A França está a viver uma terceira noite de protestos violentos com 40 mil agentes de segurança nas ruas. O Le Figaro indica que pelo menos 176 pessoas foram presas em todo o país só na quinta-feira na sequência dos confrontos entre manifestantes e a polícia. Há tumultos em Paris, Estrasburgo, Bordéus, Marselha, Lyon, Lille e Toulouse. Pela meia-noite e meia (hora local), as linhas telefónicas dos bombeiros de Paris estavam sobrecarregadas.

O agente que disparou fatalmente sobre o jovem de 17 anos na terça-feira está a aguardar o julgamento em prisão preventiva. “A primeira coisa que fez foi pedir desculpa”, contou na noite desta quinta-feira o advogado do polícia que matou o jovem ao canal de televisão francês BFMTV. Laurent-Franck Lienard acredita que nem todos os manifestantes nos protestos estão à procura de justiça e adiantou ainda que vai pedir recurso da prisão preventiva do seu cliente.

Um vídeo na conta de Twitter da Perkut Media mostra momentos de tensão entre manifestantes e polícia na estação de metro de Chatelet-les-Halles durante a noite de quinta-feira, uma das principais estações de metro de Paris. É possível ouvir gritos de algumas pessoas. Houve pelo menos 40 indivíduos envolvidos num roubo a uma loja da Nike neste local e 11 pessoas foram detidas.

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Em Clermont-Ferrand, foram lançados fogos-de-artifício sobre a polícia. Em Lyon, os manifestantes atacaram uma biblioteca e uma esquadra. Também em Bordéus foi atacada uma esquadra. Em Pau, um vídeo mostra o momento em que uma delegacia é incendiada. Em Avignon, 30 indivíduos tentaram fazer arder uma esquadra.

Em Bron, imagens impressionantes mostram um autocarro a pegar fogo. Em Val-d’Oise, no norte de França, há imagens de um salão de cabeleireiro a arder.

Na terça e quarta-feira, já tinham sido pelo menos 180 pessoas detidas e 170 polícias feridos sem gravidade. Os confrontos entre manifestantes e polícia começaram na terça-feira à noite, depois de o agente ter matado a tiro um jovem de 17 anos em Nanterre, nos arredores de Paris.

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No final de um encontro em Matignon, David Lisnard, presidente da Associação de Autarcas de França leu uma “declaração conjunta”, assinada também pela Primeira-ministra francesa, Elisabeth Borne e o Ministro do Interior, Gérald Darmanin.

Lisnard, que é também autarca de Cannes, mencionou “legítima emoção” pela morte de Nahel, mas condenou os “atos inadmissíveis e inaceitáveis” que marcaram os últimos dias e lamentou os ataques a carros e edifícios públicos. “A violência não vai resolver nada, pelo contrário. Só a justiça trará a paz”, disse.

A tensão na “marcha branca” em memória de Nahel — que se esperava silenciosa — escalou em Nanterre esta quinta-feira. Cerca de 6.200 pessoas participaram nos protestos. Vários carros foram capotados e incendiados, gerando uma espessa nuvem de fumo.

Houve confrontos entre a polícia e alguns dos manifestantes. As forças de segurança estão a intervir na procissão, que começou por volta das 16h (15h em Lisboa) com um minuto de silêncio perto da Câmara Municipal. A polícia chegou mesmo a disparar gás lacrimogéneo sobre os manifestantes.

Várias cargas policiais tentaram controlar a situação. O jornalista independente Clément Lanot partilhou no Twitter alguns vídeos dos confrontos, que mostram cocktails Molotov a serem lançados contra as forças policiais.

O Presidente Emmanuel Macron convocou esta quinta-feira ao início da manhã um gabinete de crise com vários ministros para lidar com a situação: a noite tinha sido de caos e tensão em vários pontos do país, saindo já dos limites de Nanterre, com edifícios públicos a arder — de escolas a tribunais —, gás lacrimogéneo e até o ataque a uma prisão.

E se, na quarta-feira, o Chefe de Estado tinha considerado a morte do adolescente Nahel, “injustificável e indesculpável”, esta quinta-feira, na abertura da reunião interministerial, denunciou “a violência injustificável contra as instituições da República”, e apelou à calma, na linha do que já tinha feito o ministro da Administração Interna ao início da manhã.

