Um aluno da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) está a ser investigado por xenofobia, avançou na quinta-feira, 11 de maio, o jornal O Globo. Em causa estão os comentários proferidos por Hélder Semedo, a 20 de abril, a alunos brasileiros, a propósito de uma carta dirigida ao presidente do Brasil, Lula da Silva, aquando da vinda do chefe de Estado a Portugal para discursar na Assembleia da República, no feriado do 25 de abril.

No episódio em causa, o aluno alvo do processo disciplinar terá feito referência ao polémico caso de 2019 em que o grupo Tertúlia Libertas, da mesma faculdade, colocou uma caixa com pedras na instituição com a indicação “grátis se for para atirar a um ‘zuca’ (que passou à frente no mestrado)”.

De acordo como o jornal brasileiro Folha de São Paulo, a carta redigida pelos alunos continha queixas relacionadas com casos de discriminação vividos em Portugal, dificuldades burocráticas enfrentadas por imigrantes, dificuldades no acesso à habitação e ainda o montante mais elevado cobrado pelas universidades aos alunos estrangeiros.

Hélder Semedo, que é também conselheiro da Universidade de Lisboa, terá começado por gozar com o facto de os autores da carta utilizarem “Lula” para se dirigirem ao presidente brasileiro, fazendo depois declarações irónicas acerca das queixas descritas — terminando com uma referência ao polémico episódio da caixa com pedras: “As pessoas que escreveram isto acho que de fato mereciam levar com uma pedra”, referiu Hélder Semedo.

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“Lula, é só para dizer que Portugal é um país péssimo, somos super maltratados, mas, mesmo assim, somos tão burros que continuamos a ir para lá”

O encontro com Hélder Semedo aconteceu depois de os alunos luso-brasileiros  — “abertos a qualquer opinião ou alteração” — terem procurado a Associação Académica daquela faculdade em busca de opiniões e potenciais alterações à carta, descreveu ao O Globo, Pedro Fortuna, diretor da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa.

Sobre as declarações de Hélder Semedo, a ata da reunião descreve: “Refere, ainda, que a carta tem erros cruciais, como a menção do presidente Luiz Inácio como “Lula”, como se os estudantes estivessem a dizer: “Lula, é só para dizer que Portugal é um país péssimo, somos super maltratados, mas, mesmo assim, somos tão burros que continuamos a ir para lá”(…) “As pessoas que escreveram isto acho que de fato mereciam levar com uma pedra”.

O episódio que deu origem às acusações de xenofobia foi primeiro omitido da ata da reunião por violar a “dignidade da reunião”, segundo as normas da Reunião Geral de Alunos (RGA). Após uma “confusão” acerca da votação para a sua potencial inclusão, o relato foi acrescentado por eleição.

Na sequência destas declarações, Semedo foi suspenso da reunião por António Cortês, presidente da Reunião Geral de Alunos, reagindo com ameaças a dois alunos. “Ele levantou-se, veio na minha direção, parou ao meu lado e chamou-me para ir lá fora resolver fisicamente com ele”, descreveu ao mesmo jornal Vitor Andrade André.

Faculdade de Direito “repudia e não tolera” discriminação

Enviada à direção uma nota de repúdio assinada por 19 conselheiros da faculdade, esta quinta-feira, 11 de maio, a FDUL avançou com o processo disciplinar para investigar Hélder Semedo. “A FDUL repudia e não tolera qualquer situação de discriminação. Tendo tomado conhecimento do sucedido, a FDUL decidiu avançar no imediato com um processo disciplinar ao referido aluno”, informa a nota enviada ao O Globo.

O comunicado frisa ainda o apoio incondicional a docentes e não docentes, referindo “mecanismos de apoio, de que é exemplo o Provedor do Estudante, a quem podem reportar estas situações.” Não refere, no entanto, as consequências para Hélder Semedo. A expectativa de alguns alunos é de que este seja suspenso, considerando as normas da faculdade.

Ao O Globo, Hélder Semedo negou ter proferido comentários xenófobos e descreveu como uma brincadeira a alusão ao episódio da caixa de pedras —  referindo ainda “familiares brasileiros” para se defender.

“Estive na reunião, os ânimos exaltaram-se, mas não fiz comentários xenófobos”, disse. “Quanto ao caso das pedras, considerava uma brincadeira de alunos, uma crítica ao sistema que havia”. Semedo refere ainda que enviou uma queixa ao Ministério Público por terem “agido de forma leviana”.

O episódio motivou os alunos luso-brasileiros a organizarem uma manifestação, marcada para a próxima terça-feira, às 17 horas.