O gelo que cobre a Antártida esconde antigas paisagens verdejantes. Na parte este do continente existe um antigo vale, sulcado por um rio e mais tarde moldado pela passagem dos glaciares, de acordo com uma investigação publicada, esta terça-feira, na revista científica Nature Communications.

A descoberta desta paisagem “escondida à vista de todos” leva a equipa de investigadores do Reino Unido e Estados Unidos a pensar que podem existir outras, também por descobrir. O mapeamento destas paisagens e potenciais amostragens feitas por baixo do gelo podem ajudar a perceber como se formou e evoluiu o manto de gelo da Antártida oriental, defendem.

Mais, perceber o que aconteceu no passado pode ajudar-nos a prever o que poderá acontecer no futuro com paisagens semelhantes, uma vez que as atuais condições atmosféricas (quantidade de dióxido de carbono na atmosfera e temperaturas) estão a aproximar-se das que se verificavam antes da última idade do gelo, quando a temperatura era 3 a 7 ºC mais alta do que atualmente.

Ao centro, uma proposta do que seria a Antártida sem a camada de gelo. Nas imagens laterais, o avião e equipamento usadas para a recolha de dados -- Cortesia de ICECAP e Stewart Jamieson/DurhamUniversity

Ao centro, uma proposta do que seria a Antártida sem a camada de gelo. Nas imagens laterais, o avião e equipamento usadas para a recolha de dados — Cortesia de ICECAP e Stewart Jamieson/Durham University

Como e quando se formaram estes vales e montanhas?

A paisagem ter-se-á formado há mais de 14 milhões anos — quando a Antártida se tornou permanentemente gelada —, mas os cientistas estão confiantes que terá acontecido antes disso, talvez imediatamente antes da primeira glaciação global do continente, quando o este também se cobriu de gelo, há cerca de 34 milhões de anos.

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Na verdade, os dados não são novos. O que os investigadores fizeram foi analisá-los com uma nova abordagem. A melhor técnica para estudar as camadas por baixo do gelo é a sondagem por eco de radar (“radio-echo sounding”), que utiliza as ondas de rádio para medir a profundidade dessas camadas e inferir o relevo. Como o equipamento vai a bordo de um avião, tentar mapear a Antártida desta forma não é uma tarefa fácil. Por isso, os investigadores usaram imagens de satélite onde as ondulações à superfície são evidentes para tentarem identificar onde estariam os vales e montanhas e estudar apenas essas zonas. Mesmo assim, a região agora estudada tem mais de 32 mil quilómetros quadrados, uma área maior do que a da Bélgica, destaca o jornal The Guardian.

A equipa de Stewart S. R. Jamieson e Neil Ross, investigadores no Departamento de Geografia da Universidade de Durham (Reino Unido), descreve a formação da paisagem em cinco momentos principais:

  1. O terreno foi sulcado pelas linhas de água enriquecidas num ambiente húmido, mas sem grande profundidade.
  2. A separação do mega-continente Gonduana e a atividade tectónica levaram ao aparecimento de falhas que partiram a crosta em blocos, ainda antes da primeira grande glaciação do continente.
  3.  Os sucessivos glaciares levaram ao aprofundamento dos vales inicialmente criados pelos rios.
  4. A glaciação global permanente da Antártida fez com que os três blocos separados pelas falhas e glaciares ficassem preservados por baixo do manto de gelo.
  5. A flutuação das margens geladas da Antártida, com aumento e diminuição da cobertura de gelo, não foram o suficiente para expor a paisagem antiga.