A polícia moçambicana dispersou este sábado, com gás lacrimogénio, uma marcha em Maputo de homenagem ao ‘rapper’ de intervenção social Azagaia, que morreu há uma semana vítima de doença.

Centenas de pessoas começaram a concentrar-se às primeiras horas da manhã, mas foram impedidas de marchar na capital moçambicana. Este sábado estavam agendadas para outras cidades marchas em homenagem ao artista chamado “rapper do povo”: Inhambane, Xai-Xai, Beira, Quelimane e Nampula.

Na terça-feira, o funeral em Maputo juntou milhares de pessoas, mas o cortejo foi bloqueado por blindados e polícia fortemente armada num ponto do percurso que passaria em frente à residência oficial do Presidente da República.

Houve momentos de tensão e chegou a ser usado gás lacrimogéneo para dispersar a multidão, que teve de recorrer a uma via alternativa.

Com mais de 20 anos de carreira, o ‘rapper’ ficou célebre pela crítica aberta à governação em Moçambique e por dar voz aos problemas da população, de tal forma que em 2008 chegou a ser questionado pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

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As rimas não passavam na rádio e televisão públicas e os deputados da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), no poder desde a independência, apontavam-no como intérprete da oposição.

Azagaia, nome artístico de Edson da Luz, morreu na quinta-feira, aos 38 anos, em sua casa, após uma crise de epilepsia, segundo a família do artista.

Repressão policial prova que Constituição não funciona, diz ativista

Os organizadores da marcha pacífica em homenagem ao ‘rapper’ Azagaia dizem que a ação das autoridades é prova de que a Constituição não funciona no país.

Quitéria Guirrengane, ativista e uma das organizadoras da marcha, disse à Lusa que quando os polícias chegaram ao local de início da marcha disseram saber que a ação era legal, “mas tinham ordens superiores” para a impedir.

“Aqueles que deram as ordens superiores são os que não dão a cara, que dizem que nos dão despacho positivo, mas, por detrás, dizem à polícia: ‘agora vão chutar aquela gente'”, referiu, concluindo: “Esta é a prova inequívoca de que na República de Moçambique a Constituição não funciona”.

O país “funciona na base de ordens superiores, daqueles que estão nos seus gabinetes e têm medo da mensagem de Azagaia”.

Quitéria Guirrengane considerou que a marcha seria “uma ação de homenagem pacífica e simpática”, impedida por “um Estado de vergonha absoluta” — depois de a organização ter seguido a lei e dialogado com o município na preparação do evento.

“Era desnecessário ter esta polícia de intervenção rápida”, destacou, sobre a carga com gás lacrimogéneo desta manhã — e que acabou por atingir a circulação automóvel e transeuntes no centro da cidade.

“Depois vão dizer que nós é que incitámos à violência”, assinalou, considerando que é a repressão policial que “vai incitar os jovens que partem edifícios”.

“Porque os jovens não querem fazer coisas de mal, mas depois não lhes permitem. O que resta? Não resta mais nada”, sublinhou.

“Se uma pessoa estivesse bem na cadeira onde está, não teria medo do povo”, referiu, numa alusão aos governantes moçambicanos.

Quitéria Guirrengane considerou que em Moçambique vive-se “num Estado capturado, em que há pessoas que pensam que a República lhes pertence”.

A ativista recomendou aos participantes que, por uma questão de segurança, se dispersem. “Nós, como quem convidou, não podemos sair daqui sem prestar contas às pessoas” e “os nossos advogados também estão a caminho”, concluiu.