Houve momentos de festa e brincadeira, e também de reflexão. Mas, da Semana Europeia da Mobilidade, que em Lisboa decorreu de 16 de Setembro até este domingo, que ideias ficam para o futuro? Sabendo que o compromisso europeu de atingir a meta da neutralidade carbónica em 2030 — de que Lisboa é uma das cidades signatárias — está muito ligado ao modo como as pessoas se movem entre casa, escola, trabalho e atividades de lazer, o que devemos esperar dos próximos anos?

1. Os transportes públicos

“A mobilidade é um fator crítico para alcançarmos a neutralidade carbónica. Em Lisboa é o sector responsável por mais de 40% das emissões.” As palavras são de Miguel de Castro Neto, diretor da NOVA Information Management School e criador do NOVA Cidade – Urban Analytics Lab, unidade dedicada aos temas das cidades inteligentes e analítica urbana da Universidade Nova de LIsboa.

“Só se formos capazes de oferecer às pessoas conveniência nas deslocações realizadas em transportes públicos, articuladas com soluções multimodais, seremos capazes de reduzir as entradas diárias de sensivelmente 3700 viaturas em Lisboa.” Na prática, isto significa que é mesmo necessário encontrar soluções de mobilidade que permitam desbloquear a situação atual. Não há outra forma, acredita o especialista.

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Mas a qualidade dos transportes públicos, sublinha o docente, não passa apenas pelas infraestruturas. O preço e a facilidade de utilização também ajudam o utente a decidir.

É preciso assegurar que, idealmente, uma única aplicação ou título/passe poderá ser utilizada numa combinação de transportes, públicos e privados, que nos levam do ponto A ao ponto B.”

A eficácia dos transportes torna-se, pois, decisiva. Ana Raimundo, diretora municipal de mobilidade, assegura que a autarquia de Lisboa está a responder a este desafio: “Estão  a ser estudadas novas hipóteses de corredores de bus. Esperamos desenvolver mais dois até ao fim do ano. Estamos, neste momento, a proceder a medições e contagens de tráfego.”

2. A cidade e a região

Onde vivemos, como nos deslocamos, como é o ar que respiramos? Estas são algumas das dúvidas prioritárias da associação ambientalista Zero, que, ao longo do Dia Europeu sem Carros, que se assinalou na passada sexta-feira, 22, esteve em vários pontos da cidade a realizar medições da qualidade do ar, à imagem do que tem vindo a fazer nos últimos anos.

Com um aumento dos gases de efeito estufa na ordem dos seis por cento relativamente aos níveis pré-pandemia, Francisco Ferreira, presidente da associação, acredita que não há tempo a perder e que esta “emergência climática em Lisboa” é crucial, já que a capital, tal como o Porto e Guimarães, comprometeu-se a atingir a neutralidade carbónica em 2030.

Lisboa tem que apostar claramente nas políticas de desincentivo do uso do carro, principalmente no centro da cidade, em articulação com os concelhos da zona metropolitana.”

A solução, acredita o responsável, passa por adotar uma perspetiva regional da solução destes problemas. “A escala não pode ser a da rua, mas do espaço urbano mais alargado.”

Um outro exemplo desta abrangência e do enquadramento social mais amplo que é preciso ter em conta quando se fala de ambiente, é a questão da habitação. “Para se verificar a mudança de que necessitamos, precisamos de ter as pessoas a viver nas cidades, próximas dos seus locais de trabalho, e não amontoadas nas periferias por causa dos custos da habitação”, diz Francisco Ferreira.

3. A mobilidade suave

Uma das novidades saídas da Semana da Mobilidade em Lisboa foi o anúncio público de que, uma vez terminadas as obras, a Rua da Prata reabrirá em novembro, mas não ao trânsito automóvel. Apenas elétricos, que voltarão a subir até à Praça da Figueira, bicicletas, trotinetes e peões poderão circular naquela que é uma das principais artérias daquela zona da cidade.