Foi aliás, Gérald Darmanin, quem atualizou os dados dos detidos nas redes sociais. Numa curta declaração aos jornalistas ao final da manhã, disse que tinham sido detidas pelo menos 180 pessoas e que 170 agentes da polícia tinham sido feridos durante os confrontos. A antever uma nova noite de tumultos, o ministro anunciou a mobilização de 40 mil polícias, mais do que o quádruplo dos nove mil que estiveram na rua na noite de quarta para quinta-feira. Mas excluiu a necessidade de declarar estado de emergência como alguns adversários políticos chegaram a pedir.

Foi “uma noite de violência insuportável contra os símbolos da República: câmaras municipais, escolas e esquadras de polícia incendiadas ou atacadas”, escrevera logo de manhã o ministro no Twitter.

Para além dos ataques a lojas, câmara e escolas, o Le Fígaro refere ainda uma tentativa de fuga de reclusos da prisão de Fresnes, na mesma zona. Um grupo de homens encapuzados tentou entrar na prisão, mas não conseguiu apesar de ter lançado a confusão. O ministro da Justiça desloca-se na manhã desta quinta-feira a cadeia bem como ao tribunal de Asnière que foi incendiado durante a noite.

Em Nanterre, onde os confrontos foram mais intensos, “vários edifícios públicos e privados, incluindo escolas, sofreram danos significativos e inaceitáveis, por vezes irreparáveis“, afirmou a autarquia, apelando para o fim desta “espiral destrutiva”.

https://twitter.com/Le_Figaro/status/1674031518858219521

Ao apelo de Macron, e de outros governantes, à calma, as vozes da oposição respondem com o pedido de declaração do estado de emergência imediato. Assim o fizeram Éric Ciotti dos republicanos, e o nacionalista Eric Zemmour, presidente do partido de extrema-direita Reconquête, no Twitter.

Já Jean-Luc Melanchon, presidente do França Insubmissa, preferiu fazer “apelos à justiça” para com Nahel, o jovem que morreu às mãos da polícia.

Ministério Público abre inquérito ao polícia por homicídio voluntário

A onda de violência começou na terça-feira à noite depois de Nahel, o jovem de 17 anos ter sido baleado no peito pela polícia, após a interceção do carro que conduzia sem documentos. O agente que disparou e que está detido, alegou, numa primeira audiência, que agira “em legítima defesa”.

Morte de jovem de 17 anos pela polícia causa distúrbios nos arredores de Paris

A polícia descreveu ainda uma tentativa de atropelamento e fuga, embora um vídeo amador não sustentasse essa versão. Mas já nesta quinta-feira de manhã o procurador de Nanterre  disse que a análise dos gravações das câmaras de videovigilância e dos vídeos amadores confirmavam a versão dos dois polícias.

Pascal Prache anunciou a abertura de um inquérito ao polícia por homicídio voluntário. “Não estavam reunidas as condições legais para o uso da arma”, afirmou o procurador em conferência de imprensa.

Segundo o Le Fígaro, o agente explicou no seu interrogatório que queria “evitar que o jovem voltasse a fugir”. Tendo em conta “a forma perigosa da sua condução, ficou com receio que alguém fosse atropelado e receou ser ferido pelo movimento do carro”, argumentou. O jornal francês adianta que Nahel era conhecido da polícia: tinha sido detido 12 vezes por vários delitos e tinha-se recusado a obedecer a ordens quatro vezes.

O procurador revelou ainda que a autópsia concluiu que a morte resultou de um único tiro que atravessou o braço esquerdo e atingiu depois o tórax do menor e que não foram encontrados no carro quaisquer estupefacientes ou álcool.

Não foi só na rua que os ânimos se exaltaram. A  morte do adolescente levantou logo na terça-feira um coro de protestos incluindo os de políticos que denunciaram o uso excessivo da força policial. Na quarta-feira Macron e a primeira-ministra expressaram solidariedade com a família de Nahel tenho o Presidente frisado que a sua morte “é inexplicável e indesculpável”.