Mais representantes dos funcionários da TAP — três sindicatos e uma comissão de trabalhadores — responderam esta quinta-feira aos deputados da comissão parlamentar de inquérito. Entre perguntas repetidas e audições mais curtas que as do dia anterior — em todas as audições os grupos parlamentares prescindiram da segunda ronda de questões — houve novas insinuações de “conversas de corredores” que apontarão para mais casos de indemnizações avultadas como a de Alexandra Reis, mas “sem provas”, mais alegações sobre um chairman ausente e uma diretora de tripulantes “desaparecida em combate”.

Na ronda de audições — que terminou em “clima de suspeição” perante a divulgação pela comunicação social de documentos confidenciais entregues à comissão — os representantes dos trabalhadores teceram ainda comentários aos ministros das Infraestruturas, o antigo (Pedro Nuno Santos, “mais interventivo”) e o atual (João Galamba, menos conhecedor da pasta). E a João Duarte, eleito representante dos trabalhadores no conselho de administração que, dizem, ou tem pouca relevância, ou faz o que pode tendo em conta as circunstâncias.

1Depois de na primeira ronda de audições a sindicatos, esta quarta-feira, ter sido vincada a ideia da distância que havia entre os representantes dos trabalhadores e o chairman da TAP, o segundo bloco confirmou que entre sindicatos e Manuel Beja não havia qualquer relação. “Só conhecemos o rosto do dr. Manuel Beja nesta comissão, nunca tivemos conversa nenhuma”, atirou João Varzielas, do STAMA, que lamentou a inexistência de canais de diálogo “que pudessem conduzir a uma situação menos dolorosa do que foi este exercício”. Cristina Carrilho, da Comissão de Trabalhadores, foi mais crítica sobre a relação “pouco aprazível” com a CEO francesa, até porque com Manuel Beja não havia qualquer relação.

2O recurso excessivo da TAP ao outsourcing foi uma das questões criticadas pelos representantes dos trabalhadores. João Varzielas, do STAMA, criticou o “pagamento de avenças que saem do jugo do acordo coletivo de trabalho”, que classificou como um ato de gestão “não entendível”. “Essa questão da prestação de serviços por parte de administradores demissionários, ao conselho de administração, não é só da altura do engenheiro Fernando Pinto. Alguns [outros] também já o fizeram”, corroborou Cristina Carrilho, a Comissão de Trabalhadores. A mesma dirigente por várias vezes referiu que a administração cessante recorreu várias vezes a outsourcing, incluindo outsourcing jurídico, apesar de haver “muitas pessoas que trabalham [nesse departamento] há 20 e tal, 30 anos”. Este aumento do recurso a outsourcing, refere, deu-se durante a administração cessante. “Como sabem, a administração cessante tem um gosto especial por outsourcings, outsourcings para tudo, até para o departamento jurídico, como vimos aqui”, vincou.

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3Toda a gente sabe, mas ninguém tem provas. O pagamento de prémios e bónus na TAP é “conversa de corredor”, afirmaram os trabalhadores. “É do conhecimento dos trabalhadores que têm sido pagos ao longo do tempo bónus, prémios, indemnizações, o que queiram chamar, a determinados quadros. Sabemos que existem mas não temos provas, é muito difícil. É tudo feito em segredo, por baixo dos panos, alguns se calhar em saco azul. Sabemos o que transpira cá para fora”, disse Cristina Carrilho, da Comissão de Trabalhadores. João Varzielas, do STAMA, afirmou que só tem conhecimento dos prémios “dos corredores”. “Não nos é conferido o acesso a esse tipo de documentação, de vez em quando calha cair um papel na maquina fotocopiadora errada e temos acesso a alguma coisa”.

