Bolsas de estudo e empregos perdidos são algumas das consequências dos atrasos nos agendamentos para obter visto na Guiné-Bissau para Portugal, a menos que se pague a “intermediários”, localizados frente da embaixada portuguesa, contaram à Lusa várias fontes.

“Pedi um agendamento há dois anos e ainda não o consegui”, disse Leónico Silva, um guineense que, de vez em quando, precisa de viajar para Portugal. O agendamento de que fala é através de uma empresa (VFS) que trata da documentação para o pedido de visto às autoridades portuguesas.

Acontece que esta empresa apenas disponibiliza um determinado número de agendamentos, o qual na maioria dos casos vai parar à mão de “intermediários” que depois vendem o seu “serviço” a quem viajar para Portugal e não consegue, pelos seus meios, um agendamento.

Em declarações à Lusa, contou que uma vez em que precisou de viajar para Portugal com urgência, teve de pagar 100.000 francos CFA (cerca de 150 euros) a um indivíduo que estava na Praça de Bissau. Pagou e, no dia seguinte, tinha o agendamento e com ele estavam mais 11 pessoas que tinham pagado o mesmo. “Basta fazer as contas”, disse.

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“Não é segredo para ninguém. Qualquer guineense sabe: É mesmo preciso pagar para se conseguir um agendamento. O que ninguém explica é como, pagando, se consegue um agendamento para tratar de um visto na Embaixada de Portugal, o que não acontece se não houver pagamento”, disse.

E questionou: “E a embaixada não sabe disso? Estão mesmo ali, frente à embaixada, a cobrar dinheiro pelos agendamentos”.

Contactado pela Lusa, o Ministério dos Negócios Estrangeiros português afirma ter tido “conhecimento de informações relativas a queixas de utentes ou de terceiros (nomeadamente intermediários e outros que açambarcam vagas no sistema de agendamento para venda a utentes sem marcação)”.

Mas indicou que não foram recebidos naquele ministério “quaisquer informações devidamente fundamentadas ou com elementos de prova relativos a casos de suborno para agendamento de pedidos de visto na secção consular em Bissau”.

“Se tal informação vier, em algum momento, a ser reportada, estes elementos serão, como cumpre, devidamente reportados e encaminhados às autoridades competentes”, prosseguiu.

O MNE português refere que tem sido feita “uma monitorização permanente e minuciosa dos sistemas e listas de agendamento para garantir um acesso alargado a vagas pelos utentes que delas necessitam”.

Por seu lado, o Governo guineense garante que “não tem responsabilidades” sobre o funcionamento da secção consular de Portugal em Bissau quanto à emissão de vistos.

“Não podemos dar ordens à embaixada de Portugal para a emissão de vistos, nem para autenticação de documentos ou de qualquer outro serviço”, afirmou aos jornalistas o diretor dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) da Guiné-Bissau, Cândido Barbosa, na terça-feira.

Para a secretária-geral do Sindicato dos Trabalhadores Consulares e das Missões Diplomáticas e dos Serviços Centrais do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Rosa Teixeira Ribeiro, a situação “não é novidade”.

“Isto existe, o açambarcamento das senhas. De todos os lados há queixas”, afirmou, lamentando que a opção para melhorar os serviços tenha sido o recurso a empresas exteriores, neste caso a VFS.

Esta empresa internacional é responsável pela preparação dos pedidos de vistos para Portugal em 18 dos 21 países que disponibilizam este serviço, o que para o sindicato é “um risco” e uma situação de “monopólio”.

As críticas estendem-se à metodologia, pois os pedidos são feitos através de uma plataforma informática que “parte do pressuposto que os candidatos estão todos extremamente habilitados para preencherem os requisitos para pedirem o agendamento”.

Sobre os alegados “subornos” para obter um agendamento, Rosa Teixeira Ribeiro lembrou que este é “um país de brandos costumes. Todos sabem, ninguém faz nada”.

“Estão a esvaziar as funções do Estado. Se o Estado não controla e não faz — é a empresa que faz a seleção. Mas atenção, só chega à embaixada o que a empresa escolhe. Quem garante ao Estado português que a empresa dá seguimento a todos os pedidos”, questionou.

Tal como Leónico Silva, muitas outras pessoas, que não se quiseram identificar, viram-se obrigadas a pagar aos “intermediários” para conseguirem um agendamento e posterior visto para virem para Portugal, como disseram à Lusa outras alegadas vítimas deste esquema que nenhuma autoridade reconhece.

Outros, sem possibilidades de pagar os montantes pedidos, num país onde o ordenado mínimo é cerca de 50.000 francos CFA (cerca de 75 euros), perdem oportunidades de estudo e de emprego, porque os lugares não esperam.

Eduardo Júnior, um guineense que vive em Portugal há seis anos, desespera pela vinda de um primo, a quem arranjou trabalho em Portugal. Tratou de todos os documentos do familiar, que entretanto estão em risco de caducar, pois o agendamento nunca mais chega.

“É um caso urgente. O meu primo tem um lugar numa empresa de construção civil para uma obra que tem prazos e o dono da obra não pode continuar a esperar. Ninguém responde nem dá sinais de vida e, entretanto, o meu primo não começa a trabalhar e o dono da obra continua a precisar do seu trabalho”, lamentou.

Outras pessoas contactadas pela Lusa disseram que esta demora já prejudicou estudantes, que não conseguem chegar a Portugal a tempo de usufruírem de bolsas de estudo.

Este tipo de casos tem vindo a ser denunciado há meses nas redes sociais.

“Quem não tem dinheiro, pede o agendamento e não consegue. Nunca mais ninguém lhe diz nada. Há pessoas, como eu, que esperam mais de dois anos por um agendamento. E há quem cobre 250.000 francos CFA (cerca de 381 euros), quando esse é o valor que custa tratar do visto, que é o passo seguinte ao agendamento, num total de 500.000 francos CFA (cerca de 762 euros). Quem tem dinheiro para isso”, questionou Leónico Silva.

A situação parece estender-se aos agendamentos para atos consulares: “Uma vez tentei autenticar um documento de uma sobrinha que está em Portugal e não consegui. Os sujeitos pediram-me dinheiro (60.000 francos CFA) para agendar este pedido de autenticação de documento, mas não tinha. Não consegui tratar do assunto”, adiantou.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros português, por seu lado, garante que “acompanha atentamente as necessidades sentidas em toda a rede consular, sendo prática habitual proceder ao reforço de recursos nas situações em que se regista maior afluência”.