“Parabéns à Espanha pelo seu primeiro Campeonato do Mundo de futebol. Os EUA voltarão numa próxima oportunidade”. Se dúvidas existissem em relação ao impacto que o Mundial feminino da Austrália e da Nova Zelândia teve, a referência do antigo presidente norte-americano Barack Obama no Twitter mostrou bem como a competição ultrapassou a dimensão do acompanhamento da respetiva seleção. Em Espanha, como não poderia deixar de ser, o impacto do feito da Roja foi transversal a toda a sociedade, da política à sociedade passando pelo mundo do desporto entre figuras de universos diferentes como Rafa Nadal, Carlos Alcaraz, Pau Gasol, Carlos Sainz, Alberto Contador Iker Casillas, Gerard Piqué ou Andrés Iniesta, também ele o eterno herói da seleção masculina de futebol pelo golo da vitória no prolongamento do Mundial de 2010.

Com uma história que ensombrou o feito a envolver Olga Carmona, capitã e marcadora do golo decisivo na final frente à Inglaterra que soube após o apito final que o pai tinha morrido, a seleção espanhola fez as malas depois da festa e rumou ao IB2813 preparado com todas as regalias para regressar a Madrid, num avião que foi nomeado de “Talento a Bordo” em homenagem às novas campeãs mundiais e ao projeto entre a Iberia e a Real Federação Espanhola de Futebol para as seleções masculina e feminina. Todos pediam para que o país saísse à rua para saudar o feito histórico de um grupo de jogadoras que até hoje nunca tinham passado dos oitavos da prova e que conseguiram com este sucesso tornar-se a primeira seleção de sempre a ser campeã em título dos Mundiais de Sub-17, Sub-20 e seniores. No entanto, o principal tema ainda era outro.

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Primeiro foram eles, agora é o tempo delas e com Olga Carmona a vestir o papel de Iniesta (a crónica da final do Mundial feminino)

O beijo na boca de Luis Rubiales, presidente da RFEF, à jogadora Jenni Hermoso na altura da passagem pelo palanque onde foram entregues as medalhas de ouro às novas campeãs continua a fazer multiplicar reações, até porque a “explicação” do líder da Federação pouco ou nada serviram para apagar o que se tinha passado, e as críticas já chegaram mesmo ao governo com dois ministros a condenarem (e muito) o sucedido.

O beijo que Jenni não gostou tornou-se um caso em Espanha mas Rubiales ainda “gozou” com a situação no balneário

“Conseguimos encaminhar-nos para ser a primeira potência mundial no futebol feminino e poderemos ser durante muito tempo. Aquilo que se passou com Rubiales e Jenni parece-me inaceitável. Vivemos agora um momento de igualdade, de luta por direitos e de respeito pelas mulheres. Todos temos de ser especialmente cuidadosos nas nossas atitude e ações e creio que é inaceitável beijar nos lábios uma jogadora para felicitá-la. Tenho de dizer perante o que vi que todos merecemos respeito”, comentou Miquel Iceta, ministro da Cultura e do Desporto, no programa “As Manhã da RNE” da Rádio Nacional Espanhola. “Pedido de demissão? O primeiro que tem de fazer é dar explicações e apresentar as suas desculpas, isso é o lógico e o razoável. Quando temos responsabilidades públicas temos de ser muito cuidadosos porque estamos a passar uma mensagem à sociedade e essa mensagem é a de que a igualdade de direitos é respeito”, acrescentou.

Já Irene Montero, ministra da Igualdade, deu os parabéns à seleção espanhola pelo título mas não deixou de, algumas horas depois, condenar o sucedido. “Somos campeãs do mundo! Felicidades e obrigado por tudo às jogadoras da nossa seleção feminina e à toda a equipa técnica pela vitória”, destacou. “Não podemos partir do pressuposto que dar um beijo sem consentimento é algo que ‘acontece’. É uma forma de violência sexual que as mulheres sofrem diariamente que até agora era invisível e que não podemos normalizar. Essa é uma tarefa de toda a sociedade. O consentimento tem de estar no centro, só o sim é sim”, salientou de seguida.

Também Ione Belarra, secretária geral do Podemos e ministra em funções dos Direitos Sociais e da Agenda 2030, partilhou a ideia de Irene Montero. “Aquilo que todos pensamos é que se fazem isto com toda a Espanha a assistir, o que não darão depois em privado. A violência sexual contra as mulheres tem de acabar. Um abraço às campeãs”, escreveu a responsável também numa mensagem no Twitter. Já existem petições de várias associações que pedem a demissão de Rubiales, nomeadamente uma da Federação das Mulheres Progressistas da Comunidade Valenciana: “Este indivíduo não pode ficar nem mais um minuto”.

Ainda na Austrália, Luis Rubiales voltou a comentar o caso seguindo a mesma linha que tinha utilizado nas primeiras declarações proferidas à Rádio Marca. “Não façamos caso dos idiotas e dos estúpidos. É um beijo de dois amigos a celebrar algo… Não estamos para palermices. Depois de tudo o que se passou, mais tontos e mais palermas não… Não podemos fazer caso disso e temos de desfrutar do bom que alcançámos sem olhar para aqueles que não sabem ver o positivo. Foi uma coisa sem maldade. Se existem tontos, que sigam com as suas tontices. É uma coisa sem maldade e uma tontice, se vamos perder tempo com essas coisas…”, referiu novamente o presidente da RFEF no programa El Partizado da Cadena COPE.

Mais tarde, através de declarações difundidas pela Real Federação Espanhola de Futebol, Luis Rubiales teve outro discurso e apresentou desculpas pelo sucedido. “Estamos perante um feito histórico, um dos maiores dias do futebol espanhol. Campeões do mundo… Trabalhámos muito para isto e sentimo-nos orgulhosos pelo que conseguimos alcançar mas também há algo que tenho de lamentar”, começou por dizer no vídeo.

“Tenho de lamentar aquilo que aconteceu entre uma jogadora e eu, duas pessoas com uma magnífica relação tal como tenho com outras e de certeza que me equivoquei, tenho de reconhecer. Num momento de máxima alegria e sem qualquer má intenção, aconteceu o que aconteceu de uma forma muito espontânea. Não entendi o que se estava a passar porque víamos algo natural e normal sem qualquer má fé mas houve pessoas que se sentiram atingidas. Tenho de pedir desculpas, aprender com isto e entender que, quando se é presidente de uma instituição tão importante como a Federação, sobretudo nas cerimónias, terei de ter mais cuidado. Disse que me parecia uma idiotice porque aqui dentro ninguém estava a atribuir importância mas lá fora deram e tenho de me desculpar perante essas pessoas”, comentou Luis Rubiales na declaração.

Notícia atualizada às 14h30 com as declarações de Luis Rubiales à RFEF