A Comissão Europeia reconhece que a decisão do Tribunal Geral de Justiça da União Europeia de anular as ajudas de Estado aprovadas em 2020 com destino à Lufthansa e à SAS gera “incerteza para todas as companhias afetadas e para todo o setor da aviação”. Numa declaração emitida esta quarta-feira, a vice-presidente da Comissão que tem o pelouro da concorrência, Margrethe Vestager, indicou que os serviços da DG Comp “vão estudar com urgência as sentenças e as suas implicações”.

“Estamos conscientes da incerteza que estas decisões geram para as companhias envolvidas e para o setor da aviação, em geral. Apesar de ser ainda muito cedo para dar uma indicação sobre qual a resposta apropriada, neste momento talvez todas as opções estejam em cima da mesa”.

Esta quarta-feira, o Tribunal Geral de Justiça da UE anunciou a anulação a decisão da Comissão Europeia, que aprovou em junho de 2020 a ajuda de seis mil milhões de euros atribuída pelo Estado alemão à Lufthansa. A anulação surge na sequência de uma queixa apresentada pela Ryanair e pela Air Condor. O Tribunal anulou também o aval dado por Bruxelas ao contributo da Dinamarca e da Suécia de mil milhões de euros para a capitalização da SAS, questionada apenas pela transportadora irlandesa.

Que ajudas estão a receber as companhias aéreas? Que cortes têm de fazer? A TAP é exceção?

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Nos dois casos, a aprovação da DG Comp teve como enquadramento o regime temporário de ajuda pública ao setor aéreo em resposta aos efeitos devastadores que a pandemia estava a ter na operação destas empresas. Bruxelas considerou que os dois planos eram compatíveis com as regras do mercado interno, ao abrigo do regime temporário, e deu a sua aprovação aos pacotes sem realizar uma investigação aprofundada.

A Lufthansa já devolveu as ajudas recebidas ao Estado alemão no ano passado, o que a habilita a concorrer à compra da TAP — já que o impedimento temporário da compra de empresas concorrentes foi uma das exigências de Bruxelas para aprovar o capitalização pública.

Mas no caso da SAS, Bruxelas está em contactos “próximos e construtivos” com as autoridades suecas e dinamarquesas para avaliar as implicações desta anulação da ajuda pública na reestruturação que está em curso na companhia escandinava, apesar de considerar que não existe uma ligação direta entre a sentença do tribunal e a reestruturação da SAS.

Mas as implicações podem ser mais extensas e atingir outras companhias aéreas ajudadas, como é o caso da TAP que, aliás, já viu uma primeira ajuda pública anulada em 2021.

Ryanair vai contestar todas as decisões favoráveis ao plano da TAP

Isto porque a Ryanair apresentou uma chuva de queixas no Tribunal contra quase todos os planos de apoio financeiro dos países europeus às chamadas companhias de bandeira que são suas concorrentes, incluindo a TAP e a SATA  — ainda que os apoios às duas companhias portuguesas tenham sido autorizados ao abrigo de um outro regime europeu — resgate e reestruturação — e as aprovações tenham sido antecedidas de investigações aprofundadas que impuseram condições nos respetivos planos de reestruturação.

A aprovação de Bruxelas ao empréstimo de 1,2 mil milhões de euros de emergência dado à TAP em junho de 2020 foi uma das primeiras decisões a ser anulada no Tribunal Geral da UE, na sequência de uma queixa da companhia irlandesa, mas com um efeito suspenso.

A Comissão Europeia recorreu, tendo aberto uma investigação aprofundada ao plano português para resgatar a TAP que resultou na aprovação, no final desse ano, do pacote de 3,2 mil milhões de euros, o qual inclui o empréstimo inicial convertido em capital e compensações de 640 milhões de euros por danos diretos causados pelas restrições aos voos impostas pelas autoridades de vários países.

Só que a Ryanair recorreu da reaprovação da ajuda inicial dos 1,2 mil milhões de euros e das compensações Covid atribuídas em 2021. No primeiro caso, a empresa low-cost argumenta que houve um “erro manifesto de apreciação” por não ter sido determinado corretamente se as dificuldades da TAP eram “demasiado graves para serem corrigidas pela própria, e se são intrínsecas ou resultado de distribuição arbitrária de custos dentro do grupo a que pertence”. A ajuda foi concedida à TAP SGPS cuja situação financeira líquida negativa foi, em grande parte, causada pelas perdas na manutenção do Brasil. E questiona ainda  a compatibilidade do auxílio com o interesse comum e a sua proporcionalidade e efeitos negativos.

No caso do apoio Covid, a Ryanair argumenta que os serviços da concorrência europeus cometeram um erro manifesto de apreciação na sua avaliação da proporcionalidade do auxílio face ao prejuízo gerado pela crise. E questionam a não abertura prévia de um procedimento formal de investigação, o que “violou os direitos processuais” da empresa irlandesa.

Bruxelas cometeu “vários erros” no auxílio à Lufthansa, diz Tribunal

Já no que toca à anulação da ajuda à Lufthansa, o Tribunal concluiu que Bruxelas cometeu “vários erros”, em particular ao considerar que a companhia seria incapaz de obter financiamento nos mercado para a totalidade das suas necessidades de liquidez e por não ter exigido um mecanismo de incentivo ao reembolso mais célere da ajuda recebida do Estado alemão. Outra falha apontada foi ignorar a circunstância da empresa alemã ter um poder significativo em certos aeroportos. Bruxelas exigiu a cedência de até 24 slots diários nos aeroportos de Frankfurt e Munique — os hubs da Lufthansa — nos quais existe um certo grau de congestionamento. No caso da TAP, empresa com uma dimensão muito menor, a exigência foi 18 slots no aeroporto de Lisboa, uma infraestrutura conhecida pelo seu elevado nível de congestionamento.

A sentença considerou também que os serviços da concorrência aceitaram compromissos que não asseguraram a preservação de uma concorrência efetiva no mercado.

Antes da declaração de Margrethe Vestager, fonte oficial da DG Comp explicou ao Observador que a Comissão registou a decisão do Tribunal Geral que anulou a decisão de aprovar em 2020 um contributo do Estado alemão para capitalização da Lufthansa, ao abrigo do quadro temporário de apoio à aviação adotado no quadro da Covid-19. “Vamos estudar cuidadosamente a decisão e refletir sobre os próximos passos”, adianta.