O músico brasileiro Martinho da Vila vem a Portugal para apresentar uma homenagem às religiões de matriz africana no Brasil e aos escravos, num esforço de sensibilização contra o racismo e preconceito e, em entrevista à Lusa, por ocasião dos seus concertos em Portugal, Martinho da Vila também comentou a situação política no Brasil e destacou a complexidade do trabalho do seu amigo, Lula da Silva, à frente do país.

“Atualmente não se faz muito um álbum inteiro, não é? Grava-se uma música ou duas põe-se na internet e nas redes sociais, mas a minha editora pediu para eu fazer um álbum, um disco” e “tive a ideia de fazer um disco diferente dos meus, que normalmente têm muito ritmo, muitos coros e muitos sons”, afirmou Martinho da Vila, justificando a opção por um registo que não é habitual.

“Pensei, ‘vou fazer uma coisa mais miúda’. E aí pensei em ópera”, em que as “músicas são todas meio dramáticas”, justificou o músico, que apresentou o álbum no Brasil a 13 de maio, dia da abolição da escravatura.

O disco inclui rearranjos e duetos e conta com três canções inéditas, associadas à matriz africana e indígena do Brasil: uma homenagem a um capoeirista baiano, um índio e à religião dos escravos, que mistura traços de catolicismo e animismo, a umbanda.

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No Brasil, “o tema da escravatura já foi ultrapassado mas ainda há um pouco de trabalho escravo no Brasil”, avisou Martinho da Vila.

O Brasil é “um país muito grande e tem umas regiões lá do norte do Brasil, não muito habitadas, que costumam atrair pessoas para trabalhar com oferta de melhor salário. Aí, depois, [as pessoas] chegam lá não conseguem sair”, explicou o músico.

Quanto à luta contra o racismo, Martinho da Vila admite que esse é um processo contínuo no Brasil mas também na Europa, numa referência ao caso que envolve o futebolista brasileiro Vinicius Jr., do Real Madrid, que tem sido visado por insultos racistas e já motivou condenações internacionais.

O povo é quem mais ordena e o povo gosta de Martinho da Vila

O “preconceito e o racismo são uma doença mundial, mas tem cura”, afirmou Martinho da Vila, evocando o dirigente sul-africano Nelson Mandela: “ninguém nasce racista, aprende a ser racista. E se aprendeu a ser racista, pode aprender a deixar de ser”.

Apesar disso, o “preconceito já diminuiu muito”, considerou o músico, salientando que no passado recente “não se via imagens de negros em capas de revistas ou em campanhas publicitários”, um sinal de que “as coisas estão a mudar lentamente”.

Em Portugal, Martinho da Vila vai apresentar a sua nova obra nos coliseus do Porto (26 de maio) e Lisboa (27 de maio), seguindo-se depois a um concerto no Algarve (Fuzeta), a 4 de junho, por ocasião do festival Pé Na Terra.

Com concertos regulares em Portugal, Martinho da Vila admitiu que mudou a sua imagem dos portugueses e que hoje tem uma relação fiel com o seu público deste lado do Atlântico.

“Existe uma empatia grande” e “eu gosto muito de Portugal”, mas “quando eu era mais jovem tinha uma imagem diferente de Portugal e do português”, disse.

A imagem dos imigrantes portugueses no Brasil era a de”um pessoal não muito educado, mais grosseiro e mais tosco”, disse, reconhecendo que a sua visão mudou quando visitou Portugal: “O português é dócil, é interessante”.

Martinho da Vila confia numa maior aposta na cultura por parte de Lula da Silva

O músico brasileiro Martinho da Vila mostrou-se esta quinta-feira confiante do governo do Brasil de Lula da Silva e disse esperar uma maior aposta na cultura para compensar os “quatro anos muito difíceis” do seu antecessor, Jair Bolsonaro.

“Nós tivemos um período difícil, foram quatro anos complicados” e um “Presidente da nação é como se fosse o chefe da família, tem de dar exemplo”, coisa que não sucedeu, disse o músico.

Pelo contrário, Jair Bolsonaro era “grosseiro e mal educado” e “não dava atenção” aos problemas do país, afirmou.

“Felizmente agora já mudou, ele já saiu, já está lá o Lula que é mais acessível, mais alegre, mais ligado à cultura”, disse o artista brasileiro, que tem vários concertos agendados para Portugal nos próximos dias.

O Lula tem uma missão complicada. Uma coisa é dirigir uma empresa que está andando bem e outra coisa é gerir uma empresa que não está bem” e ele “precisa primeiro de consertar as coisas”, antes de poder desenvolver a sua própria política, considerou Martinho da Vila.

Apoiante de Lula da Silva, que visitou na prisão, Martinho da Vila mostra-se confiante num bom trabalho, nomeadamente na área da cultura e educação.

Lula “é meu amigo e é também ligado à cultura”. Quando “foi presidente [2003-2011], ele não tem uma escolaridade alta, mas deu muito incentivo às universidades, abriu a cabeça das pessoas”, recordou Martinho da Vila.