4O caso foi conhecido na audição desta quarta-feira, e voltou à baila na segunda ronda de sindicatos. Karolina Anna Machura Tiba passou de “diretora fantasma” a “desaparecida em combate”. Esta gestora polaca terá sido contratada para chefiar os tripulantes de cabine. Se ontem Ricardo Penarróias revelou um “desconhecimento total sobre” a gestora, esta quarta-feira, Cristina Carrilho, da comissão de trabalhadores, revelou que “houve uma comunicação, uma circular da Comissão Executiva, a informar que essa diretora viria para a TAP. Mas desde essa circular não houve outra”. É que, continuou, “quando há substituições sai uma circular com a nova estrutura por áreas. Mas não saiu. Não sei se ela está na TAP, nunca a vi. Está ‘missing in combat’ (desaparecida em combate)”.

5Vários deputados mostraram interesse nas reuniões dos representantes dos trabalhadores com o então ministro Pedro Nuno Santos. João Varzielas, do STMA, diz que Nuno Santos foi o “único político que, sem peneiras”, lhes comunicou “aquilo que ia fazer ou que era para fazer” na companhia aérea e “quais os objetivos, doesse ou não doessse”. Um estilo “interventivo”, admitiu João Leão, do SIPLA, que resistiu às conclusões de Filipe Melo, do Chega, para quem Pedro Nuno Santos era “interventivo de mais” e João Galamba “por não conhecer a pasta não intervém”. “Não diria interventivo de mais. Era mais interventivo”, respondeu-lhe João Leão. Sobre Galamba não teceu grandes juízos de valor por ainda estar no cargo há pouco tempo, mas admitiu que intervém menos do que intervinha Pedro Nuno Santos. O que não é de estranhar “face ao momento caótico” que a TAP viveu durante a pandemia.

6 Outro nome foi repetidamente ouvido nas audições desta quinta-feira: João Duarte, eleito representante dos trabalhadores no conselho de administração da TAP. As opiniões dividiram-se: ou tem pouca relevância, ou faz o que pode tendo em conta as circunstâncias. Para Cristina Carrilho, coordenadora da comissão de trabalhadores, não são visíveis “resultados práticos” do seu trabalho e não crê que faça “alguma diferença”. A comissão de trabalhadores convidou-o para um plenário, mas terá rejeitado. “Respondeu-me: não me posso comprometer assim com os trabalhadores”. Jorge Alves, do SITEMA, refere que a interação entre sindicato e João Duarte acontece “quando se justifica”, mas reconhece que tem um “papel ingrato”, uma vez que “não tem muita liberdade de ação, tem poucos poderes e por vezes é mal entendido”. João Varzielas, do STAMA, concorda que João Duarte “não pode fazer muito mais”, mas havia outros candidatos que, considera, teriam “mais capacidade” para o cargo.

7 Os sindicatos convergem na ideia de que os cortes salariais e de pessoal encetados pela TAP ao abrigo do Plano de Reestruturação foram mais longe do que o necessário e querem para “ontem” a sua reversão: porque os cortes deveriam ser temporários, a TAP já está em níveis de atividade comparáveis aos da pandemia e os salários que se praticam não atraem potenciais trabalhadores nem fixam os que já estão na empresa. Para João Leão, do SIPLA, cortar salários “foi o caminho mais fácil” e a reversão só será possível com os novos acordos de empresa. Jorge Alves, do SITEMA, acredita que os cortes também tiveram impacto na atividade da manutenção e há “cada vez mais aviões a fazer manutenção fora do país”. João Varzielas, do STMA, concorda que “não havia necessidade” de os cortes serem “naquela ordem de grandeza”.

8 Para uns o caminho inevitável, para outros o que tiver de ser. Os representantes dos trabalhadores nada sabem sobre a privatização que agora se inicia e sobre o qual divergem. Para Cristina Carrilho, da Comissão de Trabalhadores, a transportadora “não deve ser privatizada” porque “o privado o que quer é lucro”. Já o SITEMA disse que não se oporá porque não tem “nenhum preconceito ideológico”, só quer que a companhia “tenha uma gestão que sirva os trabalhadores e o país”. Para isso, pede que o sindicato seja ouvido nesse processo e participe nele.