Não se esperava que fosse diferente a linha de apreciação, em Plenário, do relatório final da comissão de inquérito sobre a TAP daquela que foi sendo referida pelos grupos parlamentares. Sob protesto do Livre e do PAN por não terem participado na comissão de inquérito, a apreciação esta tarde do relatório da TAP põe fim (só falta a publicação em Diário da Assembleia da República) a esta iniciativa parlamentar.

Num debate em que voltou muito a ouvir a acusação de branqueamento e no qual a expressão “rolo compressor” foi ouvida de um lugar menos óbvio do Parlamento, a abertura pertenceu ao presidente da comissão de inquérito, o socialista Lacerda Sales, cujo desempenho elogiado foi a única coisa que conseguiu unir os partidos nesta comissão parlamentar de inquérito à TAP.

Para o ex-governante socialista, a CPI “não resolveu problemas da TAP”, mas não venham dizer que não valeu a pena porque o “esclarecimento de quem nos elege vale sempre a pena”. Para Lacerda Sales, a comissão de inquérito contrariou expectativas  e silenciou quem queria reduzir a discussão sobre a TAP luta partidária. E “apesar das dificuldades, limitações e vicissitudes honrou o Parlamento e democracia”.

Na bancada do PS não estava um daqueles que a Iniciativa Liberal acusou de ter sido branqueado pelo relatório – Pedro Nuno Santos voltou ao Parlamento, como deputado, a 4 de julho.

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Bernardo Blanco, da IL, foi o primeiro a notar, nas declarações, a ausência. “Estará em casa a ouvir”, assumiu, dizendo que esperava ouvi-lo “a elogiar o relatório que o irresponsabiliza”. Um relatório que, nas palavras do deputado liberal, foi feito com os óculos cor de rosa do PS. “Todo o Parlamento, exceto o PS, votou contra [o que motivou o protesto do Livre, dizendo que “não é verdade que todo o parlamento votasse contra”, já que o Livre, segundo referiu Rui Tavares, foi impedido de participar na CPI]”.

“Os portugueses viram múltiplos casos de ingerência política, horas e horas de audições. Nada disso está no relatório. O PS tapou os olhos a tudo isto com o objetivo claro de não permitir ao primeiro-ministro tirar conclusões políticas, nomeadamente a demissão do ministro João Galamba”, continuou Bernardo Blanco acrescentando que quem se mete com o PS leva, tendo um dos deputados socialistas, sentado do outro lado do hemiciclo, atirado constantemente ataques a Bernardo Blanco que se disse imune a pressões políticas. “Continuam muito nervosos”, respondeu ao PS.

Branqueamento foi a palavra usada pela IL, mas também pelo Chega, pelo PCP, pelo PAN, pelo Livre e mesmo não usando essas palavras foi a conclusão, também, de PSD e Bloco de Esquerda. Todos também concluíram que foram retirados “factos” do relatório.

Bruno Aragão, pelo PS, acusou o tom. “Aqui chegados o que podemos concluir? Entre o ponto de partida e o momento final não há muitas diferenças”. E cita Abílio Quaresma, decifrador de charadas criado por Fernando Pessoa, para dizer que tinha razão. “Os factos são coisas duvidosas e contra argumentos não há factos. É a historia desta comissão. Contra argumentos não houve factos. Isso vê-se como perguntas se transformaram em respostas”, voltando a falar de perguntas em tom acusatório. Para o deputado socialista importou sempre discutir a TAP. “A TAP é uma empresa de base nacional fundamental, e no início não era seguramente a conclusão que todos os partidos tiravam”. E essa foi “conclusão que mais importa e que não precisou de ser votada”.

Sobre a conclusão mais atacada deste relatório — a de que não houve ingerência política — o deputado socialista diz que o problema foi não ter sido colocada no plural, já que cada um dos episódios que os partidos apontam como exemplos de ingerência foram transformados em muitos: os mails a pedir a mudança de voos, as reuniões preparatórias com o PS de audições no parlamento, as indemnizações milionárias.

Factos são factos, repetiu. “E um deles é que o PS votou isoladamente” no que para Bruno Aragão pode ser visto “como um rolo compressor da minoria”, uma expressão muito referida pelos partidos da oposição e que da qual o socialista se apropriou, provocando risos nas bancadas da oposição. Segundo o coordenador socialista, em 79 conclusões o PS votou isoladamente apenas 18 (as outras tiveram votos favoráveis e sobretudo abstenções do PCP e do Bloco).