Manuel Sousa Lopes, presidente da Associação de Dinamização da Baixa Pombalina, considera que a opção pode ser interessante, mas vai dizendo: “Enquanto empresários, os comerciantes da Rua da Prata aguardam com ansiedade pelo fim das obras. De qualquer modo, o anúncio que foi feito permite-nos ter alguma esperança, depois de um período muito doloroso. Apelo muito à Câmara Municipal de Lisboa para que, de facto, sejam retirados os estaleiros e os empresários possam voltar a respirar.”

As alterações anunciadas [na Rua da Prata] parecem-nos potencialmente positivas, mas para nós é essencial que os elétricos voltem a chegar à Praça da Figueira. Disso é que não prescindimos.”

Como foi anunciado durante esta semana, também a Carris pretende devolver à carreira 15 E o seu percurso original (Praça da Figueira-Algés), agora com 15 novos elétricos, mais modernos, económicos e silenciosos. Em estudo poderá estar a extensão desta linha — a mais antiga da Carris — até ao Jamor (a Ocidente) e a Santa Apolónia (Oriente).

4. As escolas unidas por bicicletas

A aposta da autarquia na mobilidade suave passa ainda pelo desenvolvimento do programa BICI (financiado pela agência Bloomberg, que distinguiu Lisboa e outras nove cidades do mundo inteiro, a partir de 274 candidaturas de mais de setenta países), que levará a rede ciclável existente a mais 18 escolas do concelho, até 2025. De resto, a própria rede de ciclovias de Lisboa será expandida, aumentando os atuais 173 quilómetros que cruzam a cidade. O objetivo é permitir o acesso ao maior número possível de escolas a partir das ciclovias, quer através da expansão das existentes, quer através da construção de novas docas para as bicicletas GIRA junto aos estabelecimentos de ensino.

Vamos construir pequenos trechos cicláveis junto à escola, que estabeleçam a ligação com a ciclovia que serve a zona ou o bairro. E os pais podem estar confiantes porque vão estar coordenados com um reforço da segurança através das  medidas de acalmia de tráfego que estamos a introduzir.”

Ana Raimundo, diretora municipal de mobilidade, refere-se assim a equipamentos como avisadores antes de chegar às passadeiras, almofadas redutoras de velocidade ou estreitamento das vias onde haja estabelecimentos de ensino.

Além disso, depois da ciclovia “pop-up” que foi aberta na Semana da Mobilidade, seguir-se-ão mais duas experiências até ao final do ano com dois percursos diferentes mas todos a estabelecer a ligação entre a Avenida da Liberdade e a Rua da Prata.

E, claro, ouvir os cidadãos

Finda a festa da mobilidade, que teve vários momentos lúdicos para toda a família, estará a comunidade realmente empenhada na mudança de paradigma e na luta por uma maior eficiência energética? Miguel de Castro Neto mostra-se otimista: “Julgo que a promoção da eficiência energética já não é um nice to have, mas algo que passou a estar na agenda da sociedade em geral, não apenas pelas questões relacionadas com a sustentabilidade ambiental e emergência climática, mas, neste momento, também por questões económicas.”

O antigo secretário de Estado do Ordenamento do Território não acredita é em soluções instantâneas impostas de cima para baixo, isto é dos poderes nacionais ou locais para a sociedade: “Apenas com o melhor conhecimento disponível, apoiado por dados factuais do metabolismo dos espaços urbanos, seremos capazes de construir soluções que respondam à urgência de reduzir as emissões de carbono, ao mesmo tempo  que garantam bem-estar e qualidade de vida às pessoas. As intervenções públicas têm de ser criadas com as pessoas, que têm de ser parte da solução e não do problema, como tantas vezes parece acontecer.”

Este artigo faz parte de uma série sobre a Semana Europeia da Mobilidade, evento de que o Observador é media partner. Resulta de uma parceria com a Câmara Municipal de Lisboa. É um conteúdo editorial independente.