“Fica aquém do que queríamos, mas o ótimo é inimigo do bom. Atingimos um patamar mínimo de entendimento.” António Domingues, presidente do Sindicato dos Maquinistas (SMAQ), que representa a quase totalidade daquela carreira na CP, resume assim o acordo a que chegou com a empresa e que permitirá pôr fim, pelo menos no curto prazo, a um ciclo de greves que paralisaram centenas de comboios. O acordo versa sobre um aumento de salários, melhoria das condições de trabalho e apoio psicológico aos trabalhadores, que passará a ser mais “prolongado no tempo”, menos “circunstancial” e poderá ser pedido quando um trabalhador quiser.

Questionados, CP e Ministério das Infraestruturas não avançam os termos do acordo. O SMAQ também não adianta pormenores porque, diz António Domingues, quer primeiro dá-los a conhecer aos dirigentes sindicais e aos outros associados, um processo que ainda poderá levar vários dias. Não refere, por isso, o valor dos aumentos salariais acordados, mas diz que, apesar de não ser exatamente o que queriam — aumentos em linha com a inflação, que foi de 7,8% em 2022 quando o proposto pela empresa no início deste ano foi de 51 euros, o que dá uma progressão média de 3,89%, nas contas das estruturas sindicais —, foi um “patamar mínimo”. António Domingues não esclarece se o aumento acordado passará por uma subida intercalar igual à decidida pelo Governo para a função pública, de 1% nos salários e de 80 cêntimos por dia no subsídio de refeição.

A subida salarial acordada é “minimamente satisfatória face às reivindicações”, afirma, sem revelar valores. O acordo foi firmado também para “trazer alguma estabilidade à empresa”, que tem sido afetada por greves, sobretudo parciais, convocadas pelo SMAQ e por outros sindicatos, e que suprimiu centenas de comboios nos últimos meses.

Em abril, os maquinistas do SMAQ cumpriram uma greve parcial, por exemplo, ao trabalho em períodos superiores a 7h30 ou uma semana de greve ao trabalho extraordinário, incluindo ao trabalho em dia de descanso semanal. “Era o que faltava se, após quatro meses de greves, de prejuízos financeiros para a empresa, a tutela e a empresa não reagissem”, atira o sindicalista.

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O acordo entre CP e SMAQ foi anunciado na quinta-feira, num comunicado divulgado pela CP, em que a empresa celebra o “fim a ciclo de greves” e acrescenta que o entendimento foi alcançado “com a colaboração do Ministério das Infraestruturas, que mediou as conversas entre as partes envolvidas”, após “negociações intensivas, ao longo da última semana“. “O acordo estabelecido é fruto de um esforço conjunto entre a administração da CP e o SMAQ, demonstrando a vontade de ambas as partes em resolver o conflito laboral e assegurar a continuidade dos serviços prestados aos passageiros”, salienta a CP, que nada adianta sobre o conteúdo do acordo.

CP chega a acordo com maquinistas para fim das greves “com a colaboração do Ministério das Infraestruturas”

Além dos aumentos salariais, houve entendimento quanto a melhorias no material circulante — incluindo dirigidas ao “conforto” dos maquinistas durante o período de trabalho, no sentido de uma “renovação das condições ergonómicas”, diz António Domingues — e haverá também alterações no acompanhamento psicológico aos maquinistas. Segundo explica o dirigente sindical, até aqui, esse apoio era mais “circunstancial” (por exemplo, nos casos em que há atropelamentos acidentais) e curto, passando a ser mais “prolongado no tempo” e podendo ser pedido quando o trabalhador quiser.

Negociações entre CP e SMAQ “ganharam maior intensidade” em semana de crise política. Ministro reuniu-se com maquinistas em abril

Em resposta a várias perguntas do Observador, fonte oficial da CP indicou que as negociações entre a empresa e o SMAQ “estiveram sempre em aberto, mas ganharam maior intensidade nesta semana“, o que permitiu evitar mais greves. Esta foi uma semana de crise política em que o ministro João Galamba apresentou a demissão e o primeiro-ministro a recusou, contra a vontade do Presidente da República.

