Primeira oportunidade, Supertaça do Brasil, derrota numa final de loucos com o Palmeiras de Abel Ferreira (4-3). Segunda oportunidade, Mundial de Clubes, derrota numas dececionantes meias-finais frente ao Al Hilal da Arábia Saudita (3-2). Um mês depois, e com a desvantagem de um golo trazida do Equador diante do Independiente del Valle, o Flamengo tinha a terceira de seis decisões da temporada pela frente e com uma margem cada vez mais curta para o técnico português Vítor Pereira, que trocou no último defeso o Corinthians pelo conjunto carioca. À terceira era de vez ou não há duas sem três? A resposta estava apenas à distância de 90 ou 120 minutos, com tudo aquilo que poderia depois trazer para o que faltava da época.

Uma final de loucos com o vencedor normal do costume: Abel vence Vítor Pereira na Supertaça e soma sétimo título no Palmeiras

Os principais jornais brasileiros garantiam que, qualquer que fosse o resultado na segunda mão da Supertaça Sul-Americana, Vítor Pereira iria continuar como treinador do Flamengo, que no plano interno continuava a liderar no Campeonato Estadual com sete vitórias e dois empates. No entanto, entre a defesa dos seus novos jogadores nos cariocas e as farpas que continuam a chegar dos seus antigos atletas no Timão, a pressão teria tendência para aumentar ou esvaziar muito mediante o resultado final. E não era preciso ir muito longe para ver na linguagem corporal do técnico português isso mesmo, mostrando-se destemido perante a chuva que ia caindo em força no Rio de Janeiro sem qualquer proteção na sua zona técnica.

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“Ele está aqui, foi o escolhido para estar aqui. Estamos a representar um clube enorme, o que importa é o Flamengo. Não tem o que falar dele. Temos um grupo maravilhoso, o Vítor [Pereira] tem sido maravilhoso. A nossa relação é boa, os treinos são bons. Vamos melhorar para ser campeões. É um assunto chato que acho que tem que ficar por aqui”, defendeu Gabigol após a derrota no Mundial de Clubes, refutando qualquer problema com o técnico. “Ficámos felizes por saber que o novo treinador era o Fernando Lázaro mas ficaríamos felizes só de saber que o outro [Vítor Pereira] já tinha saído, só por isso já estávamos felizes. Não é preciso negar, não é preciso mentir à frente das câmaras. O ambiente agora é maravilhoso, é descontraído. Antes não havia nada disto”, defendeu Róger Guedes, ainda jogador do Corinthians.

Havia uma outra particularidade nesta Supertaça Sul-Americana que poderia confirmar a moda recente dos treinadores portugueses no Brasil, com essa janela de oportunidade de haver um triunfo do terceiro técnico nacional diferente apenas em quatro anos: Jorge Jesus ganhou com o Flamengo ao Independiente del Valle em 2020, Abel Ferreira perdeu frente ao Defensa y Justicia nos penáltis em 2021 mas conquistou o troféu diante do Athl. Paranaense no último ano. Agora, em dia de parabéns antecipados a Zico pelos 70 anos que comemora apenas na sexta-feira, era a vez de Vítor Pereira. E depois de uma primeira parte avassaladora sem golos e do empate na eliminatória arrancado no último minuto de descontos do tempo regulamentar quando poucos acreditavam, foram os penáltis a trair o Flamengo na terceira derrota da temporada.

A primeira parte foi um bom retrato da entrega total em busca do golo da equipa do Flamengo que nem a chuva travou (dentro e fora de campo, apesar da tentativa de refúgio dos adeptos nas filas mais em baixo do Maracanã quando a carga de água apertava). Pedro começou por colocar à prova os reflexos do guarda-redes Moisés Ramírez com um cabeceamento na área (15′), teve depois um golo anulado por fora de jogo claro ao ganhar um ressalto de um remate prensado (17′) e acertou no ferro antes da melhor oportunidade de todo o primeiro tempo, com Ayrton Lucas a desviar também de cabeça à trave (31′). Guillermo Varela ainda foi também à área contrária obrigar Ramírez a uma defesa como se fosse um guardião de andebol com a perna (45+7′), De Arrascaeta teve um cabeceamento isolado ao lado (45+8′) mas o nulo continuava a imperar.

O segundo tempo manteve as mesmas características mas com o Independiente del Valle cada vez mais à vontade na partida a dar a iniciativa de jogo a um Flamengo com muita vontade mas a deixar-se levar pela ansiedade entre uma forma de atuar que ia passando da cabeça para o coração (e com o pulmão a dar sinais de ter cada vez menos ar em comparação com os equatorianos). A euforia pelas muitas oportunidades no primeiro tempo começava a dar sinais de depressão nas bancadas e o cenário pior ficou no período de descontos, com David Luiz a surgir sozinho na área após livre lateral marcado por De Arrascaeta para fazer o cabeceamento por cima naquela que seria a última grande chance antes do milagre no Maracanã, com Everton Cebolinha a assistir De Arrascaeta para o golo no sexto e último minuto de descontos.

As bancadas estavam em completo delírio, os jogadores do Independiente del Valle pareciam quase perdidos junto ao seu banco pela deceção do golo fora de horas que lhes roubou o título, os elementos do Flamengo tentavam recuperar em termos físicos com Vítor Pereira (que quase não chegou a festejar o golo) de caderno e caneta na mão a dar indicações individuais a alguns atletas antes da roda. Tudo estava a favor dos cariocas no prolongamento, por cima em termos anímicos, físicos e motivacionais, mas à exceção dos rasgos da nova coqueluche da equipa, Matheus Gonçalves, pouco mais houve para evitar uma decisão que chegaria mesmo nas grandes penalidades, com os equatorianos a caírem no relvado sem forças após uma resistência épica sempre em posição defensiva que tinha sido traída com o golo de De Arrascaeta mas que foi premiada com o segundo grande troféu depois do Campeonato de 2020 ganho… pelo português Renato Paiva.