sucedem-se as queixas sobre a dificuldade em conseguir aceder a antibióticos, como a penicilina ou amoxicilina. Já esta terça-feira, o The Guardian noticiou que alguns farmacêuticos estão a relatar aumentos de “mais de dez vezes” no preço de antibióticos nas últimas semanas.

“No atual mercado, os custos dos antibióticos aumentaram quase 10 a 20 vezes em relação ao que acontecia há algumas semanas”, contou ao jornal britânico Sri Kanaparthy, o responsável por três farmácias no mercado em Inglaterra. “Os preços estão uma loucura comparados com aquilo que eram”, diz por sua vez Leyla Hannbeck, responsável pela Association of Independent Multiple Pharmacies. “Um pacote de amoxicilina, em vez de custar duas libras [2,33 euros] custa agora 15 [17,44 euros] e basicamente vamos perder cerca de 13 libras, porque só podemos ser reembolsados por duas libras.”

A situação escalou ao ponto de a CMA, a autoridade da Concorrência britânica, ter anunciado esta quarta-feira que já abriu uma investigação ao aumento dos preços dos antibióticos. “Estamos a trabalhar para estabelecer os factos sobre aquilo que está a acontecer atualmente no mercado”, disse a CMA em comunicado. “Estamos preparados para agir caso haja provas de que está a existir um comportamento anti-concorrência que viole a lei.”

“As pessoas têm preocupações sérias sobre o preço dos antibióticos usados para tratar a Strep A e queremos que as empresas sejam claras sobre as suas obrigações ao abrigo da lei. Não deve haver dúvidas de que é ilegal para uma empresa dominante cobrar preços excessivos ou para quaisquer empresas se unirem para aumentar os preços”, continua o comunicado desta autoridade inglesa.

Qual é a situação em Portugal?

Na Europa, o Centro Europeu de Controlo de Doenças já demonstrou preocupações com este aumento de casos na Europa, assim como a Organização Mundial de Saúde. Num comunicado conjunto, datado desta segunda-feira, é pedido que “todos os países europeus se mantenham vigilantes para casos similares entre as crianças, especialmente considerando o aumento da circulação de vírus respiratórios que está a ocorrer na Europa”.

As duas entidades aconselham também as autoridades de saúde pública a “considerar atividades para aumentar a divulgação entre os médicos e ao público em geral e a encorajar a testagem e tratamento” da Strep A de acordo com as normas de cada país.

Ao Público, é dito que não há, de momento, preocupações para já em Portugal. “Nesta fase devemos estar alerta, como todos os pediatras seguramente estarão, pois são conhecedores da doença há décadas”, disse aquele jornal José Melo Cristino, médico do Centro Hospital Universitário Lisboa Norte e também professor de microbiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.