“Obrigada pela vossa paciência.” A meio do espetáculo, Björk agradece à plateia. De facto, foi preciso esperar 15 anos para que a cantora islandesa voltasse a Portugal. O último concerto foi em 2008 num Sudoeste já irreconhecível e quando, finalmente, houve esperança num reencontro, em 2012, no Primavera Sound e, em 2018, no Paredes de Coura, os planos foram cancelados: problemas nas cordas vocais e problemas logísticos.
Talvez por isso, um público de novos e velhos fãs quase esgotou esta sexta-feira, 1 de setembro, a Altice Arena, mesmo com preços difíceis, com bilhetes a chegarem aos 180 euros nas primeiras filas. À porta, no merchandising, uma T-shirt com a capa de Debut lembrava-nos como o tempo realmente tinha passado. O disco, o primeiro a solo de Björk, foi lançado há 30 anos.
Já se sabia que aqui não iria haver tempo para muitas revisitações. A própria Björk, numa entrevista ao “Expresso”, sublinhava na véspera que não tocava singles como as pessoas queriam. “Isso é uma treta.”
Cornucopia é uma obra de arte que não precisa de singles – talvez de uma folha de sala. O melhor espetáculo de Björk é, na verdade, uma espécie de ópera futurista que tem arrancado elogios pelo mundo fora desde que se estreou como uma residência de oito noites, a propósito da inauguração em 2019 doThe Shed, uma sala de espetáculos em Nova Iorque.
Concebido a partir do seu penúltimo álbum, Utopia, de 2017, Cornucopia é um espetáculo imersivo com direito a tudo o que podemos imaginar – e tudo o que nunca imaginámos. Visuais hipnóticos que evocam um universo imaginário em que a natureza e a tecnologia se fundem, um coro islandês, o The Hamrahlid Choir, do qual a própria Björk fez parte com 16 anos, um coletivo só de flautistas mulheres, o Viibra, uma câmara de reverberação personalizada, instrumentos desenhados de propósito para a ocasião (incluindo percussões aquáticas do músico Manu Delago), mensagens ambientalistas com um vídeo de Greta Thunberg e um guarda-roupa com criações inacreditáveis de estilistas como Iris Van Herpen, Kei Ninomiya ou Balmain. Enfim, um festim para os olhos e ouvidos, de onde só despertamos quando uma vendedora de pipocas se põe à frente (afinal, e apesar do som irrepreensível, estamos na Altice Arena).
O espetáculo em Lisboa marcou o arranque da digressão europeia de Cornucopia (em março tinha passado pela Austrália e pelo Japão), numa versão 2.0 que incorpora as músicas do mais recente disco, o pós-pandémico Fossora, lançado o ano passado e nomeado para o Grammy de Melhor Álbum de Música Alternativa. Segundo a cantora, sempre foi a sua intenção juntar o imaginário de pássaros e flautas de Utopia com o mais visceral (inspirado em cogumelos e na recente morte da mãe) universo do álbum sucessor,uma “colisão de dois mundos”, explicou.
No Instagram, Björk já tinha dado a entender na véspera, com imagens dos ensaios para o concerto, que iríamos presenciar a estreia ao vivo de “Victimhood”, uma das quatro canções de Fossora no concerto. Tivemos também direito à estreia do seu magnífico vídeo, uma animação de GabríelaFriðriksdóttir e Pierre-Alain Giraud, que só será lançado oficialmente a 5 de Setembro.
“Fossora” foi outra das músicas tocadas ao vivo pela primeira vez, mas ainda houve tempo, tal como nas digressões anteriores, para alguns (poucos) êxitos antigos, como “Isobel”, de 1995, ou “Pagan Poetry” e “Hidden Place”, de 2001, este último numa versão sem instrumentos, só com o coro.
“Cornucopia” é um espetáculo que veríamos as vezes que fossem precisas. Aliás, Sérgio Sanches, professor de Matemática, conseguiu bilhetes para a primeira fila e está a vê-lo pela segunda vez, depois de viajar de propósito para Dublin, em 2019. “Se houvesse amanhã, também viria”, diz, emocionado.
Como é um dos “top listeners” em Portugal de Björk, recebeu uma uma “surpresa”, uma mensagem do Spotify com um link para a pré-venda dos bilhetes um dia antes da venda oficial. Escolheu a primeira fila, que já estava quase preenchida, apesar dos 180 euros. “Não é o melhor sítio para ver o espetáculo, um bocadinho atrás tens uma visão mais espetacular de todas as projeções, mas como eu já as vi, queria ficar perto para ver os pormenores”, conta. Valeu a pena. “Na [canção] ‘Hidden Place’, com o coro, [a Björk] estava mesmo à minha frente. Na minha cabeça estava a cantar para mim, esqueci-me que estavam não sei quantas mil pessoas na sala.”
O facto de o concerto estar a ser gravado (como, aliás, avisava uma mensagem no bilhete), acabou por ser, na sua opinião, uma mais-valia. “Sinto que ela arriscou mais, o improviso foi mais arrojado e puxou mais pela voz”, continua. “As músicas novas encaixaram muito bem, fundiram-se no conceito do antigo concerto.”
A plateia também se parece ter fundido no conceito do espetáculo. Quase no fim, depois de Björk apresentar a banda e de repetidos “obrigada”, a sala encheu-se de luzinhas de telemóvel de agradecimento e a cantora pareceu, também ela, tão emocionada como nós.