A empresa refere que o Ministério das Infraestruturas — não refere quem, ao certo — “acompanhou de perto todas as reuniões entre a CP e o SMAQ, desempenhando um papel mediador no processo de negociação“. As conversações entre as duas partes “foram conduzidas quase sempre pela vice-presidente da CP, Isabel Ribeiro”, mas “houve uma perfeita articulação com o presidente da CP, o ministro das Infraestruturas e o secretário de Estado das Infraestruturas, garantindo que todas as partes envolvidas estivessem alinhadas e informadas durante o processo”.

Num comunicado da quinta-feira, o SMAQ também menciona a intervenção do Ministério das Infraestruturas. “Na última semana, foi desenvolvida intensa e extensa negociação, tanto com o Ministério das Infraestruturas como depois com o Conselho de Administração da CP, que resultou no acordo alcançado hoje [quinta-feira]”, refere. Ao Observador, Domingues rejeita qualquer ligação entre a assinatura do acordo e a crise política, porque os encontros já estavam “marcados há mais tempo”, somam-se a negociações que vêm de trás, em que é comum incluírem o Ministério das Infraestruturas (uma vez que a CP não tem autonomia financeira para tomar decisões).

Maquinistas consideram que acordo com CP alcança os objetivos propostos

O dossiê da CP é da competência do secretário de Estado das Infraestruturas, Frederico Francisco. Mas, segundo apurou o Observador, João Galamba também interveio no tema, nas últimas semanas, numa tentativa de evitar novas paralisações e, a 19 de abril, reuniu-se com o SMAQ em conjunto com o secretário de Estado. O Observador não conseguiu apurar se Galamba ou Frederico Francisco marcaram presença nalguma reunião esta semana com CP, SMAQ ou os dois no âmbito do acordo.

O trabalho de intermediação do Governo foi também feito ao nível da articulação com as Finanças. Segundo apurou o Observador, as Infraestruturas trabalharam com o ministério de Fernando Medina para identificar a margem financeira disponível para as diversas rubricas do acordo.

António Costa, esta sexta-feira, quando questionado pelos jornalistas sobre se o ministro tem condições para conduzir o processo de privatização da TAP, atribuiu a Galamba o sucesso do acordo entre CP e SMAQ. “As condições para cada um de nós exercer as suas funções medem-se, desde logo, pelos resultados. Ainda ontem, o senhor ministro das Infraestruturas teve ocasião de lograr um acordo que pôs termo a uma greve na CP, que já se arrastava há bastante tempo, prejudicando a vida e o dia-a-dia dos portugueses”, afirmou Costa. Pôr fim à greve com um acordo que “significa uma enorme melhoria para a qualidade de vida dos portugueses, paz na empresa, que é uma empresa fundamental para a atividade do país e para os portugueses que precisam diariamente da CP para se deslocarem”, acrescentou. “É uma excelente notícia e é a melhor demonstração de que está a exercer as suas funções e com bons resultados.”

CP vai reunir-se com outros sindicatos

No comunicado, o SMAQ — que tem cerca de 800 maquinistas na empresa — referia que, com o acordo, o sindicato alcançou “os objetivos a que nos propusemos e exigidos pelos associados”, embora, em declarações ao Observador, António Domingues admita que “não era o que desejaríamos”, mas “é suficiente”. “Atingimos um patamar de entendimento em que foram satisfeitas algumas das nossas reivindicações, e foram suficientes para chegarmos  a acordo”, acrescenta. Mas Domingues sublinha que o acordo só põe fim às greves no curto prazo e não descarta novas paralisações até às próximas negociações salariais, dessa vez para 2024, caso o que foi acordado não seja cumprido.

Outra questão que se impõe é se este acordo vai ser replicado com os outros sindicatos. Ao Observador, a CP indica que planeia realizar reuniões individuais com cada uma das organizações representativas dos trabalhadores” na próxima semana, num processo que será “conduzido em estreita articulação com o Ministério das Infraestruturas, garantindo a comunicação e colaboração entre todas as partes envolvidas”. Mas não esclarece se a ideia é também firmar acordos.

A concretização de um acordo é a expectativa do Sindicato Ferroviário da Revisão Comercial Itinerante (SFRCI), diz o presidente, Luís Bravo, que na segunda-feira vai reunir-se com o Ministério e com outros sete sindicatos da CP. A expectativa é que João Galamba esteja presente nesse encontro, mas o Ministério não confirma.

CP de novo em greve. Que força sindical é esta que faz parar os comboios?