Cerca de três dezenas de ativistas guineenses concentraram-se esta quinta-feira diante da Assembleia da República, em Lisboa, em protesto contra a presença do Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril.

Munidos de cravos brancos, cartazes onde se lia “Sissoco Embaló Ditador” ou “Marcelo lado a lado com um ditador — valores de Abril oprimidos na Guiné-Bissau” e t-shirts pretas a denunciar mortes, prisões e raptos com cariz político, os ativistas começaram a juntar-se a meio da manhã para alertar para o que consideram ser uma degradação da democracia guineense e um convite português que vem “branquear” a atual realidade política do país.

“Tendo em conta o contexto político na Guiné-Bissau de um desmantelamento das liberdades democráticas que foram conquistadas, achámos que havia necessidade de fazer uma crítica ao Estado português por um convite endereçado ao atual Presidente da Guiné-Bissau, o senhor Umaro Sissoco. Quem está atento à situação política tem noção do caos que está a ser criado neste momento, no sentido de permitir que ele continue no poder”, afirmou à Lusa Youssef, ativista guineense na diáspora e porta-voz dos que hoje se concentraram em Lisboa.

Presidente do parlamento guineense diz PR é fator de instabilidade democrática

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Considerando que o “desencadear do processo do 25 de Abril teve os seus primórdios na luta de libertação no continente africano”, em especial na Guiné-Bissau, Youssef referiu que as liberdades democráticas no país estão a sofrer “um retrocesso” e apontou como exemplo a ausência de marcação de data para as próximas eleições presidenciais, que se deveriam realizar até ao final de 2024.

“As eleições devem realizar-se em novembro/dezembro deste ano e o Presidente da República, ao arrepio da Constituição, diz que não vai marcar as eleições este ano, sem qualquer justificação que tenha respaldo na Constituição”, vincou, lamentando também que instituições como o Supremo Tribunal de Justiça ou a Comissão Nacional de Eleições já não tenham “qualquer sustentação nas leis da República”.

Segundo o ativista guineense, “existe uma camisa de forças da ditadura” de Umaro Sissoco Embalo, pelo que defendeu ser necessário denunciar hoje e em Lisboa a “promiscuidade entre o Estado português e os titulares dos órgãos de soberania da Guiné-Bissau”, lançando um repto ao povo português para criar “uma unidade na ação no sentido de criticar” esta situação.

“O nosso diálogo é com o povo português, que, pela sua memória histórica, tem noção do que é viver em ditadura. Então, aproveitamos esta oportunidade para dizer ao povo português que os titulares dos órgãos de soberania estão neste momento a branquear uma ditadura que existe na Guiné-Bissau e pensamos que isso é inaceitável”, frisou.

Questionado sobre a eventual necessidade de um novo 25 de Abril na Guiné-Bissau, Youssef disse entender o paralelismo, mas preferiu evocar outro momento da história do país: o primeiro congresso do PAIGC em Cassacá, no ano de 1964.

“Neve Gelada”. Há 50 anos, na Guiné, contra o PAIGC, a última grande operação do Exército Português em África

“Foi um momento de viragem na luta política na Guiné-Bissau. Conseguimos separar o trigo do joio, afastar elementos que estavam a desvirtuar os objetivos da luta de libertação nacional, criar um estado, com instituições, e, ao mesmo tempo, forças armadas republicanas revolucionárias. Mais do que o 25 de Abril, dizemos que é preciso um novo congresso de Cassacá na Guiné-Bissau”, concluiu.