Morreu este sábado aos 90 anos o historiador José Mattoso, confirmou o Observador junto de fonte próxima da família. José Mattoso, nascido em 1933 na cidade de Leiria, foi uma das principais referências do país no que respeita ao estudo das origens de Portugal e à história da Idade Média em Portugal.

Antigo monge beneditino, especializado na história das ordens religiosas e da aristocracia nos séculos X a XIII, José Mattoso foi o autor de uma vasta obra, em que se incluem livros fundamentais como Identificação de um País (1985) ou as coletâneas História de Portugal História da Vida Privada em Portugal.

“O livro de José Mattoso é muito mais do que um estudo erudito da formação do reino de Portugal na Idade Média. É uma das mais importantes reflexões alguma vez publicadas sobre Portugal”, escreveu em 2015 no Observador o historiador Rui Ramos, referindo-se à obra Identificação de um País. “José Mattoso transformou, ao lado de Orlando Ribeiro, a nossa maneira de ver o país.”

Mattoso foi monge beneditino durante vários anos no mosteiro de Singeverga, em Santo Tirso, antes de trocar a vida monástica pela investigação histórica. Em entrevista ao Expresso em 2021, garantiu que foi a vocação monástica que o levou à História: “Para mim, a História está em segundo plano. O mais importante é a relação com Deus. (…) A História foi o caminho que segui para conhecer a ordem religiosa em que queria professar.”

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Acabaria por deixar a vida monástica por “incompatibilidade com o teor de vida” seguido no mosteiro: José Mattoso procurava uma vida contemplativa, mas em Singeverga os monges eram preparados para a vida ativa. “Decidi pedir a dispensa dos votos religiosos, que me foi concedida, e regressar à vida laica.”

Casou-se, mas sem perder a fé e a ligação à Igreja, e entrou na vida académica como professor de História Medieval na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Mas voltaria a refletir, em longos momentos de isolamento e silêncio em aldeias do interior, sobre a possibilidade de regressar à vida monástica — embora nunca o tenha feito.

A própria vocação levou-o ao interesse pela Idade Média, em busca das origens da vida monástica, “nos séculos VI a XV”.

Na mesma entrevista ao Expresso, em 2021, rejeitou fazer uma análise da sua própria história, destacando apenas o seu percurso como religioso e como professor universitário — além do trabalho que desenvolveu com o Arquivo da Resistência em Timor.

Entre 1996 e 1998, José Mattoso foi o diretor da Torre do Tombo.

Entre os prémios que recebeu durante a sua carreira académica, destacam-se o Prémio Alfredo Pimenta, em 1985; o Prémio Pessoa, em 1987; e o Prémio Ávore da Vida — Padre Manuel Antunes, em 2019.

Reações. “Um herói”; “um dos grandes”; “um dos maiores historiadores de sempre”

São várias as reações que vão surgindo à morte de José Mattoso. O Presidente da República evocou José Mattoso, que considerou “um dos maiores historiadores portugueses e um dos grandes sábios portugueses.” Marcelo Rebelo de Sousa lembra que “além de uma longa e indispensável bibliografia no campo da História Medieval, o Prof. José Mattoso coordenou uma importante «História de Portugal» em oito volumes, escreveu sobre historiografia e sobre a identidade nacional.”

O chefe de Estado lembra que “mesmo depois de deixar a vida consagrada [como monge beneditino], nunca abandonou a dimensão do sagrado e da fé” e recorda que “ainda recentemente, no passado mês de janeiro, quando fez 90 anos” teve a “oportunidade de lhe exprimir a gratidão e a admiração dos portugueses.”

O primeiro-ministro também referiu o desaparecimento de José Mattoso, enviando “sentido pêsames à família” e recordando-o como “figura notável” da “historiografia e referência maior da cultura“. Para António Costa, os portugueses devem ao historiador “um novo olhar sobre a nossa identidade, um conhecimento profundo do nosso passado e um cuidado na preservação da memória do país”, como escreveu na sua conta oficial do Twitter.

O historiador e fundador do partido Livre, Rui Tavares, diz ao Observador que José Mattoso deixa um “legado imprescindível” para a compreensão da História de Portugal e que “estará para a história como o Orlando Ribeiro está para a geografia”. Rui Tavares diz que Mattoso era um “professor que impressionava muito os seus alunos” e que “teve a sorte de ter aulas” com aquele que era até este sábado “o maior historiador do País e um dos maiores historiadores de sempre.”

O Ministério do Ensino Superior, citado pela Lusa, também lamentou a morte de José Mattoso, uma “figura maior da academia portuguesa” com uma visão “original, profunda e serena”  e com um “compromisso ético inabalável com o pensamento e a cidadania”.

“A José Mattoso ficamos também a dever obras incontornáveis para a historiografia portuguesa e para a reflexão sobre o país e a sua identidade”, refere o MCTES, dando como exemplos “Identificação de um País” (1985) ou a coordenação da “História de Portugal”.

Rui Tavares diz que foi “uma grande surpresa” José Mattoso ter aceitado ser mandatário nacional do Livre nas primeiras eleições a que o partido se submeteu. O fundador do Livre lembra ainda a carta que Mattoso lhe enviou uma carta de grande “generosidade” depois de se ter inscrito para votar nas eleições primárias do Livre.

O presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, escreveu no Twitter para dizer que “a morte de José Mattoso é uma enorme perda para a ciência e cultura portuguesa“, mas que “ficam o seu exemplo de vida e a sua interpretação histórica de Portugal, que continuarão a iluminar-nos.”

O vice-presidente do PSD, Paulo Rangel, já sinalizou a morte do historiador, confessando que José Mattoso é um dos seus heróis. Conta que o conheceu em 1983 e que nunca mais lhe perdeu o rasto. “Devo-lhe a minha paixão pela Idade Média ou não fosse (N)aquele Tempo”, escreveu Rangel. Que conclui: “Perdemos um dos melhores”.

O antigo secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas, também fez o seu elogio fúnebre ao historiador: “Um dos grandes. José Mattoso, 1933-2023.”

Pilar del Río, que preside à Fundação José Saramago, recordou o historiador José Mattoso no Twitter como “uma das pessoas que José Saramago admirava e respeitava”. A Fundação José Saramago, escreve Pilar del Río, “está de luto”.

Artigo atualizado com reação do Ministério do Ensino Superior