Para Pedro Filipe Soares, foi o PS quem fez questão de retirar os factos do relatório, lembrando as audições ao ministro João Galamba, a descrição da reunião promovida pelo seu gabinete para condicionar a audição à presidente da TAP, os acontecimentos no Ministério das Infraestruturas e a intervenção do SIS. O país percebeu que a responsabilidade de João Galamba decorre de não ter separado o interesse público, o desempenho no governo e o interesse partidário”, o que demonstra, no entender do Bloco de Esquerda — o partido que propôs a criação desta comissão de inquérito — “que Galamba já não devia ser ministro” por causa da atuação ilegal do SIS. “É melhor esconder, do que discutir”.

No arranque do debate, já a relatora Ana Paula Bernardo, tinha feito a defesa do documento ter acolhido muitas propostas de alteração (uma parte delas alterada) e destacando o voto favorável a abstenção a vários pontos do relatório. Sobre a acusação de branqueamento, a deputada socialista lembra que tudo será tornado público. “Às críticas absurdas de que quis ocultar informação, respondo: leiam o relatório com os factos e as recomendações”.

Os factos de alegadas ingerências políticas na TAP estão vertidos no relatório e ainda que tenha aberto a porta à existência de ingerências pontuais com um “talvez”, Ana Paula Bernardo desvaloriza com a conclusão de que não houve ingerências reiteradas e com a quase totalidade dos testemunhos dos atuais e ex-administradores a indicarem a sua não existência.

Uma volta de 360 graus … que começa e acaba na privatização da TAP

Para Paulo Moniz do PSD, com este relatório, o PS acaba “por dar uma volta de 360 graus, na medida em que acabará por privatizar novamente a empresa, reconhecendo ser esse o único caminho de viabilidade no competitivo setor europeu da aviação.” E deixa a pergunta: “Se era para terminar de novo numa privatização, para que terá servido tudo isto?”

O coordenador dos social-democratas considera que a reversão parcial da privatização da TAP conduzida em 2017 foi uma irresponsabilidade de António Costa e que custou aos portugueses e acusa o PS de ser “responsável por uma compra ruinosa que absorveu 3,2 mil milhões de euros de todos nós sem nunca ter a humildade de assumir que erraram em toda a linha”.

Ainda assim, Paulo Moniz defende que a CPI “teve o mérito de dar o contributo para que as portuguesas e os portugueses pudessem avaliar, por si mesmos, o grau de amadorismo com que o Estado – que é o PS – gere a coisa pública.” Considerando ainda que o caso “Alexandra Reis foi apenas um sintoma daquilo que é a prática do Partido Socialista: interferência, domínio e capitulação, numa lógica do poder pelo poder”.

“Branqueamento” imputado aos socialistas uniu direita, esquerda e deputados únicos

André Ventura do Chega começou a intervenção a citar uma frase atribuída à João Galamba na sua audição a de que “reconstituir a verdade dá muito trabalho” para concluir que o PS conseguiu destruir a verdade da CPI à TAP que considera “ser o maior branqueamento da história democrática a um Governo do PS em que  nenhum ministro, nenhum administrador financeiro nenhum secretário de Estado é responsável. E “mesmo os que admitiram que era responsáveis não foram considerados responsáveis”. Para o líder do Chega este relatório é uma “muleta para António Costa” porque o livra de tirar consequências.

Para Bruno Dias, o relatório da comissão de inquérito reconheceu a degradação que sucessivas privatizações e operações como a compra da VEM e trouxeram à estrutura da TAP, mas recusou tirar consequências. Essa, disse o deputado comunista, foi a “principal razão porque votamos contra”. E cita a “burla que foram os fundos Airbus,  um mecanismo de comprar a TAP com dinheiro da TAP que o PS conhecia, mas sobre o qual manteve o silêncio para não reverter a privatização do PSD/CDS.

Na semana em que antiga PT volta a ser notícia por causa de investigações judiciais, o deputado comunista lembra que o “país já perdeu grandes empresas, mas tem a TAP e temos o dever de a defender” e CPI mostrou, no seu entender, que a TAP deve ter uma gestão publica.

Nas curtas intervenções, os deputados únicos do Livre e do PAN, Inês Sousa Real, mostraram que se tivessem votado o relatório da CPI, o resultado teria sido igual no isolamento dos socialistas. Rui Tavares retoma uma das palavras fortes deste debate para dizer que o relatório do PS tem dois branqueamentos inaceitáveis: a responsabilidade política pela diferença com que se tratam os administradores e trabalhadores e a “oportunidade perdida” de discutir uma alternativa à privatização “danosa” da TAP.

Também Inês Sousa Real denuncia um “relatório profundamente parcial” e de branqueamento das responsabilidades do Governo, referindo os episódios nas Infraestruturas, onde parece que existem casas de banho que funcionam “como salas de pânico” e o envolvimento do SIS. E conclui que o caso Alexandra Reis foi afinal apenas a “ponta de um iceberg”.