Um grupo de arqueólogos acredita ter descoberto a estrutura de madeira mais antiga do mundo, na Zâmbia. Com 476 mil anos e, portanto, anterior ao aparecimento do homem moderno. O novo achado poderá colocar em causa o que pensávamos saber sobre a “Idade da Pedra”.

Esta pode ser a construção de madeira mais antiga conhecida e talvez seja obra do Homo heidelbergensis, antepassado do Homo sapiens, diz a equipa de investigadores das universidades de Liverpool e de Aberystwyth, no Reino Unido, num artigo publicado na na revista Nature, na quarta-feira.

Imagem das escavações divulgada pela Universidade de Liverpool

Segundo o artigo científico, a estrutura encontrada junto à cascata Kalambo, é formada por dois troncos, modelados por ferramentas feitas com pedras afiadas e mostram sinais de terem sido cortados, picados e raspados. Foram ainda descobertos outros quatro utensílios de madeira.

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“Análises às marcas de cortes de ferramentas de pedra na madeira revelam que esses primeiros humanos moldaram e uniram dois grandes troncos para formar uma estrutura, provavelmente a fundação de uma plataforma ou parte de uma habitação”, lê-se no texto.

“Quando o vi pela primeira vez, pensei que isto não podia ser real. A madeira e a pedra sugerem um elevado nível de engenho, habilidade tecnológica e planeamento”,  diz Larry Barham, arqueólogo da Universidade de Liverpool que liderou a expedição ao The Guardian.

Barham afirma que “pode ser parte de um passadiço ou parte de uma fundação para uma plataforma” e garante que este é o registo “mais antigo que temos de pessoas que pegam em árvores, trabalham este material e moldam algo que não tem precedentes, que não tem uma forma natural para imitar”, refere. “É uma verdadeira imposição cultural sobre a paisagem”, sublinha.

Imagem das escavações divulgada pela Universidade de Liverpool

Já Ceren Kabukcu, arqueóloga que trabalhou no estudo, diz ao Público que “o artigo apresenta as provas mais antigas até à data de marcenaria em África e o exemplo mais antigo de elementos de uma estrutura de madeira no mundo”.

Os investigadores lembram que já se sabia que a madeira era usada para pequenos utensílios como lanças e paus para escavações, mas esta é uma estrutura permanente. “Isto mostra que os primeiros caçadores-recolectores também investiam tempo e energia na criação de estruturas e espaços de habitação nos seus acampamentos. Até à data, havia muito poucos indícios de estruturas/plataformas de madeira com mais de 10.000 anos – coincidindo aproximadamente com os últimos caçadores-recolectores”, sublinha a arqueóloga.

Imagem das escavações divulgada pela Universidade de Liverpool

Annemieke Milks, arqueóloga do Paleolítico na Universidade de Reading, afirma que “a raridade da preservação da madeira implica que tais comportamentos eram mais generalizados do que o que testemunhamos no registo arqueológico”.

Ora, a nova descoberta “põe em causa o ponto de vista prevalecente de que os humanos da ‘Idade da Pedra’ eram nómadas”, dá conta uma nota divulgada pela Universidade de Liverpool. A construção de uma estrutura de madeira e a localização onde foi encontrada — tinha “uma fonte de água perene” e a “floresta que os rodeava providenciava alimento suficiente” — leva os investigadores a crer que os humanos da “Idade da Pedra” também “assentavam”.

“Esta descoberta mudou a minha forma de pensar sobre os nossos antepassados. Esqueçam o rótulo de ‘Idade da Pedra’, vejam o que estas pessoas estavam a fazer: faziam algo novo, e grande, a partir da madeira. Usaram a sua inteligência, imaginação e capacidades para criar algo que nunca tinham visto antes, algo que nunca tinha existido anteriormente”, sublinha Barhan, no mesmo comunicado. “Transformaram o seu ambiente para tornar a vida mais fácil, mesmo que fosse apenas a construção de uma plataforma para se sentarem junto ao rio e fazerem as suas tarefas diárias. Estas pessoas eram mais parecidas connosco do que pensávamos”.

Datar artefactos tão antigos é tarefa difícil. Assim, os investigadores da Universidade de Aberystwyth serviram-se de técnicas inovadoras de datação por luminescência — que permite descobrir a última vez que os minerais, em volta do objeto, estiveram em contacto com a luz solar.

“Estes novos métodos de datação têm implicações de grande alcance — permitindo-nos datar muito mais para trás no tempo, para juntar sítios que nos dão um vislumbre da evolução humana. A zona junto à cascata do rio Kalambo já tinha sido escavada nos anos 60, quando foram recuperados pedaços de madeira semelhantes, mas não foi possível datá-los”, explica Geoff Duller.

A cascata de Kalambo, numa imagem divulgada pela Universidade de Liverpool

Na nota divulgada pela Universidade de Liverpool, é revelado que “a área [na Zâmbia] está na lista ‘provisória’ da UNESCO para se tornar Património Mundial devido ao seu significado arqueológico”. Para Duller, a “investigação prova que este sítio é muito mais antigo do que se pensava anteriormente, pelo que o seu significado arqueológico é agora ainda maior. Isto dá mais peso ao argumento de que deve ser considerado Património Mundial das Nações Unidas”.