O Banco Central Europeu decidiu, esta quinta-feira, manter os juros, depois de dez subidas consecutivas. Para o ex-vice-presidente do BCE, Vítor Constâncio, o choque da subida das taxas foi “muito rápido” e por isso é preciso esperar para ver se os apoios do Governo para o crédito à habitação são suficientes.
Em entrevista no Direto ao Assunto da Rádio Observador, Vítor Constâncio aponta para uma recessão na zona euro, com “consequências para Portugal”, apesar de a economia nacional estar mais robusta.
O economista reage ainda às novas medidas de apoio às rendas – e diz que se justificam e abrangem quem devem abranger – e faz uma apreciação geral do Orçamento do Estado para o próximo ano: “Parece muito equilibrado”.
Sobre o excedente orçamental, pode ter dois fins: o fundo da Segurança Social ou a redução da dívida pública.
O também antigo governador do Banco de Portugal recusa dizer se Mário Centeno é um bom nome para a corrida a Belém.
Ouça aqui na íntegra a entrevista de Vítor Constâncio no Direto ao Assunto
“Decisão acertada e esperada do BCE”
Vítor Constâncio já estava à espera, como a maioria dos analistas, que o Banco Central Europeu decidisse por uma manutenção de juros, o que vem quebrar o ciclo de subidas que dura desde julho de 2022. É “uma decisão acertada” e “normal”, depois de a Reserva Federal norte-americana também já ter parado os aumentos. “No caso do BCE, com mais razão ainda, porque a economia europeia tem estado a desacelerar o crescimento de forma mais visível do que os Estados Unidos”.
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O antigo número dois do BCE aponta, aliás, para a probabilidade de a Europa estar à beira de um “crescimento zero” ou mesmo de uma “ligeira recessão”. Que terá efeitos em Portugal: “Haverá algum efeito, como é evidente, uma vez que estamos muito dependentes da economia europeia. Em todo o caso, nestes últimos cinco/seis anos, através da pandemia e de todos os choques geopolíticos, Portugal teve um desempenho económico, quer no crescimento quer na inflação, melhor do que a média europeia”.
“No contexto de uma recessão suave de curta duração na Europa, não nos deve atingir na mesma proporção, mas evidentemente que haverá consequências”, sublinha nesta entrevista no Direto ao Assunto.
Para Constâncio, até “seria estranho que não houvesse um efeito recessivo na economia” após uma subida de 4,5 pontos percentuais dos juros em pouco mais de um ano. Esse efeito, acredita, “ajudará” a normalizar a inflação para perto de 2%, algo que Vítor Constâncio vê acontecer “na parte final do próximo ano e antes do que apontam as previsões do BCE”, que antecipam esse marco para 2026.
“Choque do aumento das taxas de juro não deu tempo aos agentes económicos”
E as medidas para o crédito à habitação anunciadas pelo Governo, são suficientes? “Se chegam vamos ver”, sublinha, “mas claro que as medidas são positivas”. Para Constâncio, o choque do aumento das taxas de juro “foi muito rápido, não dá tempo para os agentes económicos se ajustarem à nova situação”. Se o aumento tivesse sido “mais gradual e espaçado no tempo, teria sido diferente”. Consequentemente, “a rapidez com que se verificou justifica algumas medidas de apoio que são, aliás, medidas que beneficiam mais os devedores que estejam mais próximos de ver os limites dos seus orçamentos familiares, e isso é importante nesta fase”, até para evitar o crescimento do crédito malparado, defende. Os apoios, considera, incidiram sobre os aspetos que tinham de incidir.
Sobre os juros nos depósitos que ainda não acompanham a subida que se tem verificado para os empréstimos, o ex-vice-presidente do BCE diz que os supervisores – incluindo o Banco de Portugal – não têm poderes para obrigar os bancos a remunerar melhor.
“Os depósitos já não estão a zero, houve alguma subida, embora reduzida das taxas de juro dos depósitos, mas isso tem a ver essencialmente com o facto de não haver muita concorrência, o que acontece quando há excessiva capacidade bancária instalada, que é o que existe em toda a Europa. Em condições normais, deveria estar a existir um movimento de compras e fusões entre bancos para reduzir o excesso de capacidade bancária na Europa. Os bancos acabam por não poder não aumentar as taxas de juro dos depósitos como as condições atuais da política monetária normalmente conduziriam”, assinala. O problema mudará de natureza, acrescenta, quando os juros começarem a descer.
Apoios às rendas “têm toda a justificação”
Quanto às rendas, uma “maior discriminação a favor dos rendimentos mais baixos tem toda a justificação – devem ser medidas focadas e não de âmbito geral”, por isso aplaude os novos apoios anunciados pelo Governo esta quinta-feira.
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Já no que toca ao excedente orçamental previsto para o próximo ano na proposta de Orçamento do Estado, este poderá ter várias aplicações, na perspetiva de Vítor Constâncio: “reforçar o fundo da segurança social, que é um objetivo importante e é uma espécie de salário indireto que se protege em relação ao futuro; a outra é pagar dívida antecipadamente, o que é um objetivo importante para mantermos as taxas de juro do Estado e das empresas o mais baixo possível, diminuindo o risco da economia portuguesa”.
Nesta entrevista, que pode ouvir em podcast, Vítor Constâncio diz que, fazendo uma apreciação geral, o Orçamento do Estado parece responder “à situação atual tendo em conta esse objetivo que não devemos perder de vista que é conseguir reduzir o endividamento do país, o que acabará por beneficiar todos os agentes económicos”.
Questionado ainda sobre Mário Centeno, o atual governador do Banco de Portugal, que tem sido apontado como eventual candidato às próximas presidenciais, Constâncio não quer pronunciar-